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São Paulo, segunda-feira, 02 de junho de 2003

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ARTIGO

Juro alto é ineficaz contra inflação inercial

LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA


O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, tem declarado nos últimos dias que há um componente inercial importante na inflação brasileira, que o único instrumento de que dispõe é a taxa de juros, e que, por isso, sua instituição adota a atual política de juros.
É verdade que há um componente inercial significativo na atual inflação, é verdade que o Banco Central não tem outra arma senão a taxa de juros, mas daí não se segue que se justifique mantê-la nos níveis atuais.
Ao fazer tal afirmação, ele e os economistas que o assessoram revelam desconhecer a teoria da inflação inercial. Essa teoria deixou claro que, quando a inflação é inercial, a política monetária de elevação da taxa de juros é ineficiente senão totalmente ineficaz.
Se a causa da inflação não é o excesso de demanda, mas a prática dos agentes econômicos de aumentar de maneira defasada seus preços com base na inflação passada, combater a inércia inflacionária com medidas recessivas é a mesma coisa que combater febre com sangria: apenas enfraquece ainda mais o paciente.
Não há dúvida quanto a existência de um componente inercial significativo na inflação brasileira.
No Plano Real, em 1994, o governo cometeu o erro de manter algumas indexações, principalmente financeiras.
A partir de 1995, aprofundou o erro ao aceitar a indexação dos preços dos serviços públicos que privatizava. Em conseqüência, nos anos seguintes, a taxa de inflação tendeu a estabilizar-se em um patamar inercial de 3% ao ano.
Com a flutuação cambial de 1999, a inflação acelerou, embora muito menos do que se temia, e acabou se inercializando em torno de 6%. Com a depreciação de 2002, tudo indica que o patamar da inflação brasileira passou para cerca de 10%.

Salários
No primeiro momento, a indexação dos salários parecia irrelevante, no segundo, aumentou de importância, no presente momento está claro que a obtenção pelos trabalhadores de ajustes salariais muito próximos ao aumento do IPC é o fator decisivo a indexar a inflação presente à passada.
O Brasil está, portanto, no segundo estágio de um processo de reinercialização da inflação o da indexação informal dos salários.
Do primeiro, a indexação formal de alguns contratos, nunca saiu. Não deverá, porém, entrar no terceiro estágio -aquele no qual as empresas indexam informalmente seus preços à inflação passada, como faziam antes do Plano Real.
No momento, o grande desafio que o governo brasileiro enfrenta é impedir a indexação informal dos salários. E para isso adota uma política recessiva de altos juros.
Entretanto, como os reajustes de salários são resultados da inércia e não de pressão de demanda, essa estratégia é impotente.
Se a inflação é inercial, os agentes econômicos, por definição, não deixam de indexar seus preços à inflação passada diante da diminuição da demanda.
A experiência brasileira é definitiva a respeito desse fato. A literatura sobre a inflação inercial, que teve uma de suas origens em economistas da própria PUC, de onde se originam os atuais economistas que dirigem o Banco Central, não deixa dúvida a respeito.
Meu livro com Yoshiaki Nakano, de 1984, chamava-se "Inflação e Recessão" exatamente para salientar a convivência entre queda de demanda e manutenção inercial do patamar de inflação.
Com política de juros altos algo se consegue em termos de diminuição dos salários e da inflação. Não que diminua a porcentagem dos reajustes, mas que aqueles que perdem emprego aceitem um salário menor quando logram reempregar-se. Mas é evidente que essa estratégia de combate à inflação é incrivelmente ineficiente. Reduz muito pouco a inflação a um custo altíssimo.
Ainda sob controle do Banco Central há a alternativa da revalorização do real como ocorreu nos últimos três meses. Embora não impeça que os salários e preços sejam aumentados de acordo com a inflação passada, reduz o preço dos bens importados e dos bens finais que os utilizam.
Não é, porém, uma política minimamente aconselhável já que é uma forma populista de elevação de salários que reduz exportações, aumenta importações, e leva o país a nova crise de balanço de pagamentos.
Como a inércia inflacionária não é um fenômeno monetário mas um fenômeno real (o processo defasado de desequilíbrio e reequilíbrio dos preços relativos) a única alternativa racional de combater a inércia inflacionária está fora do controle direto do Banco Central. Trata-se de desindexar a economia ou neutralizar a inércia anulando os desequilíbrios e reequilíbrios defasados dos preços relativos.
Foi o que foi feito de forma exemplar através da URV, em 1994. Com o atual nível de inflação, porém, um recurso dessa natureza não se justifica.
Mas há outras formas de neutralização da inércia. É possível renegociar os contratos com as empresas privatizadas, e eliminar deles toda e qualquer indexação. Além disso, é viável desencadear uma série de iniciativas visando convencer ou pressionar trabalhadores e empresas a não concederem aumentos de salários de acordo com a inflação passada.

Ação do BC
O Banco Central pouco pode fazer nestas áreas, mas o Presidente e seus ministros podem muito.
Ao invés, porém, de demandar medidas dessa natureza do restante do governo, o Banco Central atua de forma ortodoxa e equivocada contra a inflação.
Mantém a taxa de juros básica (que ele próprio define, embora aja como se fosse o mercado que a definisse), em nível altíssimo (26,5% ao ano), e afirma que só começará a reduzir a taxa de juros quando a inflação começar a cair.
A inflação já começou a cair, não devido à política monetária recessiva, mas porque o efeito acelerador da desvalorização de 2002 já se diluiu. Não deverá, porém, cair abaixo de seu novo patamar inercial de 10% se não houver neutralização da inércia. Desta forma, se o Banco Central insistir nessa política contraditória e suicida, podemos esperar que os juros reais, ainda que venham a baixar timidamente em futuras reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária), continuem altíssimos e que a estagnação e o desemprego se prolonguem indefinidamente.
Não creio que o presidente da República aceitará tal perspectiva.


Luiz Carlos Bresser Pereira é professor de economia da Fundação Getúlio Vagas de São Paulo. Foi ministro da Ciência e Tecnologia e da Administração Federal e Reforma do Estado (governo FHC), além de ministro da Fazenda (governo Sarney)


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