São Paulo, segunda-feira, 02 de agosto de 2004

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"VÔO DE GALINHA'?

Economistas revisam previsão do PIB para cima, mas consideram prematuro o diagnóstico de crescimento sólido

Fôlego da retomada ainda deixa incertezas

DA REPORTAGEM LOCAL

Os indicadores de recuperação da renda e do emprego e o prognóstico de melhoria do cenário da atividade industrial brasileira ainda não são suficientes para convencer o mercado de que o crescimento do Brasil é sustentável.
Na visão de representantes de instituições financeiras e acadêmicos ouvidos pela Folha, o nível de investimentos permanece modesto para garantir a manutenção de taxas de crescimento em torno de 4% pelos próximos anos.
Outro fator que mascara o que acontece de fato na economia brasileira, dizem eles, é que a base de comparação até agora -o primeiro semestre de 2003- é fraca. No ano passado, a economia brasileira encolheu 0,2%.
"Só saberemos se o crescimento é sustentável ou não depois de a economia percorrer um tempo razoável crescendo [...] Os investimentos pesados não estão ocorrendo, pois exigem horizonte de confiança maior", diz Francisco Luiz Lopreato, professor do Instituto de Economia da Unicamp.
Além disso, alguns economistas alertam que a recuperação do consumo doméstico ainda está apoiada na aquisição de bens de consumo duráveis (automóveis e eletrodomésticos), que são atrelados ao crédito. Além disso, a renda ainda não reagiu com intensidade: cresceu pela primeira vez neste ano em maio, uma elevação de 3,2% em relação a abril na região metropolitana de São Paulo, segundo pesquisa Seade/Dieese.
Mas há quem veja com mais otimismo os sinais de retomada da economia. "O emprego e a economia doméstica têm tido um impulso mais forte agora do que no começo do ano. Se eles forem mantidos nesse ritmo, o Brasil pode superar neste ano a taxa de crescimento do PIB [Produto Interno Bruto] de 4,1% [projeção do banco]", diz Gustavo Rangel, do Barclays Capital, em Nova York.
Projeções da OEF (Oxford Economic Forecast) revelam que a demanda doméstica brasileira deverá crescer 4% em 2004. Em 2003, houve retração de 3,4%.

Tábua de salvação
Se a renda interna ainda é dúvida, o setor exportador continua sendo a solução. Os economistas que prevêem a manutenção de taxas maiores de crescimento do PIB nos próximos anos baseiam suas expectativas no desempenho das vendas externas brasileiras.
"O crescimento brasileiro mostra-se fundamentalmente centrado na excelente performance do setor de agronegócios e das exportações. Acho que será possível atingir um crescimento de 4% em 2004, que poderá se repetir em 2005", argumenta Antônio Corrêa de Lacerda, da Sobeet (Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica).
Jankiel Santos, do banco ABN Amro, faz coro. "A manutenção e a aceleração do quadro externo fizeram com que revíssemos nossa projeção do PIB para 4,3% em 2004. O saldo comercial deve fechar em US$ 31 bilhões", afirma.

Riscos e "bolhas"
Na esteira do crescimento, entretanto, pode vir o risco de pressão inflacionária. "O quadro hoje é de um índice de preços no atacado evoluindo a uma velocidade mais elevada que o índice de preços ao consumidor, em grande medida porque a recuperação do poder de compra tem sido lenta", afirma o economista Rogério Sobreira, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas). "Quando isso ocorrer, os preços devem crescer no varejo", completou.
O perigo maior, para outros economistas, não é a inflação de demanda. "O petróleo está se mostrando uma ameaça persistente e preocupante. A outra fonte de pressões inflacionárias tem sido as altas do dólar, propagadas principalmente por meio de tarifas públicas", analisa Fernando Cardim, do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
A alta da cotação do petróleo no mercado internacional não é a única sombra que paira sobre o crescimento. O ciclo de elevação dos juros americanos, iniciado em junho, pode tornar as condições de crédito para as empresas e para o governo mais escassas.
Animados com possibilidades de rentabilidade mais alta nos Estados Unidos, investidores podem migrar de países emergentes, como o Brasil, para investimentos considerados mais seguros.
"Uma desvalorização adicional do real teria como impacto uma inflação maior no Brasil. Mas esse não é o principal risco. O maior perigo no Brasil é o esmorecimento no controle da austeridade fiscal", afirma Sérgio Werlang, diretor do Itaú e ex-diretor do Banco Central. Mais: "A falta de um marco regulatório claro e problemas de infra-estrutura são obstáculos para o crescimento", afirma Jankiel Santos, do ABN Amro.
Entre as incertezas sobre os rumos da economia, está a desconfiança de que o processo de retomada possa ser uma "bolha" de crescimento. O próprio presidente Lula manifestou esse receio na semana passada, durante a instalação da Câmara de Política de Desenvolvimento Econômico.
"Se a economia crescer até 5% neste ano, acho que estamos razoavelmente seguros. Acima disso, eu já começo a achar que pode ser uma "bolha". Mas o máximo que esperaria é o crescimento bater em 4,5%", diz Werlang. "Não é "bolha". É uma recuperação legítima e já esperada", aponta Gustavo Rangel, do Barclays Capital.


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