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ANÁLISE
Auditores tentam se afastar do escândalo na Parmalat
Max Rossi/Reuters
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Reservatórios de leite na principal fábrica da Parmalat na Itália, em Collecchio, perto de Parma |
JOHN GAPPER
DO "FINANCIAL TIMES"
Lorenzo Penca talvez venha
a se arrepender de suas palavras. O diretor da firma de auditoria Grant Thornton na Itália, que
acabou pedindo demissão após o
escândalo na Parmalat, pode ter
ido longe demais ao afirmar que
"na verdade, talvez sejamos nós as
vítimas de uma grande fraude",
quando tentava se afastar da responsabilidade pelo caso.
Diga isso aos acionistas e aos detentores de títulos, sr. Penca. Mesmo em seus momentos de mais
forte lamúria, a polícia não se alega vítima dos ladrões que deveria
prender. Afinal, é trabalho do auditor garantir que as contas de
uma empresa sejam precisas e honestas.
Pode-se compreender a preocupação de Penca e de David
McDonnell, executivo-chefe da
Grant Thornton Internacional, a
organização central para as empresas de auditoria Grant Thornton nos diferentes países. A empresa americana de auditoria Arthur Andersen não sobreviveu à
tolerância que exibiu diante da
criatividade contábil da companhia de energia Enron e à subsequente destruição de documentos
relacionados ao caso.
Sem querer agourar a Grant
Thornton em suas atuais dificuldades italianas, as chances de que
a empresa escape a processos judiciais parecem mínimas. Quando mais de 7 bilhões desaparecem em uma empresa auditada
por você há 13 anos e uma conta
bancária em Nova York que deveria ter saldo de 3,9 bilhões na
verdade nem existe, o melhor é
contratar um bom advogado o
mais cedo possível.
Queixas e culpas
Existem muitas partes queixosas que poderiam ir atrás da
Grant Thornton, que auditava 18
das 200 subsidiárias da Parmalat,
incluindo a Bonlat Financing
Corporation, uma empresa sediada nas Ilhas Cayman que parece
ter sido o principal veículo para
ocultar os prejuízos do grupo.
Eles também podem estar de olho
na Deloitte Touche Tohmatsu,
que cuida da auditoria do grupo
Parmalat desde 1999.
É tentador culpar os auditores
em casos como o da Enron e o da
empresa de telecomunicações
WorldCom, ambas americanas.
Diferentemente de bancos como
o Barings ou o Bank of Credit and
Commerce International (BCCI),
as companhias industriais não vivem sob fiscalização financeira.
Embora as agências de classificação de crédito dessem uma nota de nível de investimento aos
papéis da Parmalat até pouco antes do colapso da empresa, essas
firmas estavam se baseando em
contas auditadas.
Mas os credores e acionistas da
Parmalat deveriam ter em mente
aquele velho dístico: "caveat emptor" (a responsabilidade é de
quem compra). A Grant Thornton, ou a Deloitte Touche Tohmatsu, pode ter sido negligente ao
permitir os supostos abusos praticados pelo ex-presidente e fundador da empresa, Calisto Tanzi.
Mas a existência de fraude não garante sucesso nos tribunais.
Casos diferentes
A defesa adotada por McDonnell, em entrevista ao "Financial
Times", é digna de menção. Diferentemente da Arthur Andersen
no caso da Enron, lembrou ele, a
Grant Thornton não tinha conflito de interesses com relação à Parmalat, porque trabalhava só como
auditora da empresa, sem lhe
prestar serviços de consultoria.
"Nós nos mantivemos independentes. Não estivemos envolvidos
na destruição de provas. O pior é
que se pode dizer é que nos deixamos enganar", afirmou o executivo da empresa de auditoria.
Assim, qual seria a punição
apropriada por credulidade? Os
detentores de papéis da Parmalat
poderiam alegar, como fizeram os
liquidantes do Barings, que os auditores são responsáveis pelos
prejuízos que os credores de uma
empresa sofrem.
Em nível prático, porém, não é
fácil aplicar esse preceito. O escândalo da Enron reduziu o clube
das grandes empresas de auditoria a quatro membros, ante os cinco que existiam. Mais algumas
fraudes bilionárias e seria o fim da
auditoria como profissão.
História
O melhor texto sobre o assunto
continua a ser o histórico veredicto do juiz Benjamin Cardozo, em
Nova York, para um processo de
1931 que envolvia uma agência de
empréstimos chamada Ultramares Corporation, a qual concordara em emprestar dinheiro a uma
empresa chamada Fred Stern &
Co., sob a condição de que esta
fosse auditada.
A Stern contratou a Touche, Niven and Company para auditar
suas contas e obteve seu empréstimo. Quando deixou de pagá-lo,
mais tarde, a Ultramares processou a Touche.
A Ultramares perdeu a causa
porque o juiz Cardozo decidiu
que a responsabilidade da Touche
era para com a empresa que a
contratara, e não para com terceiros. "Se existisse responsabilidade
por negligência, um engano ou falha involuntário, a incapacidade
para detectar roubo ou falsificação sob o disfarce de registros enganosos, isso poderia expor os
contadores a responsabilidade legal por valores indeterminados,
período indeterminado e de classe indeterminada", afirmou o juiz
no veredicto.
Essa abordagem, de restringir a
responsabilidade dos auditores à
empresa que os contrata e seus
acionistas existentes, vem desde
então sendo adotada no Reino
Unido e no tribunais federais norte-americanos (sendo reforçada,
na Justiça britânica, pelo caso Caparo, de 1990).
É um conceito sensato. Uma
empresa de contabilidade que
mostre negligência deve sofrer
certas sanções, mas por que deveria ressarcir, por exemplo, o detentor de um título da dívida de
uma empresa? O risco de inadimplência de um dos participantes,
afinal, é que o leva os investidores
a terem papéis de dívida de diversas entidades.
Paralelos
Ainda que a fraude da Parmalat
venha sendo comparada à da
Enron, o melhor paralelo, em termos contábeis, seria o caso do
banco Barings.
A trapaça empreendida por
Nick Leeson, um operador de derivativos em Cingapura, também
envolvia prejuízos multimilionários escondidos em uma conta local. Também havia duas empresas envolvidas na auditoria das
contas, a Coopers & Lybrand
(agora parte da PricewaterhouseCoopers) e a Deloitte & Touche.
A Grant Thornton pode encontrar algum motivo para esperança
no caso Barings, que foi encerrado no ano passado depois de sete
anos de disputas na Alta Corte do
Reino Unido.
A Coopers & Lybrand fechou
acordo para pagar 65 milhões de
libras esterlinas, no final de 2001,
por ter aprovado as contas do Barings depois que Leeson enviou
por fax, de sua casa, um documento falsificado. O fax, supostamente oriundo de Nova York, tinha na linha de remetente "de
Nick e Lisa".
Já a Deloitte & Touche teve de
pagar apenas 1,5 milhão de libras
esterlinas por negligência quanto
a duas contas menores. Isso aconteceu a despeito de ser ela a responsável pela auditoria das operações do Barings em Cingapura,
onde Leeson executava suas falsas
operações. O juiz aceitou a defesa
de que cabia primordialmente aos
dirigentes do Barings detê-lo, e
não aos auditores.
Desde que as mãos da Grant
Thornton estejam tão limpas
quanto alega McDonnell e que a
conta forjada no Bank of America, em que a Parmalat reivindicava ter depósitos na verdade inexistentes, não porte marcas tão
comprometedoras quanto o fax
"de Nick e Lisa", os auditores da
empresa italiana provavelmente
sobreviverão.
E isso não seria injusto. A Grant
Thornton deveria ter detectado a
fraude mais cedo, é claro, mas
nem toda falha desse tipo deveria
implicar pena de morte.
Penca errou ao alegar que sua
empresa de auditoria era vítima
da fraude da Parmalat. Mas a firma de auditoria tampouco parece
(até agora) ter sido uma cúmplice
voluntária. Comportou-se mais
como um policial que não consegue impedir um roubo. Se detivéssemos policiais por isso, as prisões estariam cheias.
Tradução de Paulo Migliacci
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