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São Paulo, domingo, 02 de fevereiro de 2003

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Solavancos do dólar mostram que país segue mais vulnerável do que a maioria dos emergentes

Ameaça de guerra enfraquece mais o real

GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O dólar acabou fechando o mês em queda, mas o abalo provocado pelos temores de um ataque dos Estados Unidos ao Iraque mostra que o Brasil segue mais vulnerável às turbulências do cenário internacional do que a maioria dos países emergentes.
Numa comparação com as moedas das principais economias latino-americanas, o real foi a que sofreu os maiores abalos a partir do último dia 17, quando se intensificaram nos mercados os efeitos da iminência da guerra.
No período, o dólar acumulou alta de 3,61% no México e aumento de 2,25% no Chile. Na Argentina, houve queda de 1,53%, por causa da conclusão de um acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional). No Brasil, a elevação foi de 7,05%, considerando as taxas médias diárias apuradas pelo Banco Central.

Instabilidade
Mais do que a diferença de taxas, o comportamento da cotação do dólar no mercado doméstico mostra uma instabilidade muito maior que nos países vizinhos (ver gráfico).
As moedas mexicana e chilena sofreram uma desvalorização contínua e mais suave, enquanto o real passou por solavancos diários, com altas e quedas intensas.
O fenômeno é ainda mais evidente ao se observar o câmbio do início do ano até o dia 16, quando a cotação do dólar despencou 6,78% e levou analistas a falarem numa "lua-de-mel" entre o governo Luiz Inácio Lula da Silva e os investidores.
A menos que se acredite na hipótese de o mercado brasileiro ter um apego anormal ao pacifismo, outras explicações devem ser buscadas para a transformação repentina da lua-de-mel numa crise conjugal. "O mercado deu o benefício da dúvida ao governo, e tinha de dar mesmo, mas Lula ainda tem de entregar", diz Luiz Fernando Lopes, economista-chefe do JP Morgan, referindo-se às promessas de reforma da Previdência e autonomia do Banco Central.
Leia-se: os credores do país gostaram muito, mais até do que esperavam, dos primeiros atos e declarações da equipe de Lula, mas, de todos os motivos que levaram à crise financeira do ano passado, o único a ser eliminado foi a incerteza quanto ao resultado das eleições.
E, mesmo convencidos das boas -sob a perspectiva deles, pelo menos- intenções do novo governo, os investidores ainda duvidam das condições do governo petista para promover as reformas que ficaram pelo caminho durante os anos de Fernando Henrique Cardoso.
O consultor Emílio Garófalo, ex-diretor do BC, aponta uma razão técnica. No final de 2002, muito dinheiro foi enviado para fora do país, e o retorno desse capital valorizou o real na primeira quinzena de janeiro.
Quando o temor de guerra trouxe de volta a insegurança, continua Garófalo, os investidores buscaram refúgios mais seguros. "No Brasil, qualquer mudança de investimento, para fundos estrangeiros ou outras moedas, passa pelo dólar. Por isso, o dólar cai no mundo e sobe no Brasil."
As explicações levam a uma conclusão curiosa: a valorização inicial do real foi movida por capital de curto prazo, especulativo, o mesmo que o PT sempre condenou pelo seu poder de desestabilizar economias.
"Num momento de mudança de expectativa, o primeiro capital que sai ou aparece é o de curto prazo", confirma Lopes, que também relativiza as comemorações em torno das captações de recursos no exterior por empresas brasileiras em janeiro.

Repeteco
Como a maior parte delas foi realizada por bancos, é provável que se trate simplesmente de uma estratégia para tomar dinheiro mais barato no mercado externo e emprestá-lo a juros altos no Brasil -o mesmíssimo mecanismo que levou à escalada do endividamento nos anos FHC.



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