São Paulo, terça, 1 de dezembro de 1998

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ARTIGO

Quem movimenta as alavancas do poder?

CÉLIO DE CASTRO

Mesmo sabendo estar na contramão de um certo determinismo, segundo o qual as questões econômicas, por si sós, têm uma dinâmica que as sustenta, lembro que as políticas econômicas são conduzidas por agentes. E esses agentes são sujeitos, são pessoas. E são elas que comandam as alavancas da política econômica do país. Mais quem são os atuais agentes da economia brasileira? São confiáveis? Quais suas origens?
Por mais espantoso que possa parecer, as alavancas estão nas mãos de velhos intelectuais de esquerda, ou de banqueiros da atualidade, como queiram. Muitos deles, identificados no passado recente como professores universitários, economistas ou sociólogos. Eram líderes da esquerda nos anos 80 e até na atual década. Em pouco tempo, se transformaram em banqueiros nacionais e internacionais, assumindo as rédeas da nossa economia.
Vi em detalhes esse processo de mutação do ângulo privilegiado de deputado federal constituinte, do qual pude assistir também a outro fenômeno: o empresário brasileiro se envolveu tanto com as regras atuais do mercado a ponto de privatizar até a sua própria existência.
Houve uma primeira fase da Constituinte em que uma aliança das esquerdas com o chamado "centro da Constituinte" tentou avançar e produzir um texto constitucional que fosse uma expressão sincera das demandas nacionais. Isso foi por água abaixo com o rolo compressor da reação conservadora, denominada "Centrão".
Brasília fervia em debates. Enquanto isso, em São Paulo, intelectuais se reuniam e liam com a força de suas convicções "O Capital", de Marx.
Não foi preciso muito tempo para que um segmento dissidente desses intelectuais viesse confundir as coisas, passando a combater as idéias que eles próprios defendiam em reuniões em centros de estudos, como as que ocorriam no então famoso Cebrap. Começavam, dessa forma, a dar a base conceitual, ideológica, para a defesa do regime militar, o mesmo que nos havia cassado, retomando o que chamo de "a banda podre" do governo militar, dando a ela uma característica de modernidade.
No Rio de Janeiro, no apagar das luzes do trabalho constituinte, a cena era semelhante; economistas, professores e outros profissionais, entre uma privatização e outra, entre uma assessoria na própria Constituinte e algum outro negócio, buscavam o grupo de São Paulo e se aliavam às grandes finanças internacionais. Foi por esse caminho que intelectuais aguerridos se transformaram em nada menos que banqueiros bem-sucedidos.
A segunda constatação: o grande empresário brasileiro privatizou até a sua própria existência. Aliás, privatização é a palavra de ordem. Nem cabe questionamento se é correto privatizar ou não. Só a pergunta já ofende. O que é compreensível. Afinal de contas, no que o megaempresário, hoje, pode pensar, a não ser na privatização?
O grande executivo paulista, por exemplo, sai de manhã protegido por seguranças. Sua empresa está num desses edifícios chamados "inteligentes", que dispensam ascensoristas e outros profissionais de apoio. Chega a seu escritório e mergulha em seus equipamentos eletrônicos. O almoço é em restaurante privê.
Exemplo de executivo bem-sucedido, ele não tem contato com a realidade brasileira. Privatizou sua própria existência como forma de vida. Quando termina o trabalho, vai ao encontro de pessoas que vivem as mesmas experiências e que também não têm nenhuma noção das necessidades do povo brasileiro.
Conclusão: as alavancas do poder, hoje, estão nas mãos de duas figuras emblemáticas. É claro que faço uso de raciocínio paradigmático, uma metáfora que traduz, no entanto, muito da nossa realidade. De um lado, intelectuais que se transformaram em banqueiros. De outro, o executivo que hoje nada mais é do que aquele homem que tem como resposta existencial a privatização até dos seus hábitos. Como se vê, a efervescência da Constituinte abriu, de fato, espaço apropriado para a definição das regras do jogo da atualidade.


Célio de Castro, 66, médico, é prefeito de Belo Horizonte (PSB) e coordenador-geral da Frente Nacional de Prefeitos.




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