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BASTIDOR
Valorização repentina nos papéis da Antarctica na Bovespa provoca desconfiança na cúpula das duas empresas
Suspeita de vazamento antecipa anúncio
Rogério Albuquerque - set.98 - Bel Pedrosa - fev.95/Folha Imagem
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Marcel Telles, presidente do Conselho da Brahma (esq.) e Victorio Marchi, diretor-geral da Antarctica |
DAVID FRIEDLANDER
CÉLIA DE GOUVÊA FRANCO
da Reportagem Local
O anúncio oficial da associação entre Brahma e Antarctica
ia ser feito no
próximo dia 7,
mas quarta-feira decidiu-se
antecipá-lo.
As empresas foram forçadas a
mudar seus planos, às pressas, por
causa da suspeita de que teria havido vazamento de informações sobre a operação, que deveria correr
em segredo. Esse vazamento teria
provocado especulações com
ações das duas empresas nas bolsas de valores.
A desconfiança surgiu principalmente em função de uma inesperada mudança no comportamento
dos papéis da Antarctica, que andavam em baixa.
De terça para
quarta-feira, as ações da companhia registraram uma valorização
de 8,1%, bem acima da alta de 2,2%
do Ibovespa, o índice que mede a
variação média da Bolsa de Valores de São Paulo.
O volume de negócios com ações
da Antarctica, que ultimamente
não movimentava mais do que alguns milhares de reais, também
deu um salto. Passou de R$ 292 mil
na sexta-feira passada, R$ 4.600 na
segunda e R$ 2.960 na terça para
R$ 2,3 milhões na quarta-feira.
Os negócios com papéis da Brahma também aumentaram, mas em
proporção menor. É que, com a associação, as ações da Antarctica,
que valem menos que as do novo
sócio, tendem a se valorizar. Ou seja, quem comprou os papéis Antarctica na hora certa provavelmente vai ter um ganho excelente.
O vazamento de informações
privilegiadas por enquanto é apenas uma suspeita, mas Brahma e
Antarctica decidiram antecipar o
anúncio da operação para evitar
problemas com a CVM (Comissão
de Valores Mobiliários), xerife do
mercado brasileiro de capitais. Poderia haver problemas também na
Bolsa de Valores de Nova York,
onde as ações da Brahma também
são negociadas.
Numa operação de emergência,
na quarta-feira, o publicitário
Mauro Salles, encarregado do
marketing da nova companhia e
que participou das negociações
desde o início, agendou o encontro
do presidente Fernando Henrique
Cardoso com os principais diretores das duas cervejarias.
Comunicar ao presidente a notícia da criação da Companhia de
Bebidas das Américas (AmBev)
em primeira mão faz parte de uma
estratégia para conquistar a simpatia do governo e convencê-lo a dar seu
aval ao negócio, que precisa
ser aprovado
pelo Cade
(Conselho Administrativo de
Defesa Econômica), o órgão
que fiscaliza
eventuais
ameaças à livre
concorrência.
No caso da associação de Brahma e
Antarctica, poderia haver queixas,
por parte dos concorrentes, de que
a nova empresa vai ter o monopólio -ou quase- da produção nacional de cerveja.
Almoço
A associação entre Brahma e Antarctica começou a ser rabiscada
há menos de um mês numa mesa
do restaurante
Gero, em São
Paulo. Foi ali
que Marcel Telles, presidente
do conselho de
administração
da Brahma, e
Victório Carlos
de Marchi, diretor geral da
Antártica, se
encontraram
pela primeira
vez para tratar
do assunto.
O convite partiu de Telles, da
Brahma. Telles e Marchi deverão
dividir a presidência da AmBev.
Magim Rodriguez Júnior, vice-presidente da Brahma, deverá ser o
diretor-geral da nova companhia.
A associação entre as duas empresas é um casamento de conveniência. Juntas, elas vão deter uma
fatia de cerca de 40% do mercado
brasileiro de
bebidas. No
segmento de
cervejas, a AmBev será responsável por
cerca de 70%
da produção
nacional.
Brahma e
Antarctica
querem deixar
para trás a tradicional imagem de cervejarias. A estratégia de marketing
da nova empresa será dar ênfase
não apenas na produção e participação no mercado de cervejas, mas
também enfocar seu papel como
fabricante de bebidas. Daí, a escolha do nome -Companhia de Bebidas.
Ao se espalhar pelo mercado de
bebidas como um todo, a direção
da nova empresa quer mostrar que
não será monopolista, pois
terá como concorrente a Coca-Cola, a marca de maior valor do mundo e
uma das empresas com as
quais a concorrência é mais
acirrada.
Esses argumentos serão
apresentados
ao Cade para reforçar a idéia de
que a associação da Brahma e da
Antarctica foi uma alternativa
também para concorrer com os
grandes fabricantes de cervejas do
mundo, que estariam planejando
investir mais pesadamente no país.
Um argumento usado por executivos que acompanharam as negociações é de que as conversações
do Brasil com seus parceiros internacionais, como o Mercosul e mesmo com a CE (Comunidade Européia) poderão resultar em uma redução a médio prazo nas barreiras
alfandegárias, facilitando a entrada dos grandes grupos cervejeiros.
Hoje, para entrar no Brasil, a cerveja estrangeira paga uma alíquota
de 20%.
Multinacional
Para competir com esses grupos
internacionais, como a Anheuser-Bush, fabricante da Budweiser,
nem a Brahma nem a Antarctica
teriam fôlego, isoladamente.
Outro argumento a ser apresentado à opinião pública e especialmente ao Cade é que a AmBev nasce como uma das poucas empresas
brasileiras com condições de se
tornar multinacional.
A Brahma já produz e comercializa suas cervejas fora do Brasil, na
Argentina e na Venezuela, por
exemplo. Mas, com a associação
com a Antarctica, teria melhores
condições para se expandir na
América Latina.
Independentemente dessas considerações estratégicas, um dos
mais fortes motores da associação
foi a constatação de que o elevado
custo do dinheiro no Brasil estava
inviabilizando ou pelo menos dificultando a expansão das duas empresas -que precisam investir em
novas fábricas e em marketing
exatamente porque uma competia
fortemente com a outra.
A opção da Brahma, até agora, tinha sido tentar resolver as dificuldades de financiamento recorrendo ao BNDES (Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e
Social), que cobra juros menores e
oferece prazos melhores do que os
bancos privados. Ela foi a empresa
privada que mais empréstimos
conseguiu contratar diretamente
no BNDES em 1996 e 1997 -cerca
de R$ 700 milhões, segundo dados
do banco.
Já a Antarctica se endividou em
dólares. Segundo analistas que
acompanham de perto os fabricantes de cerveja, somando empréstimos contraídos no Brasil e
no exterior, a Antarctica deve hoje
cerca de R$ 1 bilhão.
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