São Paulo, sexta-feira, 02 de abril de 2004

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Para coordenador de pesquisa, não foram realizadas reformas para mudar concentração de renda

País não distribui riqueza, afirma analista

DA REPORTAGEM LOCAL

O aumento do número de famílias ricas no país, que dobrou de 1980 a 2000, reflete a incapacidade do país de realizar reformas que permitam a mudança no padrão de distribuição de riquezas. Essa é a análise de especialistas consultados pela Folha.
"Não fizemos as reformas necessárias, como outros países. Apesar dos cinco séculos de existência, não temos nem 50 anos de democracia consolidada. As instituições que representam os interesses das diversas camadas da sociedade são frágeis", diz Marcio Pochmann, secretário do Trabalho da Prefeitura de São Paulo.
Em países como França e EUA, as diferenças entre ricos e pobres não são tão acentuadas porque eles fizeram reformas na sua estrutura tributária -isto é, os ricos pagam mais impostos do que os pobres, afirma.
A concentração da riqueza no Brasil é histórica. Dados do Censo de 1872 mostram que havia 23,4 mil famílias ricas no país naquele ano -ou 1,8% do total de famílias-, que respondiam por dois terços do estoque de riqueza e de renda do país. Em 1920, o percentual era 1,3%. No início do século 21, de 2,4%.
"Isso mostra que houve estabilidade no padrão de distribuição de riqueza do país. A diferença é que o país passou do padrão de riqueza fundiária do século 18 para a riqueza da indústria e, mais recentemente, para a financeira."
Na sua análise, o percentual de ricos sobre o total de famílias existentes no país subiu em 20 anos porque houve uma valorização da riqueza financeira.

Mulher
Claudio Dedecca, professor do Instituto de Economia da Unicamp, diz que, como o rendimento médio dos 5% mais ricos caiu 14% de 90 para 2000 (e o dos 25% mais pobres caiu 17%), o que explica o aumento no número de famílias mais ricas é a entrada da mulher no mercado de trabalho.
"O aumento da proporção de famílias ricas ganhando mais de R$ 10.982,00, entre 1980 e 2000, somente pode ser explicado pelo maior número de membros ativos por família. Esse movimento ocorreu porque a mulher no mercado de trabalho pesa mais nas famílias de maior renda", afirma.
O aumento da concentração da riqueza em São Paulo é uma evidência da perda de dinamismo do país, diz. "A reprodução dos mais ricos se faz em um contexto de não-crescimento da riqueza. É um processo antropofágico, no qual a preservação dos mais ricos deve-se a uma menor perda, e não devido a um maior ganho."
Para Maria Cristina Cacciamali, professora de economia popular do trabalho da USP, o atlas mostra que o Brasil "é muito pobre e muito desigual. Isso tem conseqüências sobre o espaço urbano, a infra-estrutura e os serviços básicos do país", afirma.
Na sua análise, o aumento no número de famílias ricas é explicado pela cultura das aplicações no mercado financeiro e pelo aparecimento de profissionais liberais em atividades mais sofisticadas, como advogados e consultores voltados para o mercado internacional.
Dari Krein, pesquisador do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho), da Unicamp, diz que o atlas "revela claramente a estrutura pouco democrática da renda. Algumas pessoas subiram para um patamar de renda mais alto num contexto em que o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) foi pequeno. Como a renda da sociedade se manteve praticamente estável, a diferença entre ricos e pobres se acentuou." (FF e CR)


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