São Paulo, sábado, 02 de agosto de 2008

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ROBERTO RODRIGUES

Um ministério novo


Sem desmerecer a pesca, por que não um Ministério da Carne, um do Café, outro da Soja, outro da Banana?


O ANÚNCIO mais importante do Plano Agrícola lançado neste ano em Curitiba foi o compromisso de, doravante, o governo como um todo se ocupar do campo, e não apenas o Mapa (Ministério da Agricultura). Essa é realmente uma decisão fundamental, porque a maior parte dos problemas da agropecuária brasileira não pode ser resolvida pelo Mapa: orçamento, recursos para crédito rural, taxas de juros e de câmbio são resolvidos pela área econômica; logística e infra-estrutura dependem dos ministérios dos Transportes e dos Portos; acordos comerciais são feitos pelo Itamaraty; regras de comércio, pelo Ministério do Desenvolvimento; e assim por diante, sem falar na interação com Petrobras e Minas e Energia (no assunto álcool) e na coordenação geral feita pela Casa Civil.
Assim, não é possível que o Mapa resolva sozinho as crises agrícolas, de modo que o anúncio presidencial é muito bem-vindo.
Todavia, há certa diferença entre tal anúncio e a institucionalidade existente.
Em primeiro lugar, porque o Brasil talvez seja o único país do mundo a ter dois ministérios da Agricultura, um para o agronegócio e outro para a agricultura familiar, criado no governo FHC. A agricultura familiar é conceitualmente integrante do agronegócio. Claro que as políticas de fomento devem ser diferentes para os distintos clientes, mas para que dois ministérios?
Alem disso, em todos os países avançados, quem cuida do setor é sempre um Ministério da Agricultura, Floresta e Pesca. Floresta plantada é atividade produtiva, assim como alface, algodão, trigo, e não faz sentido estar no Ministério do Meio Ambiente, que deve proteger a biodiversidade, e não cuidar da produção comercial.
E a pesca? Temos, desde 2003, uma Secretaria Especial de Pesca, que agora foi transformada em ministério. Claro que pesca é uma atividade relevante, sobretudo num país com 8.000 km de costa e uma riqueza extraordinária de águas interiores. Mas, em 2002, antes da criação da secretaria, que até então era uma divisão do Ministério da Agricultura, a produção brasileira de pescado (tanto pesca extrativa quanto aqüicultura) foi de 1,006 milhão de toneladas. Em 2003, foi de 990 mil toneladas, em 2004, de 1,015 milhão de toneladas, em 2005, de 1,009 milhão de toneladas, e, em 2006, de 1,050 milhão de toneladas.
Não fica claro o impacto da Secretaria de Pesca no incremento da produção, especialmente se compararmos o que aconteceu com grãos, carnes, açúcar e álcool, milho etc. no mesmo período. O bom ministro da Pesca, Altemir Gregolin, espera aumentar a produção pesqueira até 2011 em 40%, sendo 75% da aqüicultura. Em 2006, o valor total da atividade pesqueira foi de R$ 3,3 bilhões.
É sabido que a aqüicultura cresceu bastante em 2007, mas os outros produtos também.
No mesmo ano (2006), o faturamento da soja foi de R$ 22 bilhões, o da cana-de-açúcar, de R$ 18 bilhões, o do milho, de R$ 10 bilhões, o do café, de R$ 10,3 bilhões, o da laranja, de R$ 4,2 bilhões, o do feijão, de R$ 4 bilhões, e até o da banana foi de R$ 4,6 bilhões. E as outras proteínas animais: carne bovina faturou R$ 24,5 bilhões, carne de frango, R$ 16,9 bilhões, leite, R$ 12 bilhões, e carne suína, R$ 6,2 bilhões. Todos muito acima da pesca.
De novo, sem desmerecer a pesca, por que não um Ministério da Carne, um do Café, outro da Soja, outro do Açúcar, outro da Banana? Faria mais sentido, pelo menos do ponto de vista econômico.

ROBERTO RODRIGUES, 65, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.



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