São Paulo, sexta-feira, 02 de junho de 2006

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Os números do PIB trazem alerta

O aumento das importações pode sinalizar que estamos destruindo parte de nossa estrutura produtiva

O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou nesta semana os números relativos ao PIB (Produto Interno Bruto) do primeiro trimestre deste ano. O crescimento foi de 3,4% em relação ao período equivalente de 2005, ou 1,4% quando comparado ao quarto trimestre do ano passado. Depois de vários trimestres de oscilação, alternando crescimento e contração, finalmente parece que em 2006 teremos um comportamento mais estável, com altas moderadas até o fim do ano.
Os otimistas do governo vão multiplicar por quatro o crescimento de 1,4% no primeiro trimestre e falar de um espetáculo de crescimento. Já os pessimistas vão poder dizer que a economia está crescendo apenas 2,4%, alta referente ao acúmulo dos quatro trimestres terminados em março deste ano, incluindo, portanto, os péssimos resultados de 2005. Mas esse valor também não representa o que está acontecendo agora na economia. Prefiro ficar com uma previsão que temos aqui na Quest, de algo como 3,6% ao ano. É um bom crescimento comparado com os padrões históricos do Brasil, mas muito abaixo dos de outros países emergentes, como Índia e Coréia do Sul, e de outras nações da Ásia e da América Latina. Em outras palavras, estamos crescendo muito abaixo do que deveríamos, o que não é novidade nenhuma. Mas os números mais interessantes aparecem quando entramos nas entranhas do PIB brasileiro. Houve uma retomada dos investimentos, alta de 3,7% no trimestre, o que é uma boa notícia -se for continuada-, pois permite que a economia acomode um maior crescimento com menor pressão inflacionária. Evidência disso é a estabilidade da utilização da capacidade instalada nos últimos seis meses em um ambiente de aceleração gradual da atividade. Outra observação importante é que, no primeiro trimestre deste ano, as importações cresceram bem mais que as exportações, 11,6% e 3,9% em relação ao quarto trimestre de 2005, respectivamente. Se considerarmos a variação nos 12 meses anteriores, os números de agora mostram esse mesmo fenômeno. Em outras palavras, nosso comércio exterior passou a contribuir para uma redução no crescimento do PIB, depois de ter sido um fator de expansão durante vários anos. E esse comportamento deve se manter nos próximos trimestres e a taxas crescentes. Quando tivermos os números finais deste ano, vamos ver, pela primeira vez no governo Luiz Inácio Lula da Silva, uma menor taxa de crescimento econômico causada por uma maior participação das importações no atendimento de nossa demanda interna e na composição de nossas exportações. Esses números apenas referendam um fato que vem sendo sistematicamente ressaltado por vários analistas: o real valorizado está forçando as empresas brasileiras a aumentar o coeficiente de importação de sua produção, reduzindo suas compras dentro do Brasil. O mesmo comportamento está acontecendo com o cidadão brasileiro em relação ao seu consumo habitual, inclusive em lazer. Como em muitos fenômenos relacionados à economia, temos nesse caso um lado bom e um lado ruim. O lado positivo é que, com a concorrência de importações mais baratas, as empresas no Brasil precisam se tornar cada vez mais eficientes. Além disso, o aumento da concorrência no mercado interno implica menor capacidade de fixação de preços e contribui para uma inflação mais comportada, que pode permitir juros mais baixos. Por fim, a valorização cambial contribui para reduzir os preços relativos de máquinas e equipamentos, importados e produzidos internamente, aumentando o atrativo para novos investimentos. Mas sabemos também que, se a força do real superar determinados limites, essa tendência de uma velocidade maior no crescimento das importações pode sinalizar que estamos destruindo, sem racionalidade, parte de nossa estrutura produtiva e de nossa capacidade de gerar novos empregos. Infelizmente, se continuar essa tendência verificada nos números do PIB do primeiro trimestre deste ano, vamos cruzar essa fronteira tênue e perigosa entre a racionalidade e a irracionalidade econômica. Estaremos, então, destruindo parte importante da indústria nacional com o aplauso de um grande número de economistas brasileiros.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 63, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e ministro das Comunicações (governo FHC).

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