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ARTIGO
EUA zombaram do Japão, e agora mordem a língua
PAUL KRUGMAN
Fiquei obcecado pela economia japonesa depois que
ela saiu de moda.
Os norte-americanos prestavam muita atenção no Japão nos
anos 80, quando a indústria japonesa estava conquistando o mundo. Lembram-se de quando as livrarias dos aeroportos estavam
lotadas de livros de administração
de empresas que traziam samurais em suas capas? A bolha japonesa estourou, e a maior parte dos
norte-americanos concluiu que
não tínhamos nada a aprender
com o Japão, exceto o fato de que
um país pode tropeçar feio se lhe
faltar lideranças políticas e empresariais adequadas. E nós, evidentemente, não padecemos desse problema.
Ou será que sim? A ousadia de
Jack Welch começa a parecer tão
superestimada quando os samurais dos negócios. E nossa liderança política não é exatamente uma
fonte de confiança. Na verdade,
ultimamente comecei a ter uma
idéia verdadeiramente deprimente. Por pior que a política japonesa seja, é possível que os EUA consigam descer mais fundo.
É difícil dizer algo de bom sobre
a maneira pela qual o Japão lidou
com sua economia depois da bolha. Mas me preocupo há anos
com a forma pela qual outros países enfrentarão problemas semelhantes. É certo que, enquanto os
EUA tentam enfrentar o estouro
de sua própria bolha, é muito
mais fácil perceber de que maneira más decisões econômicas são
tomadas.
É fato que Alan Greenspan e
seus colegas começaram muito
melhor que suas contrapartes no
Japão. Sabiam que o Banco do Japão havia reduzido os juros com
lentidão excessiva, e, quando percebeu a gravidade do problema, já
era tarde demais: nem mesmo juros zero bastaram para deflagrar
uma recuperação. Assim, o Federal Reserve (Fed, o banco central
dos Estados Unidos) optou por
cortar os juros cedo e repetidamente; os 11 cortes decretados em
2001 alimentaram um boom tanto na aquisição de casas quando
no refinanciamento de hipotecas,
e ambos os fatores ajudaram a impedir que a economia norte-americana passasse por uma recessão
muito mais séria.
Mas já começa a parecer que os
cortes de juros talvez não tenham
sido o bastante. Não preciso lhes
falar sobre os mercados financeiros. Os indicadores econômicos
sugerem fortemente que a economia está ou caindo em uma recessão de duplo mergulho, em forma
de W, ou está tão perto disso que
na prática não faz a menor diferença. Os mercados de títulos claramente prevêem que o Fed terá
de cortar as taxas de juros outra
vez, e logo. E se o Fed, como o
Banco do Japão, descer até o zero
e ainda assim descobrir que não
foi capaz de reanimar a economia?
Não muitas pessoas compreendem que, de certa modo, a política
econômica japonesa respondeu
de maneira bastante efetiva a uma
queda sustentada. É fácil zombar
dos enormes gastos do país em
obras públicas, todas aquelas
pontes ligando o nada a lugar nenhum, rodovias sem tráfego e coisas assim. Sem dúvida, quantias
enormes foram desperdiçadas.
Mas fica igualmente claro que todo esse gasto bombeou dinheiro
para a economia e impediu o que
teria sido, de outra maneira, uma
depressão em larga escala.
Caixa apertado Assim, o que acontecerá nos
EUA em situação semelhante? No
momento, estamos na verdade
seguindo a política oposta: cortando gastos públicos diante de
uma crise econômica.
Parte do processo ocorre em nível federal. O governo Bush está
cortando os gastos onde pode,
salvando um bilhão aqui, um bilhão ali em despesas com os veteranos de guerra e a segurança interna, ou com os pagamentos do
seguro de saúde. O mais importante é que o governo federal não
está fazendo nada para ajudar, enquanto os governos estaduais e
municipais, cuja arrecadação foi
devastada pela recessão, fazem
cortes profundos em tudo que
não seja urgentemente necessário, e em muitas de suas necessidades essenciais também.
É verdade que não enfrentamos
ainda a possibilidade de que Tio
Alan não seja capaz de nos salvar
sem ajuda. Mas o debate do final
do ano passado sobre o estímulo à
economia sugere que nossa liderança política é incapaz de propor
resposta racional aos problemas
econômicos.
Onde os economistas viam perigo, a Casa Branca e seus aliados
no Congresso viam oportunidade, uma oportunidade de impor
mais cortes nos impostos das empresas e dos ricos, medidas que se
enquadram em sua agenda política, mas que se mostram quase irrelevantes diante dos problemas
econômicos. Lembram-se da proposta de conceder benefícios fiscais retroativos à Chevron Texaco
e à Enron?
No final, a necessidade de estímulo é menos urgente do que parecia naquele momento, mas não
existe razão para acreditar que
nos sairemos melhor se, como parece cada vez mais provável, a recuperação vacilar.
Evidentemente, o pior desfecho
seria que nossas lideranças decidam que a economia não é problema delas e simplesmente tentem distrair o público quanto à alta do desemprego e à queda das
ações invadindo um país qualquer. Mas não precisamos nos
preocupar com isso, precisamos?
Paul Krugman, economista e professor na Universidade Princeton (EUA), é colunista do jornal "The New York Times".
Tradução de Paulo Migliacci
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