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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Governança pública,
moralidade fiscal
LUCIANO COUTINHO
A fragilização do Estado
começou a se agravar nos
anos 80 com as seqüelas da crise
da dívida externa. O Plano Collor,
no início dos anos 90, fez um saneamento doloroso da posição fiscal-financeira através do congelamento dos ativos e da imposição
de imposto extraordinário. Infelizmente, a implantação do Plano
Real implicou novo ciclo altamente deletério de fragilização financeira do Estado. No primeiro governo FHC, combinou-se uma taxa real de juros média de mais de
20% ao ano com déficits fiscais
elevados. A dívida interna escalou. No segundo governo, sob o
impacto das crises cambiais das
economias emergentes, os juros
persistiram elevados e o BC emitiu
grande volume de dívida dolarizada. Os recursos advindos da privatização foram dissipados e uma
escalada tributária impôs à sociedade uma carga de mais dez pontos de porcentagem do PIB.
Muito embora a taxa real de juros extraordinariamente alta tenha sido fator-chave de propulsão
da dívida, uma forte expansão do
custeio do setor público também
contribuiu para a deterioração financeira do Estado. Os dispêndios
federais de custeio subiram de
21% do PIB no início dos anos 90
para 28% em 2004. Paralelamente, e lamentavelmente, os dispêndios de investimento caíram de
4% para 0,7% no período. As
transferências fiscais para pagar
juros custaram, em média, 5% do
PIB. Esse é o retrato dramático da
debilitação do Estado brasileiro.
Sem absolver a insensata política de juros reais elevados e sem
perdoar a queda dos investimentos, cabe a pergunta: a elevação
dos gastos resultou em melhoria
substantiva das políticas sociais,
especialmente de saúde, educação,
assistência e saneamento? A resposta é negativa. O subdesenvolvimento do controle democrático do
Estado, expresso na fragilidade do
sistema de governança pública,
enseja práticas de favoritismo,
cooptação política, corrupção e
freqüente predação dos recursos
fiscais por parte de interesses privilegiados. A Lei de Responsabilidade Fiscal, ao estabelecer um efetivo
regime de controle do endividamento público representou um
avanço. Mas a LRF tem sido pouco eficaz enquanto indutora de
melhorias substanciais da qualidade e da racionalidade alocativa
do gasto (em termos de eficiência e
de eqüidade). Há, portanto, diante de nós, o duplo desafio de restaurar a higidez fiscal-financeira
do Estado e, simultaneamente,
aprofundar sistemas transparentes e participativos de governança
pública. Os recursos orçamentários precisam se traduzir em benefícios diretos e, o quanto possível,
universais aos pobres e excluídos.
A luta contra o desvio e o desperdício do dinheiro público não é só
fundamental para a regeneração
fiscal do Estado, mas, também, para consolidar a democracia social.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Foi secretário-geral do Ministério
da Ciência e Tecnologia (1985-88).
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