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São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2003

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Robert Shiller, autor de "Exuberância Irracional", diz que recuperação dos EUA é para valer

"Profeta" da bolha não vê desastre a caminho

ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

Ele, que já foi um dos maiores pessimistas em relação ao futuro da economia dos Estados Unidos, diz com segurança hoje que não vê nenhum desastre a caminho. E mais: acha que a recuperação em curso pode ser sustentável.
Trata-se de Robert Shiller, economista da prestigiada Universidade Yale, que, em 2000, escreveu o livro "Exuberância Irracional". Um tratado, que se revelou profético, sobre a bolha do mercado de ações norte-americano. Na época, Shiller dizia que a exuberante alta de preços era insustentável, explodiria e arrastaria o país para uma recessão. Sua tese não demorou para virar realidade.
Ainda em 2000, começou a derrocada nas Bolsas de Valores do país. Em 2001, chegou a recessão.
Atualmente, embora veja ameaças como a resistência à queda da taxa de desemprego de 6% e a nova bolha, agora no setor imobiliário, Shiller aposta numa retomada para valer.
Segundo ele, a taxa de desemprego deve acabar cedendo, o que, em suas palavras, é "ótima notícia" para George W. Bush (presidente dos EUA). "Isso ajudará Bush a se reeleger", afirma.
Em seu último livro "The New Financial Order", ainda não traduzido para o português, defende uma idéia inovadora -embora de aplicabilidade duvidosa-, que é a criação de instrumentos financeiros que permitam ampliar a rede de proteção contra riscos a pessoas comuns e a países.
Leia a seguir trechos de sua entrevista à Folha.
 
Folha - Os últimos indicadores nos Estados Unidos mostram uma forte recuperação da economia. O senhor acredita que essa recuperação seja sustentável?
Robert Shiller -
Bem, eu não acho que possamos continuar crescendo a 7,2%, mas acredito que, definitivamente, seja um bom sinal. As pessoas terão de revisar para cima suas projeções.
E não parece que gastos do governo sejam o que há de principal nisso, parece que vem da economia privada. Isso é um bom sinal.

Folha - Quais são as perspectivas da economia para o médio prazo na sua opinião?
Shiller -
A maior preocupação é sobre o emprego. Os números de emprego ainda não parecem bons. Parece ser o mesmo que ocorreu na recessão de 1991, quando o nível emprego demorou muito para se recuperar.
O problema é que os ganhos de produtividade estão levando a uma redução da demanda por mão-de-obra. Com isso, a recuperação do emprego pode não acontecer durante um longo tempo.
Isso pode ser o início de novos problemas econômicos.

Folha - E quais seriam as consequências disso para a recuperação?
Shiller -
Bem, um dos riscos é que a confiança do consumidor caia. Eu acho que, quando a taxa de desemprego nacional aumenta, as pessoas começam a falar disso e ficam inseguras. Então, o gasto delas pode cair.
Bem, o desemprego é um indicador defasado e, portanto, a recuperação está acontecendo e o desemprego deveria ceder. Mas isso não vem ocorrendo.
Já faz quase dois anos que a recessão acabou e as pessoas estão começando a se perguntar por que o desemprego não cai. Se a taxa não diminuir, aí teremos um problema.

Folha - Qual é a sua expectativa?
Shiller -
Provavelmente, a taxa cairá. Mas tenho dúvidas se será significativo. E, mesmo que caia, minha preocupação é que a desigualdade vem aumentando.

Folha - Alguns economistas liberais dizem que os Estados Unidos são uma prova de que a desigualdade não importa tanto...
Shiller -
Bem, é uma questão. Nós não queremos igualdade absoluta. Na verdade, queremos uma quantidade substancial de desigualdade. As pessoas precisam saber que é possível se tornar rico. É da natureza humana: as pessoas precisam ver pessoas ricas ao seu redor, assim sabem que é possível chegar lá. Mas acho que já temos desigualdade suficiente nos Estados Unidos.

Folha - Tudo isso representa de alguma forma um risco para a atual recuperação econômica?
Shiller -
Bem, há eleições no próximo ano. E George W. Bush precisará se preocupar se o problema do desemprego não melhorar. Apesar do incrível crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), o desemprego pode até piorar. É difícil entender a relação entre o desemprego e o tipo de recuperação que estamos vivendo.
No entanto, eu acredito que haverá uma recuperação do nível do emprego. E isso ajudará Bush a se reeleger. Uma grande notícia para George W. Bush (risos).

Folha - Qual é o risco de esse excesso de liquidez provocado pela política de juros muito baixos do Fed resultar em uma outra bolha?
Shiller -
Há preocupação sobre o setor imobiliário. As baixas taxas de financiamento imobiliários fizeram com que as pessoas ficassem muito comprometidas com prestações. Os americanos se endividaram muito comprando casas. O risco é que algumas pessoas se encontrem, de repente, em uma situação de pânico se elas não puderem pagar.
Quando bolhas do setor imobiliário explodem -e nós já vimos isso várias vezes no passado-, causam muitos problemas no mercado financeiro e tendem a levar a uma recessão.
Mas novamente esse não é um problema tão grave quanto algumas pessoas pensam. Provavelmente, está restrito a apenas algumas cidades. Mas não vejo nenhum grande desastre a caminho.
A verdade é que recessões não acontecem com muita frequência. Elas têm acontecido a cada dez anos. Como a última foi em 2001, acho que ficaremos bem ainda por um tempo.



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