São Paulo, quarta-feira, 02 de março de 2005

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TANGO DA DÍVIDA

Presidente vai ao Congresso, onde calote havia sido anunciado sob aplausos em 2001, e critica antecessores

Kirchner decreta fim da moratória argentina

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A MONTEVIDÉU

O presidente argentino, Néstor Kirchner, escolheu ontem um cenário simbólico para decretar a saída do país da "mais gigantesca" moratória da história (US$ 100 bilhões), com "o maior desconto de dívida" já realizado (75% do valor total).
Kirchner discursou na sede do Congresso Nacional, onde, em 2001, o calote foi anunciado, sob aplausos, pelo então presidente, Adolfo Rodríguez Saá.
A maioria dos credores nacionais e internacionais apresentou seus títulos para a troca. A dívida argentina foi integralmente reestruturada, disse Kirchner, arrancando de deputados e senadores novo coro de aplausos.
Na platéia estava o ministro da Economia, Roberto Lavagna, que amanhã divulgará o índice final de aceitação da troca de títulos, encerrada na última sexta.
Durante o fim de semana, o governo divulgou estimativa de adesão entre 70% e 80%.

Sem festejar
Quando apresentou a proposta de reestruturação, em janeiro passado, Lavagna reprovou a atitude do Congresso em 2001, afirmando que o "default" nunca deveria ter sido festejado.
Na ocasião, o ministro sustentou que, ainda que a reestruturação argentina terminasse com êxito, os custos enormes da moratória impostos ao país impediam que o calote argentino servisse de exemplo ou precedente para outros países ou "para nós mesmos, no futuro".
Ontem, Kirchner se referiu também ao calvário argentino e às terríveis feridas que as políticas do passado produziram no país e procurou se afastar de seus antecessores.
"Não somos o governo da moratória [Rodríguez Saá], nem o governo da convertibilidade [Fernando de la Rúa], nem o governo do endividamento externo [Carlos Menem]", afirmou, para depois anunciar que a Argentina seguirá um novo modelo econômico daqui para a frente.
"Defenderei os interesses do povo argentino com unhas e dentes", disse Kirchner, depois de invocar dos capitalistas que investiram no país boa-fé e o reconhecimento de que todo investimento implica riscos.

Boa-fé
A utilização da expressão boa-fé por Kirchner não é aleatória. Durante todo o processo de reestruturação da dívida argentina, o FMI recomendou que o país vizinho demonstrasse boa-fé com seus credores e não agisse de maneira unilateral.
Em indisfarçável tom de vitória, o presidente argentino afirmou que, pela primeira vez na história da Argentina, um processo de reestruturação culmina com drástica diminuição da dívida -a relação entre a dívida argentina e o PIB (Produto Interno Bruto) do país deve cair de 120% para cerca de 80% com o processo de reestruturação.
Kirchner fez ainda uma cobrança indireta ao governo brasileiro, quando abordou a necessidade de ampliação dos mercados no âmbito do Mercosul e fora dele, citando a China como exemplo.
O presidente argentino afirmou que o Tratado de Assunção (que fundou o Mercosul) é hoje cumprido de forma parcial e deve assegurar benefícios equilibrados entre os países que formam o Mercosul.
Após o discurso, Kirchner viajou para Montevidéu, onde acompanhou a solenidade de posse do presidente socialista Tabaré Vázquez.


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