São Paulo, sábado, 02 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Revolução permanente contra a burocracia

GESNER OLIVEIRA

O relatório de Desenvolvimento 2005 do Banco Mundial divulgado nesta semana mostra como é dura a vida do empreendedor brasileiro. Produzir e inovar no Brasil se assemelha mais a uma corrida de obstáculos do que a uma atividade corriqueira que deveria em princípio contar com o apoio irrestrito do Estado.
As barreiras podem ser encontradas nas quatro áreas destacadas pelo Banco Mundial que em seu conjunto determinariam o clima para o investimento no país.
A primeira diz respeito à estabilidade e à segurança de regras. A estabilidade de preços obtida depois do Plano Real foi um grande avanço. Mas o país engatinha em termos de segurança de regras. O enorme custo e dificuldade para fazer valer os contratos, a elevada criminalidade no campo e na cidade e o desrespeito freqüente aos direitos de propriedade inibem a inversão produtiva e o desenvolvimento dos mercados. De acordo com o Banco Mundial, 76% das empresas consultadas no Brasil consideram a instabilidade de regras um dos principais obstáculos para o investimento.
A segunda área é a regulatória e tributária. Não surpreende que o excesso de regulação (e, freqüentemente, de má regulação), bem como a estrutura tributária, seja visto como grandes problemas. Além da carga tributária asfixiante, a empresa no Brasil enfrenta enorme custo burocrático. O registro de um negócio no Brasil requer 152 dias, cerca de três vezes a média mundial. Essa marca só é ultrapassada por Congo, Haiti, Laos e Moçambique. Na Austrália, são necessários somente dois dias. O esforço para fazer valer um contrato requer 566 dias, contra 425 na Índia e 388 na média dos países pesquisados.
Como hoje é véspera de eleição para prefeito, é bom lembrar que uma parcela não desprezível de dificuldades burocráticas se origina de exigências dos governos locais. E que a desburocratização vai exigir um esforço articulado de todas as esferas governamentais.
Há aqueles que julgam que problemas de cumprimento de contratos e estabilidade de regras interessam apenas aos grandes investidores ou às grandes empresas. Nada mais equivocado. As pequenas e médias empresas e os pobres são os que mais sofrem, porque não dispõem de recursos para travar a guerra burocrática.
A terceira área destacada pelo Banco Mundial é a de financiamento e infra-estrutura. Dadas a dificuldade de acesso a crédito no Brasil e a fragilidade dos serviços de infra-estrutura, não surpreende que esse tenha sido percebido como um dos principais obstáculos no Brasil.
A quarta área é a de relações trabalhistas, destacada por mais da metade das empresas consultadas como um fator inibidor.
As dificuldades nas quatro áreas de política pública discutidas pelo Banco Mundial comprometem as taxas de investimento e inovação e, conseqüentemente, o crescimento da economia.
Não há solução simples ou pontual para os problemas diagnosticados no Relatório de Desenvolvimento de 2005. É preciso um esforço sistemático e ininterrupto de mudança. No tocante à desburocratização, é preciso uma verdadeira revolução cultural. Ou, mais radical ainda, é preciso uma revolução permanente.
Leon Trostky desenvolveu o conceito de revolução permanente para demonstrar que a revolução soviética não poderia ter êxito em um só país e que não poderia se restringir a reformas superficiais. Ironicamente, o mesmo termo pode descrever aquilo que é necessário não para destruir o capitalismo, como queria Trostky e os bolcheviques; mas, pelo contrário, para assegurar os direitos de propriedade e o desenvolvimento dos mercados nas economias emergentes!


Gesner Oliveira, 48, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


Texto Anterior: Em 2005, Furlan prevê US$ 100 bi em exportações
Próximo Texto: Espaço: Governo avalia lançar satélite próprio
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.