São Paulo, quarta-feira, 01 de setembro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Giba neles!

PAULO RABELLO DE CASTRO

O locutor Galvão Bueno insistia, entusiasmado, no seu novo refrão -"Giba neles!"-, a cada saque mortal e cortada espetacular desferidos pelo atacante Giba, provavelmente o mais efetivo de todos os magníficos bicampeões olímpicos do Brasil. Aconteceu no jogo decisivo contra a Itália na manhã do último domingo. Além dos italianos, perplexos e estonteados pela máquina de Bernardinho, o outro derrotado -dessa feita, feliz- fui eu, enquanto esboçava ainda uma frustrada tentativa de juntar pensamentos para este artigo diante da telinha do jogo. O desempenho impressionante do time brasileiro magnetizou todas as atenções. Ganhei, contudo, este gancho que me faltava, a inspiração do grito eufórico do locutor, exprimindo o sentido de luta, conquista e satisfação espalmada em cada pancada meteórica convertida em pontos pelos campeões da quadra olímpica.
É o "punch" que nos falta na economia, nesta fase boa do quadrante de retomada. Essa é a inspiração que ainda nos é negada, como brasileiros, quando mal iniciada a contagem positiva de recuperação da renda salarial e das vendas domésticas de consumo. Somos empurrados de novo ao córner pela intriga contida na ata do Copom sobre a eventual subida dos juros básicos, uma espécie de condenação antecipada a continuarmos empurrando a pedra enorme do serviço da dívida, morro acima, enquanto as energias da economia produtiva vão se gastando nos tributos sem fim e na burocrática inconstância dos governantes.
O campeonato pela estabilidade confiável da moeda e dos preços está difícil de ganhar. Com time pouco experiente, técnico pouco afeito aos rigores e peculiaridades do Brasil real, o fato é que estamos correndo atrás dos lances na partida contra a inflação. Mantiveram-nos armados na retranca durante o ano de 2003, até que a dose cavalar de juros trouxesse a inflação para dentro do curral apertado das metas de inflação. Batemos na trave superior da meta e entramos em 2004 devendo mais recuo, agora para 5,5% de variação anual do IPCA. Bateremos na trave superior de novo, à medida que nos aproximamos dos 8% de inflação neste ano. Para o ano que vem, a inflação está entalada nos 4,5% da meta já programada. Para chegar lá, é preciso baixar também a cotação do dólar, quem sabe para R$ 2,80, e só assim esperar a medalha de consolação por "bom comportamento". Não nos interessa esse campeonato que sacrifica o crescimento, apenas reconquistado, pelo acerto da meta inflacionária que anula o pequeno progresso da demanda interna.
Evidentemente, estamos no campeonato errado, jogando o jogo errado contra o time errado. A janela de oportunidade que nos é oferecida pela balança comercial gigante, de mais de US$ 30 bilhões, e pelo equilíbrio na conta corrente externa (dependência zero de poupança de fora para nos financiar) deveria despertar no time brasileiro aquela fome de desempenho produtivo de quem está longos anos na carência de taxas realmente suculentas de crescimento do emprego e da renda.
Mas não. Tudo indica que nos preparamos para sucumbir de modo bisonho aos ditames do mercado de dinheiro que, seguindo como Bíblia os escritos sagrados do Copom, empinou para cima a curva de juros futuros como a cauda de um escorpião provocado em seus instintos de ataque. É a mesma roda de sempre, que toca como um realejo, na caixa rouca, a arranhada ameaça da próxima quimioterapia de juros diante do país depenado.
A ninguém ocorre fazer as perguntas desconfortáveis: Por que o país continua tão fortemente indexado se a inflação-meta, inferior a 5%, só se pratica em países sem indexação automática? Por que a inflação-meta é calculada com tarifas atreladas a índices como o IGP-M? Por que a dívida pública dos Estados é rolada em IGP-M? São perguntas ainda sem resposta, pela simples razão de insistirmos em atribuir ao regime de metas inflacionárias a eficácia que de fato não tem, nem pode ter, em ambiente que permanece atrelado à indexação permanente de tarifas públicas ao IGP e de rolagem pós-indexada dos papéis da dívida pública, para não falar em outras distorções trazidas pela seleção do IPCA como alvo da política de juros.
As políticas de desobstrução do crescimento não têm merecido equivalente prioridade. O máximo da atenção é lembrar o novo instrumento das Parcerias Público-Privadas, cujo alcance será sempre inferior ao sonho da maioria.
O fato inescapável é que estamos sem o apronto para o campeonato olímpico do crescimento. Para o Brasil subir no pódio, teria que fazer a preparação de uma equipe brasileira de vôlei, em que cada detalhe foi antecipado e trabalhado por diretores, técnicos e equipe.
Por enquanto, o máximo que o locutor da economia pode continuar gritando é "Copom neles". No caso, "eles" somos nós...


Paulo Rabello de Castro, 55, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

E-mail -
rabellodecastro@uol.com.br


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