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ARTIGO
Juro alto é ineficaz contra inflação inercial
LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
O presidente do Banco
Central, Henrique Meirelles,
tem declarado nos últimos dias
que há um componente inercial
importante na inflação brasileira,
que o único instrumento de que
dispõe é a taxa de juros, e que, por
isso, sua instituição adota a atual
política de juros.
É verdade que há um componente inercial significativo na
atual inflação, é verdade que o
Banco Central não tem outra arma senão a taxa de juros, mas daí
não se segue que se justifique
mantê-la nos níveis atuais.
Ao fazer tal afirmação, ele e os
economistas que o assessoram revelam desconhecer a teoria da inflação inercial. Essa teoria deixou
claro que, quando a inflação é
inercial, a política monetária de
elevação da taxa de juros é ineficiente senão totalmente ineficaz.
Se a causa da inflação não é o excesso de demanda, mas a prática
dos agentes econômicos de aumentar de maneira defasada seus
preços com base na inflação passada, combater a inércia inflacionária com medidas recessivas é a
mesma coisa que combater febre
com sangria: apenas enfraquece
ainda mais o paciente.
Não há dúvida quanto a existência de um componente inercial
significativo na inflação brasileira.
No Plano Real, em 1994, o governo cometeu o erro de manter
algumas indexações, principalmente financeiras.
A partir de 1995, aprofundou o
erro ao aceitar a indexação dos
preços dos serviços públicos que
privatizava. Em conseqüência,
nos anos seguintes, a taxa de inflação tendeu a estabilizar-se em um
patamar inercial de 3% ao ano.
Com a flutuação cambial de
1999, a inflação acelerou, embora
muito menos do que se temia, e
acabou se inercializando em torno de 6%. Com a depreciação de
2002, tudo indica que o patamar
da inflação brasileira passou para
cerca de 10%.
Salários
No primeiro momento, a indexação dos salários parecia irrelevante, no segundo, aumentou de
importância, no presente momento está claro que a obtenção
pelos trabalhadores de ajustes salariais muito próximos ao aumento do IPC é o fator decisivo a
indexar a inflação presente à passada.
O Brasil está, portanto, no segundo estágio de um processo de
reinercialização da inflação o da
indexação informal dos salários.
Do primeiro, a indexação formal de alguns contratos, nunca
saiu. Não deverá, porém, entrar
no terceiro estágio -aquele no
qual as empresas indexam informalmente seus preços à inflação
passada, como faziam antes do
Plano Real.
No momento, o grande desafio
que o governo brasileiro enfrenta
é impedir a indexação informal
dos salários. E para isso adota
uma política recessiva de altos juros.
Entretanto, como os reajustes
de salários são resultados da inércia e não de pressão de demanda,
essa estratégia é impotente.
Se a inflação é inercial, os agentes econômicos, por definição,
não deixam de indexar seus preços à inflação passada diante da
diminuição da demanda.
A experiência brasileira é definitiva a respeito desse fato. A literatura sobre a inflação inercial, que
teve uma de suas origens em economistas da própria PUC, de onde se originam os atuais economistas que dirigem o Banco Central, não deixa dúvida a respeito.
Meu livro com Yoshiaki Nakano, de 1984, chamava-se "Inflação
e Recessão" exatamente para salientar a convivência entre queda
de demanda e manutenção inercial do patamar de inflação.
Com política de juros altos algo
se consegue em termos de diminuição dos salários e da inflação.
Não que diminua a porcentagem
dos reajustes, mas que aqueles
que perdem emprego aceitem um
salário menor quando logram
reempregar-se. Mas é evidente
que essa estratégia de combate à
inflação é incrivelmente ineficiente. Reduz muito pouco a inflação
a um custo altíssimo.
Ainda sob controle do Banco
Central há a alternativa da revalorização do real como ocorreu nos
últimos três meses. Embora não
impeça que os salários e preços
sejam aumentados de acordo
com a inflação passada, reduz o
preço dos bens importados e dos
bens finais que os utilizam.
Não é, porém, uma política minimamente aconselhável já que é
uma forma populista de elevação
de salários que reduz exportações,
aumenta importações, e leva o
país a nova crise de balanço de pagamentos.
Como a inércia inflacionária
não é um fenômeno monetário
mas um fenômeno real (o processo defasado de desequilíbrio e
reequilíbrio dos preços relativos)
a única alternativa racional de
combater a inércia inflacionária
está fora do controle direto do
Banco Central. Trata-se de desindexar a economia ou neutralizar a
inércia anulando os desequilíbrios e reequilíbrios defasados
dos preços relativos.
Foi o que foi feito de forma
exemplar através da URV, em
1994. Com o atual nível de inflação, porém, um recurso dessa natureza não se justifica.
Mas há outras formas de neutralização da inércia. É possível
renegociar os contratos com as
empresas privatizadas, e eliminar
deles toda e qualquer indexação.
Além disso, é viável desencadear
uma série de iniciativas visando
convencer ou pressionar trabalhadores e empresas a não concederem aumentos de salários de
acordo com a inflação passada.
Ação do BC
O Banco Central pouco pode fazer nestas áreas, mas o Presidente
e seus ministros podem muito.
Ao invés, porém, de demandar
medidas dessa natureza do restante do governo, o Banco Central
atua de forma ortodoxa e equivocada contra a inflação.
Mantém a taxa de juros básica
(que ele próprio define, embora
aja como se fosse o mercado que a
definisse), em nível altíssimo
(26,5% ao ano), e afirma que só
começará a reduzir a taxa de juros
quando a inflação começar a cair.
A inflação já começou a cair,
não devido à política monetária
recessiva, mas porque o efeito
acelerador da desvalorização de
2002 já se diluiu. Não deverá, porém, cair abaixo de seu novo patamar inercial de 10% se não houver
neutralização da inércia. Desta
forma, se o Banco Central insistir
nessa política contraditória e suicida, podemos esperar que os juros reais, ainda que venham a baixar timidamente em futuras reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária), continuem altíssimos e que a estagnação e o desemprego se prolonguem indefinidamente.
Não creio que o presidente da
República aceitará tal perspectiva.
Luiz Carlos Bresser Pereira é professor
de economia da Fundação Getúlio Vagas
de São Paulo. Foi ministro da Ciência e
Tecnologia e da Administração Federal e
Reforma do Estado (governo FHC), além
de ministro da Fazenda (governo Sarney)
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