São Paulo, quarta-feira, 02 de outubro de 2002

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ARTIGO

EUA zombaram do Japão, e agora mordem a língua

PAUL KRUGMAN

Fiquei obcecado pela economia japonesa depois que ela saiu de moda.
Os norte-americanos prestavam muita atenção no Japão nos anos 80, quando a indústria japonesa estava conquistando o mundo. Lembram-se de quando as livrarias dos aeroportos estavam lotadas de livros de administração de empresas que traziam samurais em suas capas? A bolha japonesa estourou, e a maior parte dos norte-americanos concluiu que não tínhamos nada a aprender com o Japão, exceto o fato de que um país pode tropeçar feio se lhe faltar lideranças políticas e empresariais adequadas. E nós, evidentemente, não padecemos desse problema.
Ou será que sim? A ousadia de Jack Welch começa a parecer tão superestimada quando os samurais dos negócios. E nossa liderança política não é exatamente uma fonte de confiança. Na verdade, ultimamente comecei a ter uma idéia verdadeiramente deprimente. Por pior que a política japonesa seja, é possível que os EUA consigam descer mais fundo.
É difícil dizer algo de bom sobre a maneira pela qual o Japão lidou com sua economia depois da bolha. Mas me preocupo há anos com a forma pela qual outros países enfrentarão problemas semelhantes. É certo que, enquanto os EUA tentam enfrentar o estouro de sua própria bolha, é muito mais fácil perceber de que maneira más decisões econômicas são tomadas.
É fato que Alan Greenspan e seus colegas começaram muito melhor que suas contrapartes no Japão. Sabiam que o Banco do Japão havia reduzido os juros com lentidão excessiva, e, quando percebeu a gravidade do problema, já era tarde demais: nem mesmo juros zero bastaram para deflagrar uma recuperação. Assim, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) optou por cortar os juros cedo e repetidamente; os 11 cortes decretados em 2001 alimentaram um boom tanto na aquisição de casas quando no refinanciamento de hipotecas, e ambos os fatores ajudaram a impedir que a economia norte-americana passasse por uma recessão muito mais séria.
Mas já começa a parecer que os cortes de juros talvez não tenham sido o bastante. Não preciso lhes falar sobre os mercados financeiros. Os indicadores econômicos sugerem fortemente que a economia está ou caindo em uma recessão de duplo mergulho, em forma de W, ou está tão perto disso que na prática não faz a menor diferença. Os mercados de títulos claramente prevêem que o Fed terá de cortar as taxas de juros outra vez, e logo. E se o Fed, como o Banco do Japão, descer até o zero e ainda assim descobrir que não foi capaz de reanimar a economia?
Não muitas pessoas compreendem que, de certa modo, a política econômica japonesa respondeu de maneira bastante efetiva a uma queda sustentada. É fácil zombar dos enormes gastos do país em obras públicas, todas aquelas pontes ligando o nada a lugar nenhum, rodovias sem tráfego e coisas assim. Sem dúvida, quantias enormes foram desperdiçadas. Mas fica igualmente claro que todo esse gasto bombeou dinheiro para a economia e impediu o que teria sido, de outra maneira, uma depressão em larga escala.

Caixa apertado
Assim, o que acontecerá nos EUA em situação semelhante? No momento, estamos na verdade seguindo a política oposta: cortando gastos públicos diante de uma crise econômica.
Parte do processo ocorre em nível federal. O governo Bush está cortando os gastos onde pode, salvando um bilhão aqui, um bilhão ali em despesas com os veteranos de guerra e a segurança interna, ou com os pagamentos do seguro de saúde. O mais importante é que o governo federal não está fazendo nada para ajudar, enquanto os governos estaduais e municipais, cuja arrecadação foi devastada pela recessão, fazem cortes profundos em tudo que não seja urgentemente necessário, e em muitas de suas necessidades essenciais também.
É verdade que não enfrentamos ainda a possibilidade de que Tio Alan não seja capaz de nos salvar sem ajuda. Mas o debate do final do ano passado sobre o estímulo à economia sugere que nossa liderança política é incapaz de propor resposta racional aos problemas econômicos.
Onde os economistas viam perigo, a Casa Branca e seus aliados no Congresso viam oportunidade, uma oportunidade de impor mais cortes nos impostos das empresas e dos ricos, medidas que se enquadram em sua agenda política, mas que se mostram quase irrelevantes diante dos problemas econômicos. Lembram-se da proposta de conceder benefícios fiscais retroativos à Chevron Texaco e à Enron?
No final, a necessidade de estímulo é menos urgente do que parecia naquele momento, mas não existe razão para acreditar que nos sairemos melhor se, como parece cada vez mais provável, a recuperação vacilar.
Evidentemente, o pior desfecho seria que nossas lideranças decidam que a economia não é problema delas e simplesmente tentem distrair o público quanto à alta do desemprego e à queda das ações invadindo um país qualquer. Mas não precisamos nos preocupar com isso, precisamos?


Paul Krugman, economista e professor na Universidade Princeton (EUA), é colunista do jornal "The New York Times".

Tradução de Paulo Migliacci


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