São Paulo, quinta-feira, 01 de agosto de 2002

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ENTREVISTA

Para deputado, governo FHC levou país por duas vezes à insolvência

Dólar não vai parar de subir, diz Delfim

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

O presidente Fernando Henrique Cardoso ficará para a história como o governo que levou o país por duas vezes a uma situação de insolvência. A afirmação é do deputado federal Delfim Netto (PPB-SP), 74, ao analisar a atual crise que atravessa o país.
Segundo ele, a primeira vez foi em 1998, quando o país teve que recorrer ao FMI (Fundo Monetário Internacional). A segunda é agora, com a crise instalada no setor privado. A única solução, na opinião de Delfim, é o acordo com o Fundo. O dólar, a seu ver, não irá parar de subir enquanto não entrar o dinheiro do FMI. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha - Até onde o dólar pode subir?
Delfim Netto -
Normalmente, os preços sobem para resolver um problema de escassez. Se falta feijão, os preços do produto sobem até chegar a um nível de equilíbrio entre a oferta e a demanda. No câmbio, isso deveria acontecer também, mas não é isso o que acontece agora. Os bancos lá fora cortaram o crédito comercial e isso enxugou a oferta de dólares no mercado. As empresas não estão conseguindo renovar seus empréstimos e se tornando inadimplentes. Isso fez com que se instalasse um processo de pânico. Para resolver essa situação, o Brasil precisa desesperadamente fechar um acordo com o FMI para poder repor essas linhas de crédito. O Fundo é a única entidade que pode suprir essa necessidade de dólares do mercado. Ninguém mais vai oferecer esses recursos. Os bancos vão tentar sair fora. As pessoas precisam entender que, quanto mais subir o dólar, mais aumentará a inadimplência e mais vai subir o dólar. É uma falha da economia de mercado. O mercado não é capaz de coordenar esse processo. A subida do dólar não vai trazer o câmbio para um preço de equilíbrio. Só vai criar mais problemas.

Folha - A que o sr. atribui esse descontrole?
Delfim -
Na verdade, esse problema no câmbio é simplesmente mais uma manifestação de que os postulados defendidos pelo governo eram falsos. O governo dizia, por exemplo, que, se a dívida era privada, não tinha com o que se preocupar, já que o setor privado era muito mais esperto e não iria criar problemas.

Folha - O sr. acha que essa situação é fruto só de erros do governo? A crise externa também não contribuiu?
Delfim -
A crise externa existe mesmo, mas basta olhar os casos do Chile, do México, da Coréia, da Malásia... O risco de todos esses países aumentou, mas foi muito maior no Brasil, o que mostra que nossos problemas internos são maiores. O que houve, para chegarmos a essa situação, foi um acúmulo de erros de política econômica. O primeiro erro foi ter congelado o câmbio e usado os recursos externos de forma irresponsável, até acumularmos US$ 200 bilhões de déficit em conta corrente nos últimos oito anos. Não adianta discutir o passado, mas a verdade é que o Brasil foi levado duas vezes a uma situação de insolvência pelo governo Fernando Henrique. A primeira foi em 98, quando o governo correu para o Fundo e conseguiu o empréstimo de US$ 41 bilhões. Agora, o governo termina com o setor privado quebrando.

Folha - E se não vier o dinheiro do Fundo?
Delfim -
Se não vier o dinheiro do Fundo, não tem como resolver o problema. Só o acordo do Fundo pode normalizar a situação.

Folha - Quanto o sr. imagina necessário de dinheiro do Fundo para normalizar a situação?
Delfim -
Na minha opinião, é alguma coisa entre US$ 10 bilhões e US$ 20 bilhões.

Folha - As eleições também não são um fator de incerteza?
Delfim -
Quem criou esse terror foi o próprio governo, quando disse que ou o povo elege o candidato do governo ou o país poderá virar a Argentina. O governo criou esse terror e agora está sendo comido por ele.

Folha - O sr. acha que será necessário o governo aumentar os juros?
Delfim -
Não irá adiantar nada aumentar os juros agora. O país está diante de um processo muito mais sério. O problema é de falta de crédito. As linhas de crédito bancário secaram. Para combater isso, seria preciso o Brasil ter o dobro do seu atual nível de reservas. A nossa política econômica depende sempre de bom tempo para ficar firme. Cada vez que há uma ameaça de trovoada, é necessário pousar o avião no FMI. Não acho nenhum demérito o governo ter que recorrer ao Fundo. Aliás, quem dizia que ir ao Fundo era sinal de que o país tinha sido mal administrado era a oposição que hoje está no governo. Agora, eles vão ao Fundo com orgulho. Ir ao Fundo é uma contingência. Ele existe para isso. Só que ir ao Fundo a cada quatro anos é bem diferente. Se não fosse a intervenção do Fundo em 98, Lula hoje estaria saindo o governo, a Bolsa estaria subindo e todo mundo estaria soltando fogos. Agora, nós estamos de novo com a ameaça do Lula.

Folha - O sr. acredita no fechamento do acordo com o Fundo?
Delfim -
O Fundo deve ser um pouco leniente com o Brasil, afinal ele também apoiou essa política. A aposta deu errado. Durante os anos de prosperidade do mundo, de 94 a 98, o que fizemos foi uma política antiexportação. Enquanto o mundo se expandia, nós estávamos construindo uma armadilha. Agora que o mundo está murchando, nós caímos nessa armadilha. E não foi por falta de avisos. Fernando Henrique vai ficar para a história por ter levado o país por duas vezes a uma situação de insolvência.



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