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LUÍS NASSIF
Sofismas que não
saem de moda
A recente onda de entrevistas de autoridades do
Banco Central, neste final de
semana, revela, didaticamente, alguns dos vícios do pensamento econômico aceitos acriticamente pela mídia.
Vamos a algumas das pérolas garimpadas nas diversas
entrevistas:
1) Não há mais problemas
com a vulnerabilidade externa
porque, em um regime de câmbio flexível, qualquer aperto
externo resultará em uma desvalorização cambial que equilibrará as contas novamente.
A conquista do mercado externo não é ação automática,
como uma mesa de câmbio
que troca de posição em segundos. Ganhar mercado demanda tempo, investimento, persistência para expulsar concorrentes, para convencer os importadores de que haverá continuidade nas vendas. Quando
o real se valoriza a ponto de a
exportação ficar gravosa (dar
prejuízo), parte dos exportadores desiste do mercado externo.
Se, mais à frente, o câmbio se
desvalorizar de novo, o retorno
não é automático. Seria uma
luta nova para recuperar o
mercado, só que muito mais
difícil, porque o exportador ficou estigmatizado -ele não
terá continuidade nas suas
vendas e será duplamente cauteloso, depois de perdido todo o
investimento no esforço anterior.
O que esse jogo de slogans
pretende é que o mercado-fim
(a economia real, que exige
câmbio favorável e estável) se
adapte ao mercado-meio (o financeiro). Nos Estados Unidos
seria motivo de piada pretender que o mercado estável, de
longo prazo, tenha de se adaptar ao mercado volátil. É inacreditável que esse argumento
seja aceito sem nenhum questionamento.
2) Outro sofisma é a comparação entre o custo das diversas
crises cambiais. Mostram dados da crise russa, sul-coreana
e argentina e constatam que
nosso BC foi extremamente eficiente porque o custo por aqui
foi inferior.
O México viveu a crise do assassinato de um candidato a
presidente da República e o fim
de décadas de controle de um
partido político sobre o país. A
Rússia sofreu o desmonte de
um império que existia desde a
segunda década do século. A
Argentina, as loucuras da lei de
conversibilidade. Querer atribuir o menor custo da crise
brasileira às virtudes da política monetária é o mesmo que
comparar antigripal com antibiótico.
O ponto relevante é que, depois da primeira crise cambial,
todos esses países alteraram
sua política econômica, deixaram o câmbio em patamar
competitivo, passaram a gerar
superávits comerciais crescentes, aumentaram as reservas
cambiais e reduziram a dependência de capital volátil. Não
houve mais crises cambiais.
Enquanto isso, em quatro anos
o Brasil conviveu com duas crises cambiais gravíssimas, várias menores e não conseguiu
recuperar as condições de crescimento.
Mesmo assim, o BC volta a
repetir a mesma política, de
apreciação cambial e juros altos, que levou ao prolongamento da crise e da recessão.
Criar uma blindagem contra
futuras crises externas não exigiria nenhum sacrifício adicional da economia: apenas bom
senso e discernimento.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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