São Paulo, terça-feira, 02 de março de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Empregos não caem do céu!

BENJAMIN STEINBRUCH

"Outsourcing" é uma palavra que tem aparecido muito nas revistas internacionais, quando se referem hoje à economia dos Estados Unidos. Ela quer dizer "terceirização", encarna a principal preocupação atual dos americanos em matéria econômica e já virou tema central na campanha para a Casa Branca. Significa a transferência de empregos para o exterior, um movimento que ajuda as empresas a cortar custos, mas reduz a oferta de trabalho dos americanos.
O movimento decorre da natural procura de mão-de-obra barata e não-especializada, fartamente disponível nos países mais pobres. A diferença é que, pela primeira vez, o problema atinge a elite dos colarinhos-brancos americanos, profissionais altamente qualificados e pós-graduados. Médicos especializados, advogados, analistas financeiros e principalmente engenheiros da área de tecnologia da informação estão perdendo empregos para concorrentes de países emergentes. Esses profissionais estrangeiros não precisam desembarcar nos EUA, até porque a imigração não permitiria. Trabalham em seus próprios países, contratados por companhias americanas, usando os modernos meios de comunicação.
Estima-se que, só no setor de software, os EUA já tenham perdido cerca de 500 mil empregos altamente remunerados nos últimos anos por conta da terceirização de postos de trabalho, a maior parte para a Índia.
Esse volume ainda não é muito representativo para a economia americana, que oferece 130 milhões de postos de trabalho. Mas, mesmo assim, provoca uma enorme gritaria no país. Em Filadélfia, por exemplo, deputados propuseram uma lei específica para punir empresas que praticam a terceirização. As que contratarem mais de cem empregados no exterior poderão ser obrigadas a notificar o Estado. Além disso, poderão perder o direito de prestar serviços ao governo e de receber garantias ou qualquer tipo de empréstimo oficial.
Durante o Carnaval, ao ler essas histórias de resistência americana, fiquei a imaginar como nós, brasileiros, temos falhado na tarefa de desenhar um país mais confortável para os próprios brasileiros. Há muitos anos não se vê nenhum movimento obstinado por medidas que estimulem o crescimento econômico, os investimentos produtivos e a criação e a manutenção de empregos.
A manutenção da taxa de juros em 16,5% em janeiro e fevereiro, contra todas as expectativas do mercado financeiro, por exemplo, foi uma gritante demonstração de insensibilidade do Banco Central e, por extensão, do próprio governo. Quase ninguém concordou que essa decisão, escorada em expectativas pessimistas demais para a inflação e em análises exageradamente otimistas sobre a recuperação da atividade econômica dos últimos meses.
Depois de 14 meses de governo Lula, infelizmente, nada se avançou em matéria de criação de empregos. Números do IBGE mostram que o desemprego continuou aumentando e chegou a 11,7% em janeiro. Quando Lula assumiu, em janeiro do ano passado, a taxa era de 11,2%. Ficou fácil entender por que isso aconteceu depois que o próprio IBGE divulgou dados que mostram uma dura realidade: o país viveu uma recessão em 2003, o pior desempenho da economia desde 1992. A queda do PIB foi de 0,2%, e a renda per capita sofreu redução de 1,5%.
O crescimento da economia normalmente possibilita a criação de empregos, mas isso não é automático. Nos Estados Unidos, por exemplo, houve perda de 2,2 milhões de empregos desde a posse de George W. Bush, em 2001, apesar da recuperação econômica, que já dura dois anos. O "outsourcing" e os ganhos de produtividade explicam em parte essa tendência.
Empregos em quantidade, portanto, não surgem naturalmente nem mesmo quando a economia está em crescimento. É preciso ter vontade política e tomar medidas específicas voltadas para esse objetivo. Além de destruir os laços familiares e a auto-estima do brasileiro, o desemprego estrutural, como temos hoje, mina o consumo e onera o próprio governo, em razão do aumento de demandas assistenciais.
Acabou o Carnaval, a crise política foi atenuada e é hora de priorizar seriamente o crescimento e o emprego.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br



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