São Paulo, domingo, 01 de julho de 2007

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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

A meta dupla de inflação para 2009


A incerteza sobre a inflação futura deve, por si só, elevar o prêmio de risco pago pelo Tesouro nos prefixados


A ESDRÚXULA decisão de perseguir uma meta dupla de inflação é mais uma demonstração da deterioração da qualidade da política econômica no governo Lula 2. A implementação do regime de metas de inflação foi feita de formas diversas em cada país, mas só no Brasil de 2009 os agentes econômicos vão enfrentar a incerteza adicional de saber qual a meta que vai ser implementada -a oficial de 4,5% ou a "informal", meio ponto percentual mais baixa, que, segundo esta Folha, foi autorizada ao Banco Central.
A razão pela qual nenhum outro país adotou essa jabuticaba é simples: divergências entre aquilo que os agentes econômicos esperam da política monetária e o que realmente ocorre se traduzem em indesejáveis flutuações no nível de atividade na economia. Mesmo bancos centrais, tais como o Federal Reserve americano, que não seguem explicitamente um regime de metas fazem grande esforço para sinalizar como a conjuntura macroeconômica futura influenciará os movimentos na taxa de juros.
Por isso, um pilar do regime de metas é a transparência dos objetivos e processos da política monetária. Os bancos centrais que adotam esse regime fixam uma meta central e um intervalo de tolerância pequeno, mas realista, e tentam, na medida do possível, deixar claro como a taxa de juros vai responder às condições macroeconômicas.
Já escrevi nesta coluna que o Banco Central deveria ter, a partir do segundo semestre de 2004, levado mais em conta o custo fiscal da sua política de juros. O BC poderia ter experimentado uma redução mais rápida da Selic, o que provavelmente teria tido um pequeno impacto na inflação, ao mesmo tempo em que traria uma diminuição saudável na relação dívida/ PIB. Mas uma conseqüência positiva da falta de imaginação do BC foi contribuir para a construção da credibilidade do sistema de metas implantado em 1999. Reduzir essa credibilidade é mais uma realização da equipe econômica de Lula 2.
Um dos objetivos de todos os secretários do Tesouro desde o Plano Real foi conseguir trocar a dívida indexada ou dolarizada por dívida nominal em reais. A incerteza sobre a inflação futura vai, por si só, aumentar o prêmio de risco que precisa ser pago pelo Tesouro para os detentores de títulos com juros prefixados.
Há hoje um consenso de que variações no sistema de metas de inflação constituem a melhor maneira de conduzir política monetária, mas existem muitas dúvidas sobre os detalhes. Uma dificuldade que persiste é identificar o índice ideal para a meta. Uma outra é o prazo sobre a qual a inflação deve ser medida. Um debate sobre essas questões seria muito mais relevante para a atual conjuntura da nossa economia do que saber se essa meta deveria ser de 4% ou 4,5%, desde que o objetivo escolhido ficasse claro para todos.
O episódio da meta de inflação é descrito como mais uma manifestação da dificuldade do presidente Lula de tomar decisões. Mas, de alguma maneira, o ex-ministro Palocci conseguiu convencer o presidente a tomar medidas controversas durante o seu primeiro mandato, tais como a reforma da Previdência e a unificação dos programas de transferência de renda com a focalização dos gastos sociais nos mais pobres. A meta dupla indica que hoje falta liderança na área econômica do governo, o que pode ser um problema sério se o ambiente externo se tornar menos benigno.


JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 59, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.

jose.scheinkman@gmail.com


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