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OPINIÃO ECONÔMICA
Um economista do PT
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Em artigo recente, Clóvis Rossi
referiu-se à avaliação que apresentei, nesta coluna, de que estamos presenciando não apenas o
fracasso de um governo, mas o
fracasso de um projeto maior,
que é anterior a Fernando Henrique Cardoso. Rossi acrescentou que o quadro é pior porque
"nem o governo nem a oposição
têm alguma coisa de diferente a
oferecer".
Bem. Toda vez que o importante jornalista se lembra de
mim, a minha vaidade autoral
dá os célebres "arrancos triunfais de cachorro atropelado".
Mas, na realidade, a situação é
ainda pior do que diz o Rossi.
Importantes setores da oposição,
além de não ter projeto claro para o país, revelam-se incapazes,
em momentos decisivos, de
apresentar um diagnóstico e
uma avaliação consistentes do
quadro político e econômico.
Fiz essa pequena introdução
para tratar de uma agressão extemporânea que sofri há pouco.
Em entrevista para o livro "Conversas com Economistas Brasileiros 2", recém-lançado, Aloizio
Mercadante apresentou uma
versão deformada do que foi a
campanha de Lula em 1994,
com referências depreciativas a
meu respeito.
Antes, porém, um esclarecimento. Não sou e nunca fui filiado ao PT ou a qualquer outro
partido político. Mas, em 1994,
preocupado com a ameaça que
um governo Fernando Henrique
Cardoso poderia representar para a soberania do país, participei intensamente (até demais)
do debate econômico na campanha do Lula.
Por conta disso, até hoje muitos pensam que sou um economista do PT. Alguns, mais exagerados, atribuem-me a condição de "guru econômico" do
partido, uma impressão errada,
dado que os verdadeiros gurus
econômicos do PT têm opiniões
bastante diferentes das minhas.
Mas, enfim, em 1994 fiquei
abismado com o nível do debate
econômico no partido. Na época, houve um conflito titânico
entre a lógica econômica e muitos economistas do PT, Mercadante à frente. A lógica econômica apanhou feio. Sofreu insultos e agressões inomináveis. Foi
um caso sério.
Juntamente com João Machado, Eduardo Suplicy, Odilon
Guedes e alguns outros, alertei
diversas vezes para o risco (aliás,
óbvio) que o Plano Real representava para a candidatura Lula. Avisamos que era indispensável apresentar um programa
de combate à inflação e transmitir ao eleitorado a convicção
de que o candidato saberia como enfrentar aquele que era então o problema mais urgente.
Foi tudo inútil. Armou-se uma
confusão dentro da campanha
que impediu a discussão ordenada do Plano Real e das alternativas. Mercadante e outros
economistas vaticinaram, em
mais de uma ocasião, o insucesso político e até o colapso imediato do programa de estabilização, alimentando a idéia de
que era desnecessária uma discussão pública de alternativas.
Tudo isso está documentado e
relatado em detalhes num livreto publicado após as eleições,
que posso colocar à disposição
dos interessados (Eduardo Suplicy e outros autores, "Combate
à Inflação, Plano Real e Campanha Eleitoral", dez./94).
No livro recém-publicado,
Mercadante nega tudo. Não havia, segundo ele, divergências de
diagnóstico quanto ao Plano
Real. A "divergência de fundo",
diz Mercadante, "era que o Paulo Nogueira Batista tinha uma
outra proposta de estabilização", segundo ele catastrófica e
inconsistente, que envolvia a
"privatização do Banco Central" e o lastreamento da nova
moeda "numa cesta de ações",
uma âncora volátil, "que iria todo dia ao mercado de risco na
bolsa internacional".
Chegamos, assim, às raias do
ridículo. Sou, caro leitor, muito
consciente das minhas limitações como economista, que são
várias e importantes. Mas, convenhamos, que mesmo um economista limitado como eu dificilmente imaginaria ancorar
uma moeda em ações ou privatizar o Banco Central.
De onde será que o ilustre economista do PT tirou idéias tão
extravagantes? Sugiro aos interessados consultar os diversos
textos que publiquei em 1993-94,
propondo um mecanismo de
"ancoragem" interna, como alternativa aos badalados esquemas de "ancoragem" cambial e
dolarização (por exemplo, artigo publicado na Folha, em 15/
9/93, e o capítulo final do livreto
acima citado). Se o fizerem, verão que o nosso Mercadante não
tem a menor idéia do que está
falando.
Vale a pena recapitular esses
episódios? Talvez não. São controvérsias antigas. Mas há pelo
menos um motivo importante
para retomá-las. Como declarou
Mangabeira Unger, em entrevista recente à Folha, o nosso problema político mais grave é que
"o Brasil já não tem governo,
mas ainda não tem oposição".
O PT tem muitos méritos no
campo municipal, mas ainda
não conseguiu formular um
projeto convincente para as
questões nacionais e internacionais que afligem o país. No campo econômico, em especial, não
houve grande renovação desde
1994.
Sem uma maior consistência
do pensamento e das propostas
econômicas da oposição, o país
continuará desprovido de alternativas políticas viáveis. Os defensores do "status quo" agradecerão, penhorados.
Paulo Nogueira Batista Jr., 44, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net
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