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São Paulo, domingo, 02 de março de 2003

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SANGRIA DAS MÚLTIS

Matrizes não aplicaram em exportadoras, e suas dívidas, remessas e royalties desequilibraram contas

Investimento de fora vira déficit externo

JOSÉ ALAN DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

O monstruoso volume de investimento direto estrangeiro que ingressou no Brasil a partir de meados dos anos 90 teve como maior legado o agravamento do desequilíbrio externo do país.
Essa foi uma das conclusões do Iedi (Instituto de Estudos para Desenvolvimento Industrial) em estudo sobre o investimento estrangeiro no Brasil e o de companhias brasileiras no exterior. Entre 1996 e 2001, o total de recursos que entraram no Brasil chegou a US$ 125 bilhões. Apenas em 2000, ingressaram US$ 32,779 bilhões.
Em sua maioria, aponta o estudo, o investimento estrangeiro que aportou no país se dirigiu a setores industriais tradicionalmente deficitários em sua balança comercial ou com baixo volume de comércio exterior. No lugar de impulsionar o saldo e o volume de transações comerciais, provocou o contrário: as empresas com capital estrangeiro geraram considerável déficit comercial.
Houve outros dois efeitos perversos: o aumento nos gastos com juros, remessas de lucros e pagamentos de royalties às matrizes fizeram com que a empresa com participação majoritária de capital estrangeiro se convertesse na grande responsável pelo déficit em transações correntes.
A conta de transações correntes considera todas as transações do país com o exterior. Nela, além da balança comercial e da balança de serviços (gastos com juros, remessas de lucros etc.), entram ainda as transferências unilaterais (somas enviadas ao país por residentes no exterior e vice-versa).
Se em 1995 as empresas estrangeiras respondiam por 31,8% desse déficit, em 2000 a participação passou a 61% -num déficit total de US$ 24,3 bilhões, US$ 14,9 bilhões eram das empresas sob controle estrangeiro. Também no mesmo período, as estrangeiras responderiam por 66,9% -dois terços- do aumento de US$ 76,9 bilhões da dívida externa brasileira. De US$ 159,3 bilhões em 1995, a dívida passou a US$ 236,2 bilhões ao final de 2000.
"Os investidores estrangeiros, em sua maioria, vieram para setores não-exportadores. E com um modelo de financiamento que se baseia em contrair dívida alta", diz Júlio Sérgio de Almeida, diretor-executivo do Iedi.
Tome-se a seguinte hipótese, usada por Almeida para explicar esse movimento: ""Uma empresa (estrangeira) que compra uma concessionária de serviço público (eletricidade, telecomunicações) a arremata por US$ 1 bilhão. Ela entra com US$ 500 milhões de investimento, que eram de seu capital, mas contrai US$ 500 milhões em dívida. Simultaneamente, ela aumenta o IDE (ou seja US$ 500 milhões foram para a pilha de US$ 125 bilhões de investimentos), mas também aumenta a dívida externa ou interna", completa.
Na prática, o endividamento foi ainda maior. Pelas contas do Iedi, em 2000 para cada US$ 1 de investimento estrangeiro direto, as empresas com participação estrangeira instaladas no Brasil carregavam US$ 2,49 em dívidas -sendo US$ 1,03 de dívida externa e US$ 1,46 de dívida interna.
O problema é que, além do óbvio aumento da dívida externa, essa situação pressiona o mercado interno de crédito. ""Nosso mercado interno de crédito é restrito. Temos apenas o BNDES e poucas linhas de bancos para financiamento de longo prazo. Com isso, sobra menos para o resto das empresas", diz Almeida.
O próprio Iedi se apressa em afirmar que esse recente ciclo de investimento estrangeiro contribuiu para ampliar as exportações brasileiras e adicionar valor agregado. Mas argumenta que o erro cometido pelo governo foi não implantar uma política que favorecesse investimentos voltados à exportação e desenvolvimento de setores estratégicos.
Em seu estudo, o Iedi classificou as empresas estrangeiras em quatro grupos, usando como critério a importância das importações e exportações em suas atividades.
No primeiro grupo ficaram os setores com propensão a exportar acima da média e a importar abaixo da média. São os chamados produtores de superávit, como exportadores agrícolas e setores industriais como a siderurgia. Fecharam 2000 com um superávit comercial de US$ 10 bilhões.
Depois, figuram os setores deficitários -aqueles que exportam pouco, mas que, por outro lado, fazem muitas importações. Em geral, dependem de insumos importados, como a indústria química, de material eletrônico. O déficit comercial dessas empresas em 2000 atingiu US$ 8,1 bilhões.
O terceiro grupo é formado pelos setores com baixos volumes tanto de exportações quanto de importações. Nesse grupo estão alocados os bancos e também concessionárias de serviços públicos, como as telefônicas. Apresentaria um déficit de US$ 1,6 bilhão em sua balança de comércio.
No quarto estão os setores com grande integração comercial (exportam e importam muito). Nesse grupo, a despeito do volume de comércio alto, os saldos comerciais -positivos ou negativos tendem a ser reduzidos.
De todo o investimento direto estrangeiro entre 1996 e 2001, 60,2% se dirigiu para o grupo 3, os setores de baixo comércio.
"Houve uma mudança substancial no foco do IDE no Brasil nos últimos anos", diz Antônio Corrêa de Lacerda, presidente da Sobeet. Em 2002, dos US$ 18,7 bilhões classificados como IDE pela Sobeet, US$ 10,5 bilhões foram para os serviços e US$ 7,6 bilhões para a indústria.


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