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ENTREVISTA
Herrera Vegas, representante da Argentina no Brasil, acredita que o pior da crise do Mercosul já passou
A culpa é da recessão, diz embaixador
ELIANE CANTANHÊDE
Diretora da Sucursal de Brasília
O embaixador da Argentina no
Brasil, Jorge Hugo Herrera Vegas,
está convencido de que o estopim
das crises entre os dois países é a
recessão econômica. Apertados,
os empresários pressionam por
maior protecionismo. Acuados,
os governos cedem.
Os dois exemplos mais recentes
foram a concessão de incentivos
fiscais brasileiros à instalação da
Ford na Bahia, que irritou a Argentina, e a criação de salvaguardas argentinas contra produtos
brasileiros, que irritou o Brasil.
Presente ao jantar entre os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Carlos Menem, na última
quinta-feira, no Palácio da Alvorada, Herrera Vegas admite que o
Mercosul (Mercado Comum do
Sul) passa "por um momento de
muita dificuldade".
Para o embaixador, o principal
desafio dos dois maiores parceiros do bloco, que reúne ainda Paraguai e Uruguai, é a "insuficiência exportadora".
Falante por natureza, o embaixador nunca havia concedido
tantas entrevistas como na semana passada.
O tom é de paz: "Não é uma
questão de tiro, sangue, guerra.
Não é uma nova guerra de Kosovo", disse ele à Folha. "É preciso
ficar claro que o que está se discutindo é apenas dinheiro".
Seguem os principais trechos da
entrevista:
Folha - O Mercosul está implodindo?
Jorge Hugo Herrera Vegas - O
Mercosul está passando por um
momento de muita dificuldade.
De certa forma, parece ameaçado,
mas eu sou um otimista. Acho, até
mesmo, que o pior momento já
passou. A Argentina e o Brasil já
se acertaram.
Folha - Ficam sequelas?
Herrera Vegas - Temos que
"desdramatizar" a questão. Não é
uma questão de tiro, sangue,
guerra. Não é uma nova guerra de
Kosovo. É preciso ficar claro que
o que estamos discutindo é apenas dinheiro.
Folha - O sr. acha pouco?
Herrera Vegas - É preciso admitir que os nossos dois países estão
vivendo simultaneamente um
momento adverso na economia.
Antes, esses momentos se intercalavam. Ora era o Brasil, ora era
a Argentina. Agora, não. Os dois
estão passando juntos por um
momento de recessão, de retração econômica. Então, os empresários ficam nervosos e há pressões internas para ver quem perde menos.
Os governos tentam reagir, mas
eles ameaçam acabar com 200
mil, 300 mil empregos. Os governos não podem ficar surdos diante desse tipo de ameaça.
Folha - O sr. não acha que isso
é uma reação de certa forma
dramática?
Herrera Vegas - A recessão na
Argentina é mais forte do que no
Brasil.
Temos que reconhecer que a
desvalorização do câmbio no Brasil criou um suspense, mas acabou sendo muito bem-sucedida e
teve um efeito muito forte, muito
positivo, na agricultura brasileira.
O desempenho da agricultura vai
impedir que o PIB (Produto Interno Bruto) caia mais de 1%.
Na Argentina, a expectativa de
queda chega a 3% neste ano e o
setor que mais sofre é justamente
o agropecuário, que tem feito manifestações cada vez maiores.
Folha - Se uma decisão do governo brasileiro melhora a agricultura e segura o PIB aqui, mas
prejudica a agricultura e atrapalha o PIB lá na Argentina, é possível acreditar no sucesso do
Mercosul?
Herrera Vegas - O Mercosul
não é apenas um projeto comercial e econômico, é também um
projeto de vida, histórico, de cultura, um projeto estratégico que
não é para esta geração de agora, é
para o futuro.
Não são questões conjunturais
de qualquer natureza que podem
barrar esse processo que nos interessa a todos, inclusive do ponto
de vista social, de progresso.
Folha - Quem, afinal, está
"dramatizando" as controvérsias entre Argentina e Brasil?
Herrera Vegas - Os meios de
comunicação parecem viver de
crises, do "quanto pior melhor".
Uma crise é sempre notícia. O que
simplesmente dá certo funciona,
não é notícia. Esse é um dado do
"dramatismo", aqui no Brasil e lá
na Argentina.
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