São Paulo, terça-feira, 02 de setembro de 2008

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BENJAMIN STEINBRUCH

Mal maior


Alguns desenvolvidos lutam para evitar a recessão, enquanto o Brasil ainda eleva os juros por medo da inflação

OS 15 PAÍSES da União Européia nunca haviam tido contração no seu Produto Interno Bruto desde a criação da zona do euro, há cerca de uma década. Dias atrás, tiveram a má notícia: o PIB do bloco caiu 0,2% no segundo trimestre deste ano em relação ao primeiro.
Pode ser que o bloco do euro ainda tenha crescimento do PIB no ano, como um todo. Mas as notícias que vêm de fora sobre o desaquecimento da economia dos países desenvolvidos são preocupantes.
Nos EUA, por onde começou a tendência, houve surpresa agradável no segundo trimestre, porque a economia se expandiu em 3,3% em bases anualizadas -quase o dobro do previsto anteriormente. Na verdade, embora a possibilidade de recessão ainda não esteja afastada, a surpresa é explicável. O novo ritmo resulta de plano governamental de estímulo ao consumo, com injeção de recursos via Imposto de Renda e, obviamente, da corajosa política monetária que mantém os juros em apenas 2% ao ano enquanto a inflação alcança 5,6% em 12 meses, o maior nível dos últimos 17 anos.
No Reino Unido, pode estar em curso a primeira recessão em 15 anos, pelo que indicam as quedas do consumo e da produção industrial e a retração dramática do mercado imobiliário. No Japão, o PIB encolheu 2,4% no segundo trimestre, a maior contração em sete anos. Alguns tigres asiáticos, como Cingapura e Malásia, já crescem a taxas menores do que as previstas, e as vendas internas perdem força no continente que tem sido uma espécie de locomotiva do século 21. A própria China terá neste ano um PIB menor do que a média dos últimos anos.
Tudo indica, mesmo com a surpresa americana, que a contração dos países desenvolvidos poderá se espalhar para o mundo emergente.
Nesse contexto, as preocupações com a inflação caem para segundo plano, até porque já está bem definida a curva descendente dos preços do petróleo e das demais commodities industriais e agrícolas.
Quando os dados sobre a desaceleração na zona do euro foram divulgados, dias atrás, alguns analistas lembraram que existe um complicador nesse quadro global. Enquanto os países desenvolvidos, principalmente os EUA, lutam bravamente para evitar a recessão há mais de um ano, alguns emergentes, Brasil à frente, ainda estão aumentando os juros por causa do medo da inflação.
Como a primeira recessão a gente nunca esquece, lembro-me muito bem dos anos 1980, quando o Brasil teve redução do PIB depois de duas décadas de crescimento contínuo, com taxas médias de 7% ao ano. O quadro de desemprego agudo é um dos mais deprimentes que um país sem mecanismos de proteção social pode enfrentar. Além disso, quando o desemprego começa a aumentar, há uma tendência psicológica de contração imediata do consumo daqueles que continuam empregados, o que leva a economia a um círculo perverso de redução de vendas e de emprego.
Nenhuma esdrúxula lógica tupiniquim poderá explicar por que o Brasil, um dos únicos países que mantém a inflação dentro da margem fixada para a meta, continua a promover seguidas elevações na Selic, enquanto os demais, com inflação relativamente muito maior, mantêm os juros inalterados.
Quando se fala em inflação, aqui no Brasil, agimos como se tivéssemos medo da própria sombra. Pode ser que a história brasileira de hiperinflações justifique essa "paura", mas, seguramente, o medo exagerado da inflação pode nos trazer um mal muito maior.


BENJAMIN STEINBRUCH, 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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