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OPINIÃO ECONÔMICA
Giba neles!
PAULO RABELLO DE CASTRO
O locutor Galvão Bueno
insistia, entusiasmado, no
seu novo refrão -"Giba neles!"-, a cada saque mortal e
cortada espetacular desferidos pelo atacante Giba, provavelmente
o mais efetivo de todos os magníficos bicampeões olímpicos do
Brasil. Aconteceu no jogo decisivo
contra a Itália na manhã do último domingo. Além dos italianos,
perplexos e estonteados pela máquina de Bernardinho, o outro
derrotado -dessa feita, feliz-
fui eu, enquanto esboçava ainda
uma frustrada tentativa de juntar pensamentos para este artigo
diante da telinha do jogo. O desempenho impressionante do time brasileiro magnetizou todas
as atenções. Ganhei, contudo, este
gancho que me faltava, a inspiração do grito eufórico do locutor,
exprimindo o sentido de luta,
conquista e satisfação espalmada
em cada pancada meteórica convertida em pontos pelos campeões
da quadra olímpica.
É o "punch" que nos falta na
economia, nesta fase boa do quadrante de retomada. Essa é a inspiração que ainda nos é negada,
como brasileiros, quando mal iniciada a contagem positiva de recuperação da renda salarial e das
vendas domésticas de consumo.
Somos empurrados de novo ao
córner pela intriga contida na ata
do Copom sobre a eventual subida dos juros básicos, uma espécie
de condenação antecipada a continuarmos empurrando a pedra
enorme do serviço da dívida,
morro acima, enquanto as energias da economia produtiva vão
se gastando nos tributos sem fim e
na burocrática inconstância dos
governantes.
O campeonato pela estabilidade confiável da moeda e dos preços está difícil de ganhar. Com time pouco experiente, técnico pouco afeito aos rigores e peculiaridades do Brasil real, o fato é que estamos correndo atrás dos lances
na partida contra a inflação.
Mantiveram-nos armados na retranca durante o ano de 2003, até
que a dose cavalar de juros trouxesse a inflação para dentro do
curral apertado das metas de inflação. Batemos na trave superior
da meta e entramos em 2004 devendo mais recuo, agora para
5,5% de variação anual do IPCA.
Bateremos na trave superior de
novo, à medida que nos aproximamos dos 8% de inflação neste
ano. Para o ano que vem, a inflação está entalada nos 4,5% da
meta já programada. Para chegar
lá, é preciso baixar também a cotação do dólar, quem sabe para
R$ 2,80, e só assim esperar a medalha de consolação por "bom
comportamento". Não nos interessa esse campeonato que sacrifica o crescimento, apenas reconquistado, pelo acerto da meta inflacionária que anula o pequeno
progresso da demanda interna.
Evidentemente, estamos no
campeonato errado, jogando o jogo errado contra o time errado. A
janela de oportunidade que nos é
oferecida pela balança comercial
gigante, de mais de US$ 30 bilhões, e pelo equilíbrio na conta
corrente externa (dependência
zero de poupança de fora para
nos financiar) deveria despertar
no time brasileiro aquela fome de
desempenho produtivo de quem
está longos anos na carência de
taxas realmente suculentas de
crescimento do emprego e da renda.
Mas não. Tudo indica que nos
preparamos para sucumbir de
modo bisonho aos ditames do
mercado de dinheiro que, seguindo como Bíblia os escritos sagrados do Copom, empinou para cima a curva de juros futuros como
a cauda de um escorpião provocado em seus instintos de ataque.
É a mesma roda de sempre, que
toca como um realejo, na caixa
rouca, a arranhada ameaça da
próxima quimioterapia de juros
diante do país depenado.
A ninguém ocorre fazer as perguntas desconfortáveis: Por que o
país continua tão fortemente indexado se a inflação-meta, inferior a 5%, só se pratica em países
sem indexação automática? Por
que a inflação-meta é calculada
com tarifas atreladas a índices como o IGP-M? Por que a dívida
pública dos Estados é rolada em
IGP-M? São perguntas ainda sem
resposta, pela simples razão de insistirmos em atribuir ao regime
de metas inflacionárias a eficácia
que de fato não tem, nem pode
ter, em ambiente que permanece
atrelado à indexação permanente de tarifas públicas ao IGP e de
rolagem pós-indexada dos papéis
da dívida pública, para não falar
em outras distorções trazidas pela
seleção do IPCA como alvo da política de juros.
As políticas de desobstrução do
crescimento não têm merecido
equivalente prioridade. O máximo da atenção é lembrar o novo
instrumento das Parcerias Público-Privadas, cujo alcance será
sempre inferior ao sonho da
maioria.
O fato inescapável é que estamos sem o apronto para o campeonato olímpico do crescimento.
Para o Brasil subir no pódio, teria
que fazer a preparação de uma
equipe brasileira de vôlei, em que
cada detalhe foi antecipado e trabalhado por diretores, técnicos e
equipe.
Por enquanto, o máximo que o
locutor da economia pode continuar gritando é "Copom neles".
No caso, "eles" somos nós...
Paulo Rabello de Castro, 55, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de
crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
E-mail -
rabellodecastro@uol.com.br
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