São Paulo, quinta-feira, 01 de novembro de 2007

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"Brasil está na mesma", diz especialista

Para professor, país ainda tem de enfrentar problemas como "gastos ineficientes do governo, o fardo da tributação e a dívida pública"

Xavier Sala-i-Martin, um dos responsáveis pelo ranking de competitividade global, também faz alerta sobre riscos na China

DA REPORTAGEM LOCAL

"Se o Brasil melhorou dramaticamente nos últimos anos, ainda há um substancial "spread" nos juros, gastos do governo ineficientes, o fardo da tributação e a dívida pública", diz Xavier Sala-i-Martin, professor da Universidade Columbia e um dos responsáveis pela elaboração do ranking de competitividade global do Fórum Econômico Mundial.
Sala-i-Martin é enfático ao afirmar que a entrada da Venezuela não traria maior competitividade ao Mercosul. "É o melhor exemplo de um país indo para trás. A Venezuela não apenas está numa posição muito baixa no ranking como piora a cada ano."
A seguir trechos de entrevista feita por telefone, em que o professor compara as vantagens competitivas do Brasil às dos Estados Unidos e afirma ainda que, se a China não fizer reformas, verá suas fontes de competitividade se "evaporarem automaticamente". (MARIA CRISTINA FRIAS)

 

FOLHA - O país avançou em alguns aspectos macroeconômicos e subiu no "rating" das agências de risco. Como o senhor avalia o resultado do Brasil no ranking, em que ele regrediu algumas posições, ainda que o número de países tenha aumentado?
XAVIER SALA-I-MARTIN
- A leitura desse resultado é que o Brasil não tem mudado nos rankings.
Mesmo considerando a metodologia usada no ano passado, a pontuação do Brasil, que era a 66ª, seria a 68ª. Estatisticamente, dada a possibilidade de erro de mensuração, é o mesmo número do ano passado [4,03 em 2006 e 3,99 em 2007]. Eu diria que pela pontuação o Brasil piorou, mas, essencialmente, ficou na mesma. Quão bom ou ruim se é no ranking não depende do estágio de desenvolvimento, mas das pontuações dadas nos vários subitens. As áreas de instituições públicas e de macroeconomia são as piores para o Brasil. A estabilidade macroeconômica brasileira melhorou dramaticamente, mas ainda há questões como inflação, juros. Se o Brasil melhorou dramaticamente nos últimos anos, ainda tem um substancial "spread" nos juros, gastos do governo ineficientes, o fardo da tributação, a dívida pública, apesar de estar caindo.
O país não pontua bem no pilar de ambiente institucional, em direitos de propriedade, proteção intelectual, diversidade de fundos públicos, confiança pública em políticos, ineficiência em gastos do governo, tributação etc. Mas, por outro lado, o país pontua bem em sofisticação empresarial e inovação.

FOLHA - Como explicar que o Brasil tem melhor desempenho nesses indicadores tidos como mais avançados do que nos básicos?
SALA-I-MARTIN
- É um fenômeno surpreendente, mas o Brasil não é o único. Outros países não vão bem nos fatores básicos, nos ambientes institucional e macroeconômico, e vão muito bem em fatores mais sofisticados como inovação e sofisticação empresarial, como os Estados Unidos, que tem os mesmos pontos fortes do Brasil. Há uma área econômica no Brasil que está integrada à rede mundial econômica, tem de competir com os melhores do mundo, desenvolveu sofisticação e é forçada pela globalização a inovar para sobreviver.
Por outro lado há uma outra economia no país que parece andar para trás: há regulação excessiva, falta de confiança nos políticos, desperdício de recursos públicos. É um fardo para muitas firmas que não operam na arena internacional, ficam menos competitivas.

FOLHA - A entrada da Venezuela tornaria o Mercosul mais competitivo?
SALA-I-MARTIN
- Acho que o tornaria menos competitivo. O Mercosul deve, supostamente, promover o mercado livre entre os membros, e a Venezuela está se movendo exatamente na direção oposta. É o melhor exemplo de um país indo para trás. A Venezuela não apenas está numa posição muito baixa no ranking como também piora a cada ano: há menos mercado livre, mais intervenção do governo, menos orientação pró-negócios, mais orientação política. Acho que não é uma boa maneira de melhorar a competitividade. É claro que a Venezuela não foi um grande desastre econômico porque os preços do petróleo estiveram altos. Eles conseguiram se mover na direção errada sem, realmente, perceber os resultados. Quando os preços do petróleo caírem de novo, não se sabe se a economia venezuelana vai resistir.

FOLHA - Os graves problemas na área macroeconômica dos EUA podem afetar sua competitividade no longo prazo? E qual o cenário para China?
SALA-I-MARTIN
- Os EUA são muito fortes por causa dos fatores sofisticados, estão no topo do mundo em inovação, têm as melhores universidades, têm uma bastante forte colaboração entre universidades e "business", um mercado de trabalho muito flexível, um mercado de bens muito competitivo, um bom mercado financeiro que possibilita inovação. Mas estão andando para trás nos fatores mais básicos: instituições públicas parecem estar se deteriorando, a área de negócios parece não confiar muito na administração Bush, no mínimo menos do que no ano passado, e a estabilidade macroeconômica, é bem sabido, está se deteriorando. A China em muitas maneiras é exatamente o oposto: a fonte básica de competitividade da China vem da muito forte estabilidade macro, em que está em 7º no ranking, e, claro, do enorme tamanho do mercado, que é uma fonte importante de competitividade. Se a China não fosse grande, as pessoas não estariam se preocupando com ela. Claro, tem problemas grandes no ambiente institucional, corrupção, excessiva interferência do setor público na economia privada. No médio para o longo prazo, depende se farão as reformas. A China esteve competindo com muito sucesso, explorando seus salários muito baixos, o que não pode se sustentar por muito tempo. Os salários vão subir e as fontes de competitividade vão evaporar automaticamente.
Quando eles tentarem fazer coisas mais sofisticadas, vão ter de melhorar o sistema educacional, ter "business" mais sofisticados, vão ter de começar a inovar, com mais flexibilidade no mercado todo. A menos que eles introduzam reformas, os crescimentos vão parar. E não será fácil porque o governo interfere muito na economia.


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