São Paulo, domingo, 02 de junho de 2002

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ARTIGO

Família Agnelli deve perder o controle da Fiat para estrangeiros

PAUL BETTS
DO "FINANCIAL TIMES"

Se os Agnelli forem forçados a vender a divisão automobilística da Fiat, uma possibilidade que eles reconheceram em público pela primeira vez na semana passada, a cortina cairá sobre uma saga única e anacrônica de capitalismo familiar à italiana.
Por mais de um século, a Fiat ajudou a fazer dos Agnelli -liderados por Giovanni Agnelli, 81, o patriarca da família- a resposta européia à dinastia Ford dos Estados Unidos.
Além disso, a importância da família na Itália e o carisma pessoal de seus membros fizeram dela o coração de uma rede de elos empresariais e políticos que transformou os Agnelli em príncipes da indústria italiana. Sem a divisão automobilística, o poder e influência da família talvez desapareçam, deixando um rombo na estrutura corporativa italiana.
Se a Fiat terminar sob controle estrangeiro -mais provavelmente o da General Motors-, seria um embaraço para o governo de Silvio Berlusconi em um momento em que o primeiro-ministro luta por adotar leis trabalhistas mais flexíveis e incentivar o emprego. "A questão chave é determinar se a Itália será capaz de manter uma indústria automobilística própria ou se terá de abdicar dela em benefício dos norte-americanos", diz assessor da família Agnelli.

Venda de ações
A Fiat já assinou um contrato de opção para a venda de 80% das ações de sua divisão automobilística à General Motors, depois de 2004. "A questão é determinar se a venda será acelerada e, caso seja esse o caso, se os novos proprietários manteriam intactas as operações automobilísticas da Fiat na Itália", diz industrial de Turim.
As operações automobilísticas da Fiat mantêm 36 mil funcionários diretos e criam outros 100 mil empregos indiretos na Itália.
Estima-se que elas respondam por cerca de 1,5% do PIB do país. Mas a divisão de automóveis da Fiat jamais se recuperou da abertura do mercado italiano aos concorrentes japoneses. As montadoras estrangeiras erodiram a fatia da Fiat em seu mercado doméstico, que caiu de 44% para 32% nos últimos dez anos.
A possibilidade de que a Fiat abandone a fabricação de automóveis provocou uma enorme reação emocional. Berlusconi, que fez questão de visitar Giovanni Agnelli depois de vencer as eleições gerais do ano passado, descreveu a atual crise como "um problema nacional". Ele prometeu apoio ao grupo, nos limites das regras da União Européia.
"Mesmo que a Fiat sobreviva e floresça como conglomerado industrial e financeiro, sem os carros ela jamais será a mesma", diz industrial de Turim. Em abril, a direção da Fiat seguiu a tradição ao exibir seu novo modelo ao governo e aos políticos de Roma. Cerimônias semelhantes eram realizadas na presença de Benito Mussolini e de todos os primeiros-ministros que o sucederam.
Existe também o risco de que a Fiat sofra aquilo que os economistas denominam "síndrome da Olivetti". No passado, líder da corrida italiana rumo à alta tecnologia, a Olivetti é hoje pouco mais que uma casca vazia entre a multidão de empresas que controlam a Telecom Italia.
Os Agnelli adiaram por muito tempo o momento da verdade. Há três semanas, Giovanni Agnelli renovou seu compromisso para com a manutenção da divisão de automóveis. Mas na terça-feira passada, o irmão dele, Umberto, reconheceu pela primeira vez em público que a família pode ser forçada a vender. Ele disse que embora a divisão de automóveis da Fiat continuasse a ser uma propriedade estratégica, "ela não precisa ser estratégica para sempre".
Não é a primeira vez que o futuro das operações automobilísticas da Fiat está em dúvida. Nos anos 70, a empresa teve de enfrentar o primeiro choque do petróleo, além de uma campanha terrorista das Brigadas Vermelhas, na qual fábricas foram bombardeadas e executivos do grupo assassinados. "Não foi fácil continuar produzindo automóveis depois da guerra do Yom Kippur. E houve quem perguntasse se era razoável manter as fábricas funcionando quando elas sofriam ataques terroristas. Em termos puramente financeiros, talvez tivesse feito mais sentido simplesmente desistir", disse Giovanni Agnelli em entrevista coletiva seis meses atrás.

Fusão
Os Agnelli consideraram a hipótese de adquirir outras montadoras, ou de uma fusão. Mas as negociações não progrediram porque a Fiat queria sempre manter o controle. Em uma célebre entrevista ao jornal "La Stampa", propriedade da família, Giovanni Agnelli revelou que Enrico Cuccia, então chairman do Mediobanca, um influente banco de investimentos, o havia aconselhado a vender a divisão de automóveis à DaimlerChrysler. Agnelli respondeu que não estava preparado para "se aposentar na ilha de Tonga com uma pilha de dinheiro".
A estratégica aliança formada por meio de participações acionárias cruzadas com a General Motors, dois anos atrás, foi encarada pela maioria dos observadores como uma solução de compromisso. Ela tinha por objetivo ajudar a Fiat a enfrentar as pressões mundiais que suas operações automobilísticas vinham sofrendo, sem com isso tirar o controle das mão da família italiana. A GM adquiriu uma participação acionária de 20% na divisão de automóveis da Fiat por US$ 2,4 bilhões, e em troca a Fiat adquiriu uma participação de 6% na GM. A empresa italiana também negociou opção para vender os 80% restantes das ações à GM depois de 2004.
"É uma opção de contingência, e ninguém deseja usá-la", diz Paolo Fresco, antigo executivo da General Electric trazido para a Fiat como chairman pelos Agnelli há três anos para "americanizar" a empresa. Mas os concorrentes da Fiat, os banqueiros e até mesmo membros de sua direção agora acreditam que a hora da venda está chegando. Depois de um final de semana de negociações intensas, os bancos da empresa concordaram na semana passada em fechar um pacote de salvamento para ajudar o grupo de Turim a reduzir suas dívidas e manter as operações automobilísticas.
A Fiat e os Agnelli se recuperaram de crises passadas, como aconteceu com a Renault e a Peugeot nos anos 80. Mas desta vez pode ser diferente.


Tradução de Paulo Migliacci


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