São Paulo, Quinta-feira, 02 de Setembro de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Um economista do PT

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Em artigo recente, Clóvis Rossi referiu-se à avaliação que apresentei, nesta coluna, de que estamos presenciando não apenas o fracasso de um governo, mas o fracasso de um projeto maior, que é anterior a Fernando Henrique Cardoso. Rossi acrescentou que o quadro é pior porque "nem o governo nem a oposição têm alguma coisa de diferente a oferecer".
Bem. Toda vez que o importante jornalista se lembra de mim, a minha vaidade autoral dá os célebres "arrancos triunfais de cachorro atropelado". Mas, na realidade, a situação é ainda pior do que diz o Rossi. Importantes setores da oposição, além de não ter projeto claro para o país, revelam-se incapazes, em momentos decisivos, de apresentar um diagnóstico e uma avaliação consistentes do quadro político e econômico.
Fiz essa pequena introdução para tratar de uma agressão extemporânea que sofri há pouco. Em entrevista para o livro "Conversas com Economistas Brasileiros 2", recém-lançado, Aloizio Mercadante apresentou uma versão deformada do que foi a campanha de Lula em 1994, com referências depreciativas a meu respeito.
Antes, porém, um esclarecimento. Não sou e nunca fui filiado ao PT ou a qualquer outro partido político. Mas, em 1994, preocupado com a ameaça que um governo Fernando Henrique Cardoso poderia representar para a soberania do país, participei intensamente (até demais) do debate econômico na campanha do Lula.
Por conta disso, até hoje muitos pensam que sou um economista do PT. Alguns, mais exagerados, atribuem-me a condição de "guru econômico" do partido, uma impressão errada, dado que os verdadeiros gurus econômicos do PT têm opiniões bastante diferentes das minhas.
Mas, enfim, em 1994 fiquei abismado com o nível do debate econômico no partido. Na época, houve um conflito titânico entre a lógica econômica e muitos economistas do PT, Mercadante à frente. A lógica econômica apanhou feio. Sofreu insultos e agressões inomináveis. Foi um caso sério.
Juntamente com João Machado, Eduardo Suplicy, Odilon Guedes e alguns outros, alertei diversas vezes para o risco (aliás, óbvio) que o Plano Real representava para a candidatura Lula. Avisamos que era indispensável apresentar um programa de combate à inflação e transmitir ao eleitorado a convicção de que o candidato saberia como enfrentar aquele que era então o problema mais urgente.
Foi tudo inútil. Armou-se uma confusão dentro da campanha que impediu a discussão ordenada do Plano Real e das alternativas. Mercadante e outros economistas vaticinaram, em mais de uma ocasião, o insucesso político e até o colapso imediato do programa de estabilização, alimentando a idéia de que era desnecessária uma discussão pública de alternativas. Tudo isso está documentado e relatado em detalhes num livreto publicado após as eleições, que posso colocar à disposição dos interessados (Eduardo Suplicy e outros autores, "Combate à Inflação, Plano Real e Campanha Eleitoral", dez./94).
No livro recém-publicado, Mercadante nega tudo. Não havia, segundo ele, divergências de diagnóstico quanto ao Plano Real. A "divergência de fundo", diz Mercadante, "era que o Paulo Nogueira Batista tinha uma outra proposta de estabilização", segundo ele catastrófica e inconsistente, que envolvia a "privatização do Banco Central" e o lastreamento da nova moeda "numa cesta de ações", uma âncora volátil, "que iria todo dia ao mercado de risco na bolsa internacional".
Chegamos, assim, às raias do ridículo. Sou, caro leitor, muito consciente das minhas limitações como economista, que são várias e importantes. Mas, convenhamos, que mesmo um economista limitado como eu dificilmente imaginaria ancorar uma moeda em ações ou privatizar o Banco Central.
De onde será que o ilustre economista do PT tirou idéias tão extravagantes? Sugiro aos interessados consultar os diversos textos que publiquei em 1993-94, propondo um mecanismo de "ancoragem" interna, como alternativa aos badalados esquemas de "ancoragem" cambial e dolarização (por exemplo, artigo publicado na Folha, em 15/ 9/93, e o capítulo final do livreto acima citado). Se o fizerem, verão que o nosso Mercadante não tem a menor idéia do que está falando.
Vale a pena recapitular esses episódios? Talvez não. São controvérsias antigas. Mas há pelo menos um motivo importante para retomá-las. Como declarou Mangabeira Unger, em entrevista recente à Folha, o nosso problema político mais grave é que "o Brasil já não tem governo, mas ainda não tem oposição".
O PT tem muitos méritos no campo municipal, mas ainda não conseguiu formular um projeto convincente para as questões nacionais e internacionais que afligem o país. No campo econômico, em especial, não houve grande renovação desde 1994.
Sem uma maior consistência do pensamento e das propostas econômicas da oposição, o país continuará desprovido de alternativas políticas viáveis. Os defensores do "status quo" agradecerão, penhorados.


Paulo Nogueira Batista Jr., 44, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net


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