São Paulo, Sexta-feira, 02 de Julho de 1999
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BASTIDOR
Valorização repentina nos papéis da Antarctica na Bovespa provoca desconfiança na cúpula das duas empresas
Suspeita de vazamento antecipa anúncio

Rogério Albuquerque - set.98 - Bel Pedrosa - fev.95/Folha Imagem
Marcel Telles, presidente do Conselho da Brahma (esq.) e Victorio Marchi, diretor-geral da Antarctica


DAVID FRIEDLANDER
CÉLIA DE GOUVÊA FRANCO
da Reportagem Local

O anúncio oficial da associação entre Brahma e Antarctica ia ser feito no próximo dia 7, mas quarta-feira decidiu-se antecipá-lo.
As empresas foram forçadas a mudar seus planos, às pressas, por causa da suspeita de que teria havido vazamento de informações sobre a operação, que deveria correr em segredo. Esse vazamento teria provocado especulações com ações das duas empresas nas bolsas de valores.
A desconfiança surgiu principalmente em função de uma inesperada mudança no comportamento dos papéis da Antarctica, que andavam em baixa.
De terça para quarta-feira, as ações da companhia registraram uma valorização de 8,1%, bem acima da alta de 2,2% do Ibovespa, o índice que mede a variação média da Bolsa de Valores de São Paulo.
O volume de negócios com ações da Antarctica, que ultimamente não movimentava mais do que alguns milhares de reais, também deu um salto. Passou de R$ 292 mil na sexta-feira passada, R$ 4.600 na segunda e R$ 2.960 na terça para R$ 2,3 milhões na quarta-feira.
Os negócios com papéis da Brahma também aumentaram, mas em proporção menor. É que, com a associação, as ações da Antarctica, que valem menos que as do novo sócio, tendem a se valorizar. Ou seja, quem comprou os papéis Antarctica na hora certa provavelmente vai ter um ganho excelente.
O vazamento de informações privilegiadas por enquanto é apenas uma suspeita, mas Brahma e Antarctica decidiram antecipar o anúncio da operação para evitar problemas com a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), xerife do mercado brasileiro de capitais. Poderia haver problemas também na Bolsa de Valores de Nova York, onde as ações da Brahma também são negociadas.
Numa operação de emergência, na quarta-feira, o publicitário Mauro Salles, encarregado do marketing da nova companhia e que participou das negociações desde o início, agendou o encontro do presidente Fernando Henrique Cardoso com os principais diretores das duas cervejarias.
Comunicar ao presidente a notícia da criação da Companhia de Bebidas das Américas (AmBev) em primeira mão faz parte de uma estratégia para conquistar a simpatia do governo e convencê-lo a dar seu aval ao negócio, que precisa ser aprovado pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), o órgão que fiscaliza eventuais ameaças à livre concorrência. No caso da associação de Brahma e Antarctica, poderia haver queixas, por parte dos concorrentes, de que a nova empresa vai ter o monopólio -ou quase- da produção nacional de cerveja.

Almoço
A associação entre Brahma e Antarctica começou a ser rabiscada há menos de um mês numa mesa do restaurante Gero, em São Paulo. Foi ali que Marcel Telles, presidente do conselho de administração da Brahma, e Victório Carlos de Marchi, diretor geral da Antártica, se encontraram pela primeira vez para tratar do assunto.
O convite partiu de Telles, da Brahma. Telles e Marchi deverão dividir a presidência da AmBev. Magim Rodriguez Júnior, vice-presidente da Brahma, deverá ser o diretor-geral da nova companhia.
A associação entre as duas empresas é um casamento de conveniência. Juntas, elas vão deter uma fatia de cerca de 40% do mercado brasileiro de bebidas. No segmento de cervejas, a AmBev será responsável por cerca de 70% da produção nacional.
Brahma e Antarctica querem deixar para trás a tradicional imagem de cervejarias. A estratégia de marketing da nova empresa será dar ênfase não apenas na produção e participação no mercado de cervejas, mas também enfocar seu papel como fabricante de bebidas. Daí, a escolha do nome -Companhia de Bebidas.
Ao se espalhar pelo mercado de bebidas como um todo, a direção da nova empresa quer mostrar que não será monopolista, pois terá como concorrente a Coca-Cola, a marca de maior valor do mundo e uma das empresas com as quais a concorrência é mais acirrada.
Esses argumentos serão apresentados ao Cade para reforçar a idéia de que a associação da Brahma e da Antarctica foi uma alternativa também para concorrer com os grandes fabricantes de cervejas do mundo, que estariam planejando investir mais pesadamente no país.
Um argumento usado por executivos que acompanharam as negociações é de que as conversações do Brasil com seus parceiros internacionais, como o Mercosul e mesmo com a CE (Comunidade Européia) poderão resultar em uma redução a médio prazo nas barreiras alfandegárias, facilitando a entrada dos grandes grupos cervejeiros.
Hoje, para entrar no Brasil, a cerveja estrangeira paga uma alíquota de 20%.

Multinacional
Para competir com esses grupos internacionais, como a Anheuser-Bush, fabricante da Budweiser, nem a Brahma nem a Antarctica teriam fôlego, isoladamente.
Outro argumento a ser apresentado à opinião pública e especialmente ao Cade é que a AmBev nasce como uma das poucas empresas brasileiras com condições de se tornar multinacional.
A Brahma já produz e comercializa suas cervejas fora do Brasil, na Argentina e na Venezuela, por exemplo. Mas, com a associação com a Antarctica, teria melhores condições para se expandir na América Latina.
Independentemente dessas considerações estratégicas, um dos mais fortes motores da associação foi a constatação de que o elevado custo do dinheiro no Brasil estava inviabilizando ou pelo menos dificultando a expansão das duas empresas -que precisam investir em novas fábricas e em marketing exatamente porque uma competia fortemente com a outra.
A opção da Brahma, até agora, tinha sido tentar resolver as dificuldades de financiamento recorrendo ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que cobra juros menores e oferece prazos melhores do que os bancos privados. Ela foi a empresa privada que mais empréstimos conseguiu contratar diretamente no BNDES em 1996 e 1997 -cerca de R$ 700 milhões, segundo dados do banco.
Já a Antarctica se endividou em dólares. Segundo analistas que acompanham de perto os fabricantes de cerveja, somando empréstimos contraídos no Brasil e no exterior, a Antarctica deve hoje cerca de R$ 1 bilhão.


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