São Paulo, sexta-feira, 02 de abril de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

A questão da política industrial

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O governo anunciou, com pompa e circunstância, uma série de medidas pontuais a que chamou de política industrial. Como sempre acontece no Brasil, o centro da ação do governo está na criação de linhas de crédito nos bancos públicos federais. Algo como US$ 5 bilhões estará disponível para alguns setores eleitos pelo governo durante os próximos anos.
Sempre fui um defensor da aliança entre o setor público e as empresas privadas para dar ao Brasil um horizonte de prazo mais longo para os investimentos produtivos. A essa ação foi dada, principalmente pela mídia, o nome de política industrial, embora seu campo de ação vá muito além da indústria tradicional. No mundo produtivo de hoje, as fronteiras da atividade econômica não podem mais seguir os marcos históricos.
O desenvolvimento tecnológico dos últimos anos, principalmente no campo das telecomunicações, fez com que a atividade produtiva das empresas pudesse ser dividida em redes espalhadas por vários países. Com isso, novas fronteiras se abriram para economias menos desenvolvidas e sem a capacidade de desenvolvimento tecnológico dos países mais avançados nesse setor. Por esse caminho, já trilham países como a Índia, a China e outras nações da Ásia.
Nesse grande rearranjo mundial, existe espaço para que economias com desenvolvimento tardio, como a brasileira, possam recuperar um pouco do tempo perdido. Mas, para que isso aconteça, uma série de precondições precisam ocorrer, de modo a permitir que a atividade empresarial privada canalize suas energias de modo eficiente. Para mim, política industrial é a construção dessa agenda estratégica e a definição da estrutura microeconômica necessária para que ela seja implementada de maneira eficiente. O crédito dirigido é apenas um entre vários itens dessa agenda.
O passo inicial dessa longa e difícil caminhada deve ser a definição do espaço que a economia brasileira pode ocupar neste mundo novo. A fonte para tal exercício deve ser o próprio mercado, que, naturalmente, envia os sinais vitais para quem observa seu funcionamento. Clima, riquezas minerais e tamanho e qualidade do mercado interno são algumas das variáveis que devem ser observadas para visualizar quais as cadeias produtivas que podem ser expandidas em um dado espaço nacional.
Um erro comum cometido no desenho de uma política industrial -isso ocorreu à época da ditadura militar- é o de não respeitar esses sinais externos e fixar como seus objetivos o desenvolvimento de setores que não encontrarão condições ideais de competitividade em relação a outras economias. No caso dos governos militares, o objetivo estratégico era o da segurança interna e o poder mundial do Brasil, e não a construção de uma economia competitiva e eficiente. É evidente que esse projeto ambicioso deu com os burros n'água.
Respeitados esses sinais externos, é preciso construir uma institucionalidade econômica coerente com a que prevalece no mundo externo. Competir nesse ambiente altamente eficiente exige reformas microeconômicas profundas. Estrutura tributária, regras atualizadas para o mercado de trabalho, mercado de crédito e de capitais eficientes e competitivos e sistema legal que garanta o cumprimento das regras dos contratos privados são alguns dos pontos principais dessa agenda.
Outro ponto crítico desse arcabouço competitivo é a infra-estrutura física -principalmente nas áreas do transporte e comunicações- do país. Nesse mundo organizado em rede, os movimentos entre seus vários elos precisam ser realizados com eficiência e a custos competitivos. A questão energética é outro ponto forte desse grupo de condições eletivas para um projeto exitoso de desenvolvimento.
Para que essa tarefa, de colocar nossa economia no caminho do desenvolvimento sustentado, possa ser realizada, é necessária, também, a construção de um consenso nacional de que essa parceria, entre governo e mercado, é a melhor alternativa existente. Não sinto que exista hoje esse entendimento. O pensamento dominante no governo Lula ainda é o de que cabe ao governo apenas a missão de manter um equilíbrio macroeconômico adequado. A decisão de investimento é função apenas do setor privado.
Enquanto esse entendimento prevalecer, espetáculos como o que aconteceu nesta última quarta-feira na CNI, em Brasília, serão apenas fogos de artifício para equilibrar as demandas políticas do setor produtivo.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail - lcmb2@terra.com.br


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