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São Paulo, terça-feira, 02 de setembro de 2003

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ESQUERDA ATACA

Economista defende medida para 'negociar, não para roubar'; Conceição Tavares quer o fim de acordo com o FMI

País precisa planejar moratória, diz Furtado

JULIANA RANGEL
DA SUCURSAL DO RIO

O economista Celso Furtado, 83, disse ontem que o Brasil terá que declarar a moratória da sua dívida mais cedo ou mais tarde, para renegociar prazos e juros com credores, se quiser crescer. Sem isso, disse ele, o país só terá fôlego financeiro pelos próximos um ou dois anos.
"Hoje o governo tem uma política clara que é consolidar sua situação internacional de cooperação plena com o FMI [Fundo Monetário Internacional] e com credores. Isso está permitindo que o Brasil sobreviva, mas o país está parado. Em um ou dois anos teremos que encontrar uma saída."
Furtado participou, ao lado da economista Maria da Conceição Tavares, 73, do primeiro dia do ciclo de seminários "Brasil em Desenvolvimento", promovido pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Furtado afirmou que, antes de promover a moratória, o país terá que adotar o controle do fluxo de capitais de curto prazo e reforçar suas reservas. Segundo ele, o país tem mais condições de renegociar sua dívida do que há 40 anos.
"Para negociar, é preciso estar preparado para enfrentar uma baixa enorme de capitais. Na minha época, quando eu participei do governo, tínhamos um temor grande porque, se o Brasil ficasse privado de petróleo, parava tudo. Naquela época importava-se 100% do petróleo. Hoje em dia, o Brasil tem margem muito maior."
Embora considere a possibilidade do fechamento do mercado para o Brasil -no caso de moratória-, o economista acha que essa situação seria temporária.
"O mercado financeiro se fecha até certo ponto. O Brasil é um bom cliente e um bom negócio. Portanto ninguém quer uma briga muito séria com Brasil", afirmou. "Sei que a economia não vai parar, que o Brasil vai poder importar matérias-primas e o essencial para continuar funcionando." Mas Furtado vislumbra um período de até quatro anos de "penúria" depois da moratória.
Segundo ele, a moratória não se traduziria em um calote da dívida: "Seria uma moratória para negociar, não seria para roubar".
O economista disse ainda que o país está em recessão grave, mas não aguda. "O que é grave é que você tem 20% da população economicamente ativa de São Paulo parada", disse. "Isso cria uma necessidade social muito grande."
Já Maria da Conceição Tavares disse que o país não pode crescer em um cenário de inflação alta. Ela afirmou não ter dúvidas de que o governo "exagerou na dose" para controlar o inflação, mas lembrou que, quando o presidente Lula assumiu, o país enfrentava um momento de fuga de recursos.
A economista defendeu que o país "se livre das amarras do FMI" para investir em políticas de saneamento e infra-estrutura. E disse estar pessimista sobre a renovação, com o Fundo, de um acordo que exclua investimento de estatal do cálculo do déficit público.
"O Fernando Henrique quebrou o Estado, endividou o país até as orelhas e pediu US$ 40 bilhões [ao FMI]. Você acha que, na hora de renovar o acordo, a gente vai convencê-los a nos dar US$ 40 bilhões fazendo o que a gente quiser? Tenho sérias dúvidas de que qualquer país latino-americano consiga mudar as regras do FMI."
Tavares e Furtado apoiaram a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência. Professora emérita da UFRJ e ex-deputada federal pelo PT, Tavares indicou o economista Carlos Lessa para a presidência do BNDES.
Lessa sofre hoje pressão de empresários descontentes com sua gestão, vista negativamente pelo governo. Conceição Tavares criticou as restrições de empréstimos dos bancos oficiais. "A sorte é que ainda não nos tomaram todos os nossos bancos. Mas o FMI não deixa o BNDES e a Caixa emprestarem para as prefeituras investirem em saneamento."
Questionada sobre o possível enfraquecimento de Lessa, a economista disse: "Não vou falar nada sobre os meus amigos nem sobre os meus inimigos".


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