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São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2003

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ANÁLISE

Recuperação americana chegou, mas talvez não dure

DO "FINANCIAL TIMES"

A economia dos EUA avançou com estrondo no terceiro trimestre deste ano, com o maior índice de crescimento trimestral dos últimos 20 anos.
Isso sem dúvida é uma boa notícia. O que Kenneth Rogoff, até recentemente economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, chamou de "a melhor recuperação que o dinheiro pode comprar" vem a ser uma recuperação bastante boa. A única pergunta é se ela vai durar.
Não apenas a economia se expandiu a um índice anualizado de 7,2%, como a composição da demanda também foi altamente favorável. O consumo pessoal cresceu a um índice de 6,6%, enquanto o consumo de bens duráveis aumentou 26,9%.
O investimento doméstico privado bruto cresceu a um índice de 9,3%, com o investimento fixo a 14%. O principal, talvez, é que as exportações cresceram a um índice de 9,3%, mas as importações aumentaram só 0,1%. Sessenta e cinco por cento do crescimento em demanda real foi gerado pelo consumo pessoal, 19% pelo investimento privado bruto, 12% por exportações líquidas e apenas 4% por gastos do governo.
Essas estatísticas ainda poderão ser amplamente revisadas, mas sugerem um vigor tranquilizador do setor privado. Então, estariam errados os "fofoqueiros da negatividade", como disse certa vez o ex-vice-presidente Spiro Agnew?
Dificilmente. Afinal, esse é um país cujo déficit público, segundo o relatório Perspectiva Econômica Mundial do FMI, vai sofrer uma deterioração, equivalente a 7,2% do PIB (Produto Interno Bruto) entre 2000 e 2003. Oitenta por cento dessa alteração é estrutural, e não cíclica. Os EUA têm taxas de juros de curto prazo de apenas 1%, e uma curva de rendimento em alta acentuada.
Seria tolo supor que o país esteja pronto para reviver a pujante década de 90. Enquanto o lado da oferta, sobretudo o desempenho da produtividade, é positivo, o lado da demanda não é.
Um motivo para cautela é que a situação fiscal terá de ser apertada, e não afrouxada, nos próximos anos. Enquanto a política monetária poderá continuar agressiva por algum tempo, o espaço para um maior abrandamento também é limitado.
Além disso, os índices de poupança doméstica e nacional são ambos extremamente baixos: o FMI estima a poupança nacional bruta este ano em apenas 13,6% do PIB. A exigência de empréstimos nacionais resultante está em cerca de 5% do PIB.
Os EUA dependeram fortemente de compradores oficiais estrangeiros de títulos em dólares para financiar essa enorme lacuna externa. Outro período em que a demanda interna americana crescesse mais depressa que a produção tornaria ainda mais extrema essa dependência das finanças estrangeiras.
Uma recuperação mundial conduzida pelo crescimento alimentado por dívidas dos EUA é muito melhor que nada. Mas como o crescimento americano depende tanto das finanças estrangeiras, enquanto o crescimento estrangeiro depende por sua vez pesadamente dos empréstimos americanos, a recuperação continuará vulnerável.
As autoridades norte-americanas certamente fizeram sua parte. Agora é a vez do resto do mundo.


Tradução de Luiz Roberto Gonçalves


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