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VIZINHO EM CRISE
Juros do refinanciamento da dívida argentina ficam altos, e mercados não se animam com operação
Argentina troca dívida e perde confiança
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
ROGERIO WASSERMANN
DE BUENOS AIRES
A Argentina ganhou um tempo,
mais curto do que o inicialmente
imaginado, mas não conseguiu
sair da UTI (Unidade de Terapia
Intensiva), com o início, ontem,
da operação de megatroca de títulos da dívida pública.
A metáfora médica foi ouvida
pela Folha de mais de um analista, ao final de uma semana em que
as más notícias se acumulavam
uma atrás da outra.
A evidência mais notória de que
os termos da megatroca (cujos
detalhes só serão anunciados na
noite de domingo ou na segunda-feira) não satisfizeram os mercados está dada pelo comportamento do índice de risco-país. Subiu
36 pontos e instalou-se em 1.017
pontos, o que significa 10,17% de
sobretaxa em relação ao que os
Estados Unidos pagam pela colocação de seus títulos.
O índice de risco-país é considerado o principal termômetro de
confiança (no caso, desconfiança)
dos investidores.
Por que a reação do mercado foi
negativa? Acima de tudo porque a
taxa de juros que o governo pagará pelos títulos que serão oferecidos em troca dos antigos ficará,
na média, entre 15% e 16%, uma
taxa elevadíssima.
Para o ministro Domingo Cavallo, as altas taxas de juros oferecidas pelo governo não são um problema, "porque são as taxas que
estão no mercado, e são mais baixas que as que a Argentina pagaria para rolar sua dívida sem fazer
essa operação".
O economista Juan Alemann,
ex-secretário de Finanças, chega a
dizer que o novo perfil da dívida,
resultante da troca, poderá ser
"catastrófico" para os futuros governos.
Há a possibilidade, diz Alemann, de que, em 2008, quando
vence parte dos novos papéis, a
concentração de pagamentos seja
ainda mais alta do que a atual.
"As futuras gerações suportarão
um pesado fardo se o país não
crescer a altas taxas", diz.
Reforça Walter Molano, analista da BCP Securities: "A megatroca será ruinosa para a Argentina,
no médio e longo prazos".
Mesmo os analistas que consideram inevitáveis as taxas altas
não deixam de apontar problemas. É o caso, por exemplo, de
Leonardo Chialva (Delphos Investment), para quem as taxas são
de fato "preocupantes", mas necessárias para atrair os investidores e, assim, "evitar o abismo".
Mas, adverte Chialva, os problemas ressurgirão a curto prazo, se
não houver controle do déficit público e reativação da economia,
em recessão há três anos.
Em ambos os pontos tocados
por Chialva, as notícias não são
boas. Primeiro, déficit público: o
de maio foi de US$ 1,280 bilhão,
49% superior ao de abril, segundo
o Estúdio Broda e Associados, o
mais renomado do país.
Se essa cifra for correta, o déficit
acumulado em abril e maio chegaria a US$ 2,1 bilhões, US$ 300
milhões acima da meta fixada
com o FMI para o segundo trimestre. O Estúdio Broda garante
que, com o superávit que espera
para junho (US$ 234 milhões), a
meta será cumprida. Mas há forte
controvérsia no mercado, o que
só torna mais rarefeito um ambiente já volátil.
No quesito recessão, os fatos são
ainda mais apocalípticos: o Índice
de Confiança do Consumidor,
elaborado pela Fundação Mercado, caiu 28% em maio. Pior: mais
de 75% das famílias crêem que
sua situação econômica não melhorará nos próximos meses.
Consequência inevitável: apenas 5,5% delas têm intenção de
comprar bens duráveis, como veículos, casas ou eletrodomésticos.
Não é exatamente o melhor dos
ambientes para que a Argentina
saia da recessão.
Há mais fatores, extra-econômicos, a pesar negativamente sobre o cenário. A ala dissidente da
CGT (Central Geral dos Trabalhadores) já convocou para o dia 8
uma greve geral. Ameaça derrubar "à força" o ministro da Economia, Domingo Cavallo.
Análises obtidas pela Folha
mostram, aliás, que Cavallo já teve bem mais espaço político do
que gozava ontem, justamente no
dia em que se iniciava a megatroca, que daria um poderoso balão
de oxigênio para o ministro tentar
reanimar a economia prostrada.
No campo político, há eleições
parlamentares em outubro, mês
que passou a ser visto como o limite de ganho de tempo conseguido com a megatroca, em vez
de um ano, como inicialmente
imaginado.
Há, ainda, o fato de que até a
União Industrial Argentina, geralmente preocupada só com negócios, aprovou documento no
qual pede combate à fome e classifica a crise de "a pior da história", pior mesmo do que a de 89.
Total
O total de ofertas recebidas pelo
governo argentino para a operação de megatroca de títulos soma
US$ 32 bilhões, segundo anunciou ontem à noite Cavallo.
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