São Paulo, Domingo, 01 de Agosto de 1999
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ENTREVISTA
Herrera Vegas, representante da Argentina no Brasil, acredita que o pior da crise do Mercosul já passou
A culpa é da recessão, diz embaixador

ELIANE CANTANHÊDE
Diretora da Sucursal de Brasília

O embaixador da Argentina no Brasil, Jorge Hugo Herrera Vegas, está convencido de que o estopim das crises entre os dois países é a recessão econômica. Apertados, os empresários pressionam por maior protecionismo. Acuados, os governos cedem.
Os dois exemplos mais recentes foram a concessão de incentivos fiscais brasileiros à instalação da Ford na Bahia, que irritou a Argentina, e a criação de salvaguardas argentinas contra produtos brasileiros, que irritou o Brasil.
Presente ao jantar entre os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Carlos Menem, na última quinta-feira, no Palácio da Alvorada, Herrera Vegas admite que o Mercosul (Mercado Comum do Sul) passa "por um momento de muita dificuldade".
Para o embaixador, o principal desafio dos dois maiores parceiros do bloco, que reúne ainda Paraguai e Uruguai, é a "insuficiência exportadora".
Falante por natureza, o embaixador nunca havia concedido tantas entrevistas como na semana passada.
O tom é de paz: "Não é uma questão de tiro, sangue, guerra. Não é uma nova guerra de Kosovo", disse ele à Folha. "É preciso ficar claro que o que está se discutindo é apenas dinheiro".
Seguem os principais trechos da entrevista:

Folha - O Mercosul está implodindo?
Jorge Hugo Herrera Vegas
- O Mercosul está passando por um momento de muita dificuldade. De certa forma, parece ameaçado, mas eu sou um otimista. Acho, até mesmo, que o pior momento já passou. A Argentina e o Brasil já se acertaram.

Folha - Ficam sequelas?
Herrera Vegas
- Temos que "desdramatizar" a questão. Não é uma questão de tiro, sangue, guerra. Não é uma nova guerra de Kosovo. É preciso ficar claro que o que estamos discutindo é apenas dinheiro.

Folha - O sr. acha pouco?
Herrera Vegas
- É preciso admitir que os nossos dois países estão vivendo simultaneamente um momento adverso na economia. Antes, esses momentos se intercalavam. Ora era o Brasil, ora era a Argentina. Agora, não. Os dois estão passando juntos por um momento de recessão, de retração econômica. Então, os empresários ficam nervosos e há pressões internas para ver quem perde menos.
Os governos tentam reagir, mas eles ameaçam acabar com 200 mil, 300 mil empregos. Os governos não podem ficar surdos diante desse tipo de ameaça.

Folha - O sr. não acha que isso é uma reação de certa forma dramática?
Herrera Vegas
- A recessão na Argentina é mais forte do que no Brasil.
Temos que reconhecer que a desvalorização do câmbio no Brasil criou um suspense, mas acabou sendo muito bem-sucedida e teve um efeito muito forte, muito positivo, na agricultura brasileira. O desempenho da agricultura vai impedir que o PIB (Produto Interno Bruto) caia mais de 1%.
Na Argentina, a expectativa de queda chega a 3% neste ano e o setor que mais sofre é justamente o agropecuário, que tem feito manifestações cada vez maiores.

Folha - Se uma decisão do governo brasileiro melhora a agricultura e segura o PIB aqui, mas prejudica a agricultura e atrapalha o PIB lá na Argentina, é possível acreditar no sucesso do Mercosul?
Herrera Vegas
- O Mercosul não é apenas um projeto comercial e econômico, é também um projeto de vida, histórico, de cultura, um projeto estratégico que não é para esta geração de agora, é para o futuro.
Não são questões conjunturais de qualquer natureza que podem barrar esse processo que nos interessa a todos, inclusive do ponto de vista social, de progresso.

Folha - Quem, afinal, está "dramatizando" as controvérsias entre Argentina e Brasil?
Herrera Vegas
- Os meios de comunicação parecem viver de crises, do "quanto pior melhor". Uma crise é sempre notícia. O que simplesmente dá certo funciona, não é notícia. Esse é um dado do "dramatismo", aqui no Brasil e lá na Argentina.


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