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Para analistas, crise é de energia, não de gás
Especialistas vêem pré-racionamento para evitar apagão e falta de planejamento do governo após redução da oferta
Setor de gás já vivia "racionamento branco", e solução via importação por navio esbarra na falta de plantas de regaseificação
ANTÔNIO GOIS
JANAINA LAGE
DA SUCURSAL DO RIO
A redução do fornecimento
de gás no Rio e em São Paulo é a
"crônica de uma crise anunciada", segundo especialistas. Para
eles, mais do que um problema
do gás, trata-se de uma crise de
falta de planejamento do setor,
e o limite imposto pela Petrobras é um pré-racionamento
para evitar a ameaça de um
apagão, como o de 2001.
Segundo Hélder Queiroz,
professor da UFRJ, já existia,
na prática, um "racionamento
branco" de gás. "Se um grande
projeto industrial precisasse de
gás no Sul, a distribuidora não
teria como antendê-lo. Qualquer demanda adicional já enfrentava restrição de oferta.
Não tem plano nem prioridade
e muito menos uma sinalização
clara da demanda", disse.
Para Adriano Pires, do CBIE,
a necessidade do produto só
não foi mais destacada antes
porque o setor elétrico estava
usando as hidrelétricas. "Com a
queda no nível dos reservatórios, [a limitação da oferta de
gás] foi a maneira encontrada
pelo governo para evitar apagão elétrico no curto prazo."
"A crise não é do gás natural,
mas de energia, o que é muito
mais grave. Não estamos na
mesma situação de 2001, mas,
se não chover o suficiente neste
verão, teremos um problema
sério. Como o cobertor é curto,
acaba-se tirando de um setor
para compensar o baixo nível
dos reservatórios", diz Lucien
Belmonte, superintendente da
Abividro, associação da indústria de vidro e um dos setores
que mais usam o gás.
O Instituto Acende Brasil,
que representa investidores
privados em energia, estima em
9% as chances de racionamento em 2008. "Não estamos dizendo que vai acontecer, mas
conviver com esse risco é ruim
para quem pretende crescer",
diz Cláudio Sales, presidente da
entidade. Para ele, um dos componentes preocupantes no risco de racionamento é justamente a produção de gás natural. Problemas na Argentina, na
Bolívia e um redimensionamento da capacidade de geração de energia em térmicas de
gás natural no Brasil fizeram
com que a oferta de energia firme -ou seja, com a qual se pode contar- prevista para 2008
fosse reduzida de 57 mil MW
médios para 50,9 mil MW médios. "Devido a problemas no
gás natural, num intervalo de
dois anos [2005 a 2007] a oferta firme de geração do Brasil foi
reduzida em 12%. Poucos países resistiriam a isso", reclama.
E ao mesmo tempo que enfrentava problemas de oferta, o
consumo do gás subiu após vários incentivos. Esse é um dos
fatores que explicam, na opinião de Belmonte, o fato de o
Rio ter sofrido mais do que São
Paulo com o racionamento.
"O Rio concentra a maior
parte das térmicas, o que ajuda
a explicar o fato de ter sido mais
prejudicado. Mas há também
um populismo energético que
não foi equacionado. O consumo de gás pelos carros foi incentivado por meio da redução
de IPVA e ICMS. São 700 mil
carros a gás. O consumo foi
subvencionado a partir de um
item escasso", diz Belmonte.
Apesar das recentes crises na
Bolívia, os analistas dizem que
a falta de gás não tem relação
direta com a instabilidade no
país. "O contrato entre a Petrobras e a Bolívia se mantém inalterado, e os volumes previstos
estão sendo cumpridos. O problema foi que, em razão da instabilidade política lá, houve a
decisão de parar os investimentos para a expansão da produção", diz Ricardo Pinto, da consultoria Gas Energy.
Pires concorda. Em sua avaliação, de 2003 a 2005, a Petrobras priorizou os investimentos na obtenção da auto-suficiência de petróleo e deixou de
lado a expansão da produção
nacional de gás. Com a instabilidade na Bolívia, de onde a Petrobras importa 25 milhões de
metros cúbicos/dia, a estatal
interrompeu os planos de expansão. Somente agora começa
a retomar negociações. "O consumo de gás vem crescendo a
um ritmo anual de 18%. Não
houve um aumento significativo da produção doméstica", diz.
Especialistas apontam que
uma das maneiras de evitar um
racionamento no próximo ano
é a importação de GNL, importado por meio de navios. O problema é que ainda não existem
plantas prontas de regaseificação do produto no Brasil. E a
produção nas descobertas recentes da Petrobras no país só
poderia entrar no mercado a
partir de 2009.
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