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São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2003

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Vento de popa

LUCIANO COUTINHO

Na semana passada, o ministro da Fazenda comunicou à sociedade que, vencida a ameaça de retorno da inflação, o país está pronto para voltar a crescer. Com razão, depois de mais de duas décadas de crises e crescimento medíocre, três condições básicas para a sustentação do crescimento estão sendo amadurecidas.
Primeiro, a reafirmação de que a inflação não será mais uma ameaça e o convencimento dos mercados de que a trajetória dos índices de preços é efetivamente declinante, conforme as metas estabelecidas pelo Banco Central.
Segundo, o sistema fiscal-tributário brasileiro -apesar de suas distorções- é eficiente para gerar um superávit fiscal primário superior a 4% do PIB e, assim, manter o endividamento público sob controle. Ademais, firmou-se a percepção do sério compromisso do governo Lula com a responsabilidade fiscal e, objetivamente, vem ocorrendo uma redução gradual da dívida pública indexada à taxa de câmbio (de 37% no início do ano para cerca de 26% hoje), o que representa uma diminuição expressiva de vulnerabilidade fiscal.
A terceira condição para crescer radica no fortalecimento em curso do balanço de pagamentos. Como é sabido, a sustentação de um superávit comercial elevado é condição-chave para restaurar a plena autonomia da política econômica, permitindo ao Brasil recuperar um volume adequado de reservas de divisas para fazer frente às turbulências internacionais. A reversão do déficit externo em conta corrente -pela primeira vez desde 1992, o país encerrará o ano com um pequeno superávit externo- deveu-se ao extraordinário desempenho da balança comercial, que deve fechar 2003 com superávit próximo de US$ 22 bilhões. As exportações devem saltar de US$ 60 bilhões em 2002 para US$ 71,5 bilhões neste ano, com surpreendente incremento de quase 19%. Convém registrar que uma parcela expressiva desse resultado se deve a fatores excepcionais, não necessariamente sustentáveis, a saber: ressurreição da Argentina, novos espaços no mercado chinês e melhoria dos preços das commodities. De fato, no período de janeiro a setembro de 2003 (sobre o mesmo período de 2002), as exportações cresceram 89,7% para a China e 89,6% para a Argentina, enquanto os preços dos semimanufaturados melhoraram 12,4% e os dos produtos básicos subiram 7%. Não se pode negar, porém, que o forte estímulo da depreciação da taxa de câmbio no segundo semestre de 2002 contribuiu decisivamente para mudar a estratégia do setor empresarial. O mercado externo voltou a ser um alvo estratégico mormente numa conjuntura de retração do mercado interno. Com efeito, ainda que fossem excluídos aqueles fatores excepcionais não diretamente associados ao estímulo cambial, as exportações teriam crescido ao expressivo ritmo de 11% ao ano em 2003 (e não a 19% ao ano). Anote-se que uma parcela importante desse resultado pode ser creditada à significativa depreciação do próprio dólar em relação ao euro (de 15%) ao longo deste ano, o que decerto incrementou a competitividade dos produtos brasileiros nos mercados europeus. De fato, apesar da estagnação européia em 2003, as exportações brasileiras para o velho continente subiram cerca de 22% no período de janeiro a setembro.
Sem embargo, ao longo de 2003 uma parte importante do estímulo cambial herdado de 2002 foi desfeita pela relativa apreciação da taxa de câmbio real vis-à-vis o dólar. Os prováveis efeitos negativos dessa apreciação ainda não podem ser avaliados com segurança. Mas é plausível que, se persistir, determine uma desaceleração do ritmo das exportações, o que, em conjunto com a reativação da economia (e das importações), rebaterá sobre o superávit comercial. No presente, porém, o impacto favorável do surpreendente crescimento das exportações tem atenuado essas preocupações, criando uma tolerância ante a apreciação cambial, o que facilitou muito ao Banco Central a tarefa de controle da inflação. Se, em 2004, a taxa de expansão das exportações se reduzir para 7% ao ano e o crescimento das importações alcançar 15% ao ano, ainda assim o superávit comercial alcançará a cifra de US$ 20 bilhões. Esse nível de superávit é suficiente para não causar estresse sério no mercado de câmbio e nas expectativas, mas pode gerar apreensão quanto à trajetória futura do saldo comercial quando o crescimento ganhar força e as inversões subirem. Portanto, para assegurar a sustentação do ajuste externo, é prudente que, mantida a flutuação, o Banco Central não permita apreciação sistemática da taxa de câmbio (mormente porque os ingressos de investimento direto tenderão a aumentar). A política indicada seria a de adquirir reservas para reduzir o passivo externo líquido e, assim, caminhar rápido para a obtenção do status de "investment grade". Não se pode dispensar, além disso, uma política industrial que acelere a formação de capacidade exportadora e alavanque a competitividade da economia. O crescimento sustentável está, finalmente, chegando ao nosso alcance.


Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).


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