São Paulo, quinta-feira, 02 de abril de 2009

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ARTIGO

Expectativas exageradas

RUBENS RICUPERO
COLUNISTA DA FOLHA

"NÃO TÃO bom quanto o mundo precisava nem tão ruim quanto poderia ter sido." Antes de começar a reunião do G20, arrisco prever esse resumo dos comentários sobre o resultado. A razão é simples: toda reunião que desperta expectativas exageradas devido à manipulação dos políticos (leia-se Gordon Brown, Obama, Sarkozy, Lula etc.) acaba sempre por criar a sensação de que o copo está meio cheio (ou meio vazio, conforme se prefira).
Ao menos se deixou de falar de um "novo Bretton Woods", a não ser que seja na base da frase de Marx de que a história, quando se repete, em geral o faz como farsa. De fato, a histórica conferência de 1944 recriou a ordem monetária e financeira destruída pela Segunda Guerra, estabeleceu o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, com a participação das 44 nações aliadas, perto do total dos países soberanos da época, praticamente encerradas em regime de internato durante quase um mês.
A comparação com a reunião de amanhã é até covardia, não apenas na agenda, muito mais modesta agora, na duração de apenas algumas horas, como na composição. O G20 pode reunir 85% do PIB (Produto Interno Bruto) mundial, mas, em termos da legitimidade que só pode nascer da representação democrática, está longe de poder falar em nome dos 192 países da ONU. Exclui, por exemplo, a totalidade dos mais pobres e vulneráveis.
No outro extremo, é pouco provável que ela reencene o fiasco rotundo de outra reunião de Londres, a de 1933, com 66 países, convocada para combater a Grande Depressão e o protecionismo. O recém-empossado presidente Franklin Roosevelt, do iate no qual passava as férias, fulminou a conferência com um telegrama no qual repudiava o acordo para estabilizar as moedas.
Ontem como hoje, os principais governos não estão de acordo nem sobre as causas nem sobre os remédios da crise. Diante da incerteza, sugiro três parâmetros para medir o grau de real sucesso da reunião.
O primeiro tem a ver com o mais imediato, as medidas para reativar a economia global e superar a recessão. Se houver anúncios de pacotes de estímulo com gastos adicionais e significativos, por países individuais ou em coordenação, terá havido avanço. Do contrário, continuarão as divisões entre os governos deficitários favoráveis a maiores estímulos (Estados Unidos, Reino Unido, Japão) e os superavitários relutantes em aumentar a dívida (Alemanha, China).
O segundo critério é o da regulação financeira. Haverá ou não decisão de regular em caráter internacional os fundos de hedge, as entidades e os instrumentos financeiros transnacionais como os derivativos e a securitização? Se a decisão for adiada para a reunião de primavera do FMI, é sinal de que permanece o abismo entre as grandes praças financeiras (Nova York e Londres) e os demais.
Finalmente, é preciso ver se sairá do papel a proposta de aumentar para US$ 750 bilhões os recursos do Fundo, a fim de socorrer os menores, que não têm espaço para programas de estímulo, e se ela virá acompanhada da reforma imediata dos mecanismos de governança do FMI. De lambuja, checar se os US$ 100 bilhões para financiar o comércio serão aprovados.
De concreto, o que está em jogo são esses três pontos. O resto é perfumaria diplomática.


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