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COMÉRCIO MUNDIAL
Temor é de fracasso, como nos EUA
Brasil já vê risco de "nova Seattle" no encontro da OMC em Cancún
COLUNISTA DA FOLHA
Faltando apenas nove dias para
a inauguração oficial da Conferência Ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio),
marcada para Cancún, vem a público a palavra Seattle, que se tornou maldita nos ambientes negociadores internacionais.
"Há, sim, o risco de uma nova
Seattle", disse ontem o embaixador Clodoaldo Hugueney, negociador-chefe do Brasil para assuntos da OMC, durante reunião da
Câmara de Negociações Internacionais do Ministério da Agricultura.
A cidade norte-americana de
Seattle foi o local, em 1999, do
mais estrepitoso fracasso da história das negociações comerciais:
a reunião ministerial da OMC daquele ano terminou desorganizadamente, sem comunicado oficial
e sem acordo algum, enquanto,
nas ruas, a polícia e os manifestantes antiglobalização se envolviam em batalhas campais que se
tornariam, na sequência, rotina
em reuniões internacionais.
O embaixador não está fazendo
terrorismo, até por ser absolutamente contrário a seu jeito suave
de experimentado negociador.
Está apenas constatando fatos: "O
risco de nova Seattle existe porque não aconteceu absolutamente nada durante um ano e meio
em termos de acordos para o desenvolvimento ou para o setor
agrícola".
De fato, desde a conferência ministerial anterior (Doha, em
2001), os países-membros da
OMC tentam, sem sucesso, chegar a algum acordo a respeito da
agenda decidida na capital do Qatar, cujo eixo era precisamente o
desenvolvimento. O nó principal
é a questão agrícola, a de maior
interesse para o Brasil.
Ainda ontem, o G-20 (grupo de
20 países que apresentou a sua
própria proposta de liberalização
agrícola, por iniciativa do Brasil)
mandou carta ao embaixador
uruguaio Carlos Pérez del Castillo, exigindo que sua proposta seja
encaminhada a Cancún.
A decisão do G-20 é uma resposta à iniciativa de Pérez del Castillo de encaminhar a Cancún o
seu esboço de declaração final,
que, na parte agrícola, é considerado próximo demais do documento conjunto EUA/União Européia, por sua vez inaceitável para o Brasil e para o G-20.
EUA e UE são o país e o bloco
que mais protegem seus agricultores. A proposta conjunta dos
dois, exatamente as maiores usinas comerciais do planeta, prevê
uma liberalização agrícola muitíssimo mais limitada do que a proposta (e desejada) pelo G-20.
Conciliar as duas propostas,
portanto, não será tarefa fácil para
os ministros reunidos no balneário mexicano. "A negociação será
extremamente complexa e contra
o relógio", antevê Hugueney.
Ambição menor
Para o governo brasileiro, o documento do G-20 é o limite máximo de concessões. O texto não é o
ideal, como fez questão de deixar
claro, na reunião de ontem, Antônio Donizeti Beraldo, chefe do
Departamento de Comércio Exterior da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil.
"O grau de ambição do agronegócio foi substancialmente reduzido na proposta do G-20, para
possibilitar uma aliança política",
diz Donizeti.
De fato, os países em desenvolvimento que não são exportadores agrícolas e estão no G-20 conseguiram reduzir a liberalização
proposta, para não abrirem demais seu próprio setor agrícola.
Como 30% das exportações do
agronegócio vão para países em
desenvolvimento, a proposta
"pode afetar interesses exportadores importantes", nas contas de
Donizeti.
Ainda assim, é o documento
possível, que ganhou ontem o respaldo pleno da Câmara de Negociações Internacionais, em sua
maioria formada por representantes do setor privado.
O problema para o governo brasileiro, agora, não é tornar mais
ambiciosa a proposta do G-20,
mas consolidar o grupo, nascido
apenas na semana passada.
Marcos Sawaya Jank, um dos
maiores especialistas brasileiros
em temas agrícolas, apresentou
avaliação sobre os bastidores da
OMC no qual diz que "o G-20 é
visto como uma ótima "jogada
política" de Brasil, Índia e China,
mas que não teria "consistência
econômica" e, por isso, teria dificuldades de se manter durante e
depois de Cancún".
Pelo menos durante Cancún, o
embaixador Hugueney garante a
sobrevivência do G-20: anunciou
que o grupo fará uma reunião ministerial (o mais alto nível no âmbito da OMC) na tarde do dia 9,
véspera da inauguração da Conferência. E, todos os dias, haverá
reuniões dos altos funcionários
dos 20 países-membros.
(CLÓVIS ROSSI)
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