São Paulo, quarta-feira, 02 de outubro de 2002

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LUÍS NASSIF

A estratégia para a crise externa

Pensador sério, criativo, intelectualmente honesto e sem vezo ideológico, no final dos anos 80 o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira patrocinou um plano de reestruturação da dívida que, se implementado, teria poupado anos de sacrifício inútil para o país. Tratava-se de um projeto de securitização da dívida externa brasileira, que permitiria estender o prazo de pagamento e obter deságios, dentro de uma estratégia negocial legítima -posto que era matematicamente comprovado que o país não teria condições de arcar com os compromissos, depois que o Cruzado liquidou com os superávits comerciais.
O plano esbarrou em duas linhas politicamente preconceituosas. De um lado, no discurso nacionalista-vazio de Dilson Funaro, que politizou a questão transformando a inevitabilidade da moratória em desafio político, provocando a ira gratuita dos credores. De outro, na subserviência medíocre aos interesses internacionais por parte de seu sucessor, que descartou o plano e se dispôs a pagar integralmente o serviço da dívida, ajudando a jogar o país em uma hiperinflação e prorrogando inutilmente a crise interna brasileira. Tanto o plano era factível que foi relançado depois, com o nome de Plano Brady.
Pois é com esse mesmo instrumental analítico que Bresser Pereira analisa o momento atual. A economia brasileira é solvente ou não é? A resposta depende dos credores internacionais, não de Lula ou Fernando Henrique Cardoso. Se continuarem financiando o país, será solvente. Se interromperem o financiamento, insolvente.
O que não pode ocorrer é a repetição da tragédia argentina. Lá se chegou a uma situação-limite, e o país passou a se socorrer do FMI (Fundo Monetário Internacional) para quê? Só para prolongar uma situação insolúvel. O país é superavitário hoje em dia, mas não consegue acumular reservas porque o que entra é remetido para fora.
No plano externo, a situação da economia brasileira, hoje em dia, é muito melhor que a da Argentina por vários fatores. O país conta com reservas e conseguiu virar a sua balança comercial. Deve fechar o ano com superávit comercial superior a US$ 8,5 bilhões, e há quem aposte em superávit muito maior no próximo ano.
No plano externo, neste momento, há uma situação até certo ponto confortável, enquanto o Banco Central tiver reservas em caixa. Na edição de ontem da Folha, o correspondente Marcio Aith apresentou as conclusões do seminário do Institute for International Economics com um conjunto excepcional de analistas internacionais. Com exceção de John Williamson, houve certo consenso de que o Brasil terá que reestruturar a dívida.
Se o estupro é inevitável, como agir? Confira-se que a inevitabilidade ou não depende apenas dos agentes internacionais. Se não se restabelecer o fluxo de investimentos após as eleições, de nada adiantará contar com os recursos do FMI. Servirão apenas para postergar uma situação inevitável, fazendo o país entrar nela fragilizado.
A melhor situação será a recomposição do fluxo de financiamentos. Se não houver a possibilidade, a melhor alternativa é o país defender as suas reservas e aproveitar a virada na balança comercial para montar sua estratégia.
Há dois tipos de credores a considerar: os pretéritos e os futuros. Uma dívida impagável compromete a vida do credor passado (porque uma moratória descontrolada transformaria em pó seus créditos) e impede a vinda do credor futuro. Por isso mesmo, uma renegociação controlada seria melhor do que esperar sentado o "default". Com reservas e superávit, o país teria fôlego para renegociar prazos e deságios, viabilizando a dívida passada e abrindo espaço para o retorno dos fluxos de recursos novos, assim que o mercado internacional se estabilizar.
Para tanto basta apenas ter clareza nos propósitos, não politizar a discussão nem -do lado oposto- sacrificar os interesses nacionais para uma causa impossível.

E-mail - LNassif@uol.com.br


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