UOL


São Paulo, domingo, 02 de março de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

COMÉRCIO BILATERAL

Blocos apresentam novas propostas, e negociação, ainda que tímida, está mais adiantada do que a Alca

Mercosul dá segundo passo com a Europa

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

A negociação entre a União Européia e o Mercosul dará amanhã um passo adiante da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), mas, ainda assim, continuará a haver um abismo entre o apetite das partes pelo mercado da outra e as ofertas concretas de abertura.
O avanço nas conversas será a apresentação das chamadas ofertas revistas (e melhoradas), em relação às que foram postas à mesa no ano passado.
A Alca, ao contrário, acaba de atingir, em janeiro, o primeiro estágio, o de ofertas iniciais. A proposta norte-americana, aliás, foi considerada altamente insatisfatória pelo Mercosul, que respondeu como uma oferta igualmente tímida. No caso UE-Mercosul, as ofertas revistas tampouco serão suficientes para entusiasmar as duas partes.
A UE ofereceu, no ano passado, reduzir ou eliminar tarifas de importação para 91% de tudo o que compra dos quatro países do Mercosul. A abertura de 62% desse total seria imediata, 10% adicionais em quatro anos, 11% em sete anos e, o resto, em dez anos.
Pode parecer que 91% é um naco suculento, e é assim que os europeus entendem. Mas o embaixador Carlos Alberto Simas Magalhães, que coordena, pelo Brasil, as negociações sobre a proposta com os outros três sócios do Mercosul, diz que "o problema não é a tarifa, mas o que tem por trás dela".
É uma alusão ao fato de que a UE usa mecanismos como alegações fitossanitárias e barreiras técnicas para proteger seu mercado, em especial o agrícola.
Pelos cálculos de Simas Magalhães, os 91% oferecidos pelos europeus reduzem-se a cerca de 33% quando se calcula que acesso novo e adicional o bloco do Sul terá ao suculento mercado dos 15 países europeus. Por isso mesmo, a proposta inicial do Mercosul ficou em 33,1% do comércio e tende a continuar sendo modesta, insuficiente para atender o apelo do comissário europeu de Comércio, Pascal Lamy. Lamy cobra uma "oferta suficientemente ambiciosa para poder avançar nas negociações".
É o que reclama, dos europeus, também o chanceler brasileiro Celso Amorim: "A nossa proposta será significativa, na expectativa de que a ela corresponderá a colocação pelos europeus de produtos que nos interessam. Se não, será preciso rever tudo".
Rebate Lamy: "Dependerá da substância que contenha a oferta do Mercosul a possibilidade de apresentarmos ou não uma nova proposta".
Esse diálogo de surdos parece um impasse sem saída, mas é típico de negociações comerciais complexas.
Afinal, a formação de uma área de livre comércio entre a UE e o Mercosul, objetivo final das negociações, criaria o maior bloco comercial do planeta e o primeiro envolvendo países que não são fronteiriços.
Da mesma forma, a formação da Alca também significaria a maior área de livre comércio do mundo. É por isso que as negociações têm também um fundo político, ao menos do ponto de vista da União Européia.
Lamy tem dito reiteradamente que o Mercosul interessa à Europa não apenas como mercado, mas também como meio de "reforçar a natureza multipolar do sistema internacional".
Embora funcionário internacional, Lamy é francês, e a França está envolvida em uma queda-de-braço com os EUA, em torno do Iraque, que tem como pano de fundo exatamente o risco representado pelo fato de o mundo ter se tornado unipolar em função da absoluta hegemonia dos EUA.
Os negociadores comerciais evitam admitir que o ângulo político pode contaminar a discussão. Mas a reunião em que as novas ofertas de UE e Mercosul serão discutidas (a partir de 17 de março, em Bruxelas) coincidirá, em princípio, com o auge da tensão no Iraque -ou, talvez, com uma guerra já em andamento.


Texto Anterior: Declaração de bens exige cuidados
Próximo Texto: Frase
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.