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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Repúdio à guerra também reflete interesses econômicos
GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA
A relação entre interesses
econômicos e tendências
geopolíticas é óbvia no caso iraquiano. Mas a ênfase tem sido
nos interesses dos EUA e de suas
empresas. Pouco se fala dos governos que se posicionam contra a guerra ou que se opõem à
hegemonia global americana.
Os dois casos mais importantes no Ocidente, França e Alemanha, ilustram bem os interesses econômicos e militares envolvidos. Tomadas pelo valor de
face, as declarações de franceses
e alemães sugerem que se trata
de apelos à moderação, à defesa
de direitos humanos e de uma
suposta preferência européia
pela paz perpétua.
Não é bem assim. No final de
1991, depois de uma rodada de
supervisão de centros militares
iraquianos pela ONU, ficou provada a existência de um programa de enriquecimento de urânio. Com ajuda alemã.
Dez anos antes, a central nuclear civil de Tamuz foi bombardeada pela aviação israelense,
supostamente por encobrir um
programa de produção de armas atômicas. A central fora
construída com ajuda francesa.
Nos anos 70, os franceses também eram privilegiados, a ponto
de um terço dos negócios da
empresa CFP depender de contratos com o governo iraquiano.
Mais recentemente, após a
suspensão parcial do embargo
da ONU (suposta troca de petróleo por alimentos), os franceses logo ocuparam uma posição
de destaque. Empresas francesas obtiveram contratos de US$
3,5 bilhões a partir de 1996.
Segundo relato de senadores
franceses que visitaram o Iraque
em junho de 2001, essa vantagem resultou da "posição equilibrada" da França com relação
ao governo de Saddam Hussein.
Em termos de fluxos comerciais,
a França foi o principal fornecedor do Iraque em 2000 e 2001.
Mesmo o esquema "humanitário" que justificou a flexibilização do embargo é enganoso.
Ainda segundo dados europeus,
a importação de medicamentos
pelo Iraque a partir de 1996 não
passou de 4%.
As principais exportações da
UE para o Iraque foram de bens
de capital (27,5%), veículos
(12,4%), equipamentos elétricos
(9,7%). Laticínios, açúcar e cereais somaram pouco mais de
25% das vendas ao país.
Em novembro de 2001, na Feira Internacional de Bagdá, 104
empresas francesas ocuparam
um pavilhão de 2.500 m2.
As exportações de Austrália,
Alemanha, China, Itália e Rússia
respondem por 50% das compras do Iraque nos últimos anos.
Com 12% das reservas mundiais
de petróleo, o potencial de compra iraquiano não é desprezível.
A divisão desse mercado futuro
entre as potências mundiais está
na ordem do dia.
Em dezembro, a agência alemã Deutsche Welle distribuiu
uma reportagem publicada por
uma revista de esquerda de Berlim, a "Tageszeitung", que teria
obtido acesso ao texto completo
da declaração iraquiana sobre
armas à ONU: segundo o relatório, a Alemanha foi a principal
fornecedora de armas ao Iraque
até pelo menos 2001.
Nada menos que 80 entidades
alemãs transferiram conhecimentos, equipamentos, substâncias e mesmo "instalações
técnicas completas para o desenvolvimento de armas atômicas, químicas e biológicas".
A condenação política, moral
e jurídica dessa guerra ao Iraque
é hoje um consenso praticamente universal. Aparentemente, estamos diante do contraponto
entre a força bruta e os mais elevados ideais humanitários.
Mas na prática há mais interesses econômicos, empresariais e geopolíticos entre a paz e
a guerra do que supõem os manifestos públicos e as declarações oficiais.
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