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'Brasil também fez concessões'
Folha - Por que a Argentina
atendeu à pressão do Brasil e
recuou nas salvaguardas?
Herrera Vegas - A forte reação
brasileira, anunciando a suspensão de todas as negociações, inclusive do setor automotivo, criou
um enorme grau de preocupação
na Argentina.
A Argentina continua tendo um
superávit comercial com o Brasil,
de cerca de US$ 300 milhões, mas
até o final do ano essa posição vai
se inverter por causa do forte
crescimento das exportações brasileiras. Isso é preocupante? É.
É preciso ver, entretanto, que o
Brasil também fez algumas concessões. A mais importante foi
aceitar estudos para a criação de
uma espécie de mecanismo, ou de
um "gatilho", para compensar ou
neutralizar mudanças importantes de câmbio, por exemplo, que
prejudiquem o fluxo comercial
entre os parceiros.
Folha - Há setores brasileiros
que temem uma repentina mudança de política cambial na Argentina. Há possibilidade de
desvalorização do peso?
Herrera Vegas - A Argentina já
está dolarizada, isso não tem volta. A maioria dos depósitos bancários já é em dólar, as dívidas das
empresas e do próprio governo
são em dólar, os contratos e as tarifas das privatizações de energia,
de telefonia e os pedágios são em
dólar. É impossível voltar atrás. A
possibilidade de desvalorização
cambial na Argentina não existe.
É até uma questão cultural. O
meu cabeleireiro aqui em Brasília,
o Avelino, do Hotel Aracoara, me
cobrava R$ 14 há dois anos e mesmo com uma desvalorização de
cerca de 40% continua cobrando
os mesmos R$ 14. O que era US$
12 virou US$ 8 e nem por isso ele
aumentou o preço.
Na Argentina, a sociedade calcula todos os preços, inclusive de
serviços, em dólar. Se houvesse
uma desvalorização do peso de
40%, no dia seguinte tudo estaria
custando 40% mais caro, inclusive o cabeleireiro.
É por isso que, aqui, todos previam uma inflação de 40% por
causa da desvalorização, mas não
vai chegar nem a 10%.
Folha - Nesse estágio de dolarização na Argentina, como é
possível falar em moeda única
do Mercosul? A não ser que a
"moeda única" seja o dólar.
Herrera Vegas - O dólar é como
o sol no sistema planetário. É a
moeda mais importante do mundo. Mas não é a única. A moeda
única pode ser dólar, euro, peso,
ouro, o que se quiser, desde que
seja estável. Isso é o que importa.
Em 7 de junho os presidentes Menem e Cardoso acertaram em
Buenos Aires que haverá no Mercosul uma espécie de "mini Maastricht" (o tratado que estabeleceu
metas macroeconômicas para os
países da União Européia). Tanto
que os parlamentos dos dois países estão agora votando leis de
responsabilidade fiscal, para reduzir o déficit público, equilibrar
as contas, conter a inflação.
Folha - O sr. tem alguma esperança em que dê certo?
Herrera Vegas - Os políticos
gastam dinheiro por natureza.
Ninguém é eleito por proselitismo, discurso, idéias, mas por realizações. E elas custam dinheiro.
Folha - A irritação argentina
com os subsídios para a instalação da Ford na Bahia já está superada, ou ficaram mágoas?
Herrera Vegas - O debate da ida
da Ford para a Bahia foi assim: todo mundo na Bahia achava que
era muito bom para a Bahia, e todo mundo que não era da Bahia
protestava. Incluindo a Argentina. O problema das guerras fiscais
entre países, regiões, Estados é
que a realidade fica distorcida, a
concorrência é desleal.
Folha - Ficaram mágoas?
Herrera Vegas - Não quero ficar
falando nisso. A Argentina fez
uma reclamação por escrito, depois veio o veto parcial do presidente Cardoso. Não me cabe ficar
discutindo o que já foi decidido.
Eu diria que o veto parcial não satisfaz totalmente, mas registramos que houve uma redução dos
incentivos.
Folha - A decisão argentina de
estabelecer salvaguardas para
uma série de produtos foi uma
retaliação ao caso da Ford?
Herrera Vegas - Penso que foi
uma resposta aos setores empresariais argentinos, que se sentem
prejudicados pela recessão e pressionam o governo e os políticos.
Folha - O problema mais grave
continua sendo o do açúcar?
Herrera Vegas - Sem dúvida. É
o produto de mão-de-obra mais
extensiva do Mercosul e é de difícil substituição, ao contrário do
milho e da soja, por exemplo. O
Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar, mas transforma
boa parte em álcool-combustível,
com subsídio para o setor. Então,
é muito difícil fazer a transição
para um regime de tarifa zero.
Folha - Como estão, hoje, as
relações Brasil-Argentina?
Herrera Vegas - Muito bem. Essas quatro ou cinco controvérsias
são muito divulgadas, muito criticadas, mas o mais importante é
que há mil, 1.500 outras coisas que
estão sendo bem-sucedidas.
Folha - União Européia ou Alca
(bloco liderado pelos EUA)?
Herrera Vegas - Os dois, porque o Brasil, a Argentina e o Mercosul são "traders globais", ou seja, têm um comércio diversificado
com diferentes países, ao contrário do México e do Canadá, que
têm em torno de 70% de seu comércio com um único país.
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