São Paulo, sexta-feira, 01 de outubro de 2004

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COMÉRCIO MUNDIAL

Bloco tentará resolver divergências internas a fim de evitar fracasso nas negociações com europeus

Mercosul se reúne para salvar acordo com UE

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O Mercosul reúne-se na quinta e na sexta-feira da próxima semana, em Brasília, em um esforço contra o relógio para tentar salvar as negociações com a União Européia, que chegaram à beira do colapso após a mais recente troca de ofertas entre as partes.
Na prática, a reunião servirá menos para analisar a oferta européia, já dada como insatisfatória pelo governo brasileiro, e mais para aproximar posições entre os quatro membros do Mercosul, especialmente Brasil e Argentina.
Foram as divergências entre os dois principais sócios do Mercosul que ajudaram a fazer da oferta à UE um conjunto tímido demais para os europeus.
O exemplo talvez mais forte dos desencontros intra-Mercosul está no setor automotivo. A oferta do Mercosul à UE deveria ser de uma cota de importação de 100 mil carros europeus -60 mil para o Brasil, 30 mil para a Argentina e 5.000 para cada um dos outros sócios do bloco (Paraguai e Uruguai).
A Argentina, que quer dar o máximo de fôlego à sua recuperação econômica, preferia fabricar localmente os carros, em vez de importar. Por isso, o Brasil aceitou absorver 80% da cota que deveria ir para o vizinho. Mesmo assim, os argentinos recusaram, porque preferem que o mercado brasileiro fique mais fechado para os europeus e mais aberto para seus próprios produtos.
Se é o exemplo mais forte, não é o único. "No caso dos têxteis, por exemplo, o Brasil tem uma posição bem mais ofensiva do que a Argentina", diz Lúcia Maduro, a negociadora do setor privado para a indústria, como representante da CNI (Confederação Nacional da Indústria).
A divisão intra-Mercosul acabou provocando um segundo racha, esse entre uma fatia do empresariado e o governo, como admite Mário Mugnaini, com a experiência de quem passou a vida no setor privado, mas, desde 2003, é secretário-geral da Camex (Câmara de Comércio Exterior).
Mugnaini constatou que a indústria, de modo geral, não chegou a ficar muito triste com a fraca oferta européia. Mas, em contrapartida, o agronegócio ficou muito irritado, como deixa claro Antonio Donizeti Beraldo (Confederação Nacional da Agricultura): "O Mercosul, além de não conseguir equacionar seus problemas de integração, está se revelando incapaz de apresentar propostas minimamente aceitáveis tanto para a UE como na Alca."
A queixa do representante da CNA nas negociações é fácil de entender: a UE tem tarifas baixas para importações de bens industriais, mas impõe forte protecionismo para produtos agrícolas.
Por isso, um acordo de liberalização comercial com o Mercosul beneficiaria mais o agronegócio do que a indústria. É natural, portanto, que o agronegócio se queixe agora da falta de ambição da oferta do Mercosul nas outras áreas, o que deu um bom pretexto para os europeus também adotarem proposta pouco ambiciosa.
Dá para corrigir o estrago até o próximo dia 31, o prazo fatal para a conclusão das negociações? Mugnaini acredita que sim, embora as perspectivas sejam remotas. O secretário-geral da Camex trabalha com duas hipóteses:
1) Ou os dois lados voltam à propostas que haviam sido verbalmente feitas, com o que, em tese, seria possível fechar ao menos um "acordo-quadro" -entendimento que tem só as linhas gerais.
2) Ou a negociação recomeça depois que mudar, no mesmo dia 31, a Comissão Européia, o braço executivo da UE. Mesmo nessa hipótese, o otimista de profissão que é Mugnaini acredita que não se vai começar do zero, mas aproveitar o trabalho feito mesmo que tenha chegado a um impasse.


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