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São Paulo, terça-feira, 02 de setembro de 2003

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LUÍS NASSIF

Sofismas que não saem de moda

A recente onda de entrevistas de autoridades do Banco Central, neste final de semana, revela, didaticamente, alguns dos vícios do pensamento econômico aceitos acriticamente pela mídia.
Vamos a algumas das pérolas garimpadas nas diversas entrevistas:
1) Não há mais problemas com a vulnerabilidade externa porque, em um regime de câmbio flexível, qualquer aperto externo resultará em uma desvalorização cambial que equilibrará as contas novamente.
A conquista do mercado externo não é ação automática, como uma mesa de câmbio que troca de posição em segundos. Ganhar mercado demanda tempo, investimento, persistência para expulsar concorrentes, para convencer os importadores de que haverá continuidade nas vendas. Quando o real se valoriza a ponto de a exportação ficar gravosa (dar prejuízo), parte dos exportadores desiste do mercado externo. Se, mais à frente, o câmbio se desvalorizar de novo, o retorno não é automático. Seria uma luta nova para recuperar o mercado, só que muito mais difícil, porque o exportador ficou estigmatizado -ele não terá continuidade nas suas vendas e será duplamente cauteloso, depois de perdido todo o investimento no esforço anterior.
O que esse jogo de slogans pretende é que o mercado-fim (a economia real, que exige câmbio favorável e estável) se adapte ao mercado-meio (o financeiro). Nos Estados Unidos seria motivo de piada pretender que o mercado estável, de longo prazo, tenha de se adaptar ao mercado volátil. É inacreditável que esse argumento seja aceito sem nenhum questionamento.
2) Outro sofisma é a comparação entre o custo das diversas crises cambiais. Mostram dados da crise russa, sul-coreana e argentina e constatam que nosso BC foi extremamente eficiente porque o custo por aqui foi inferior.
O México viveu a crise do assassinato de um candidato a presidente da República e o fim de décadas de controle de um partido político sobre o país. A Rússia sofreu o desmonte de um império que existia desde a segunda década do século. A Argentina, as loucuras da lei de conversibilidade. Querer atribuir o menor custo da crise brasileira às virtudes da política monetária é o mesmo que comparar antigripal com antibiótico.
O ponto relevante é que, depois da primeira crise cambial, todos esses países alteraram sua política econômica, deixaram o câmbio em patamar competitivo, passaram a gerar superávits comerciais crescentes, aumentaram as reservas cambiais e reduziram a dependência de capital volátil. Não houve mais crises cambiais. Enquanto isso, em quatro anos o Brasil conviveu com duas crises cambiais gravíssimas, várias menores e não conseguiu recuperar as condições de crescimento.
Mesmo assim, o BC volta a repetir a mesma política, de apreciação cambial e juros altos, que levou ao prolongamento da crise e da recessão. Criar uma blindagem contra futuras crises externas não exigiria nenhum sacrifício adicional da economia: apenas bom senso e discernimento.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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