UOL


São Paulo, terça-feira, 02 de setembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

COMÉRCIO MUNDIAL

Temor é de fracasso, como nos EUA

Brasil já vê risco de "nova Seattle" no encontro da OMC em Cancún

COLUNISTA DA FOLHA

Faltando apenas nove dias para a inauguração oficial da Conferência Ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio), marcada para Cancún, vem a público a palavra Seattle, que se tornou maldita nos ambientes negociadores internacionais.
"Há, sim, o risco de uma nova Seattle", disse ontem o embaixador Clodoaldo Hugueney, negociador-chefe do Brasil para assuntos da OMC, durante reunião da Câmara de Negociações Internacionais do Ministério da Agricultura.
A cidade norte-americana de Seattle foi o local, em 1999, do mais estrepitoso fracasso da história das negociações comerciais: a reunião ministerial da OMC daquele ano terminou desorganizadamente, sem comunicado oficial e sem acordo algum, enquanto, nas ruas, a polícia e os manifestantes antiglobalização se envolviam em batalhas campais que se tornariam, na sequência, rotina em reuniões internacionais.
O embaixador não está fazendo terrorismo, até por ser absolutamente contrário a seu jeito suave de experimentado negociador. Está apenas constatando fatos: "O risco de nova Seattle existe porque não aconteceu absolutamente nada durante um ano e meio em termos de acordos para o desenvolvimento ou para o setor agrícola".
De fato, desde a conferência ministerial anterior (Doha, em 2001), os países-membros da OMC tentam, sem sucesso, chegar a algum acordo a respeito da agenda decidida na capital do Qatar, cujo eixo era precisamente o desenvolvimento. O nó principal é a questão agrícola, a de maior interesse para o Brasil.
Ainda ontem, o G-20 (grupo de 20 países que apresentou a sua própria proposta de liberalização agrícola, por iniciativa do Brasil) mandou carta ao embaixador uruguaio Carlos Pérez del Castillo, exigindo que sua proposta seja encaminhada a Cancún.
A decisão do G-20 é uma resposta à iniciativa de Pérez del Castillo de encaminhar a Cancún o seu esboço de declaração final, que, na parte agrícola, é considerado próximo demais do documento conjunto EUA/União Européia, por sua vez inaceitável para o Brasil e para o G-20.
EUA e UE são o país e o bloco que mais protegem seus agricultores. A proposta conjunta dos dois, exatamente as maiores usinas comerciais do planeta, prevê uma liberalização agrícola muitíssimo mais limitada do que a proposta (e desejada) pelo G-20.
Conciliar as duas propostas, portanto, não será tarefa fácil para os ministros reunidos no balneário mexicano. "A negociação será extremamente complexa e contra o relógio", antevê Hugueney.

Ambição menor
Para o governo brasileiro, o documento do G-20 é o limite máximo de concessões. O texto não é o ideal, como fez questão de deixar claro, na reunião de ontem, Antônio Donizeti Beraldo, chefe do Departamento de Comércio Exterior da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil.
"O grau de ambição do agronegócio foi substancialmente reduzido na proposta do G-20, para possibilitar uma aliança política", diz Donizeti.
De fato, os países em desenvolvimento que não são exportadores agrícolas e estão no G-20 conseguiram reduzir a liberalização proposta, para não abrirem demais seu próprio setor agrícola.
Como 30% das exportações do agronegócio vão para países em desenvolvimento, a proposta "pode afetar interesses exportadores importantes", nas contas de Donizeti.
Ainda assim, é o documento possível, que ganhou ontem o respaldo pleno da Câmara de Negociações Internacionais, em sua maioria formada por representantes do setor privado.
O problema para o governo brasileiro, agora, não é tornar mais ambiciosa a proposta do G-20, mas consolidar o grupo, nascido apenas na semana passada.
Marcos Sawaya Jank, um dos maiores especialistas brasileiros em temas agrícolas, apresentou avaliação sobre os bastidores da OMC no qual diz que "o G-20 é visto como uma ótima "jogada política" de Brasil, Índia e China, mas que não teria "consistência econômica" e, por isso, teria dificuldades de se manter durante e depois de Cancún".
Pelo menos durante Cancún, o embaixador Hugueney garante a sobrevivência do G-20: anunciou que o grupo fará uma reunião ministerial (o mais alto nível no âmbito da OMC) na tarde do dia 9, véspera da inauguração da Conferência. E, todos os dias, haverá reuniões dos altos funcionários dos 20 países-membros.
(CLÓVIS ROSSI)


Texto Anterior: Arrecadação com serviços é maior do que com indústria, diz estudo
Próximo Texto: Esquerda ataca: País precisa planejar moratória, diz Furtado
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.