São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2001

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Emprego temporário pode ter nova regulação

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

A batalha no Congresso em torno da reforma na legislação trabalhista revelou dois campos antagônicos. De um lado, os defensores da legislação trabalhista, de outro os ultraliberais que desejam relações de trabalho sujeitas ao jogo do mercado.
No entanto as pesquisas sobre o assunto revelam que a própria reforma liberalizante abre novos campos de regulação do mercado de trabalho. Há poucas semanas a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, da ONU) publicou um relatório sobre tendências nos mercados de trabalho temporário. A conclusão é que justamente nesse "território de ninguém" surgem novas oportunidades de regulação.
Segundo o estudo, no Brasil já são 1,2 milhão de trabalhadores contratados nessas condições. São os agentes por excelência do chamado trabalho "flexível".
Para os liberais que defendem esse modelo, trata-se de uma evolução que não apenas favorece o equilíbrio entre oferta e demanda como abre oportunidades de trabalho para jovens e mulheres. Para os críticos, trata-se de uma forma precária que apenas cria uma armadilha para trabalhadores que, nessa condição de temporários, vivem permanentemente com status de segunda classe, enquanto fragiliza os sindicatos.
Note-se a contradição entre o discurso patronal da dedicação à empresa e a prática de contratar em condições precárias os trabalhadores dos quais se exige que "vistam a camisa" ou "que compartilhem conhecimento".
No meio do caminho estão os que acreditam na possibilidade de o emprego temporário servir como etapa na formação de competências e habilidades. Nos EUA e na UE, calcula-se que já existam 18 mil empresas atuando como agenciadoras de mão-de-obra, com crescimento anual de 20%. A participação por gênero nesses mercados é curiosa: nos EUA e na UE os homens predominam (com 70% do total de pessoas nessas condições), enquanto no Japão predominam as mulheres (90% dos empregos temporários).
O problema é a "situação juridicamente inédita da divisão do empregador em dois" (um que recruta, outro que efetivamente emprega). O resultado é uma ambiguidade no que se refere às obrigações de cada parte. Surge o que a Cepal caracteriza como um "vazio de responsabilidades" que deixa o trabalhador numa terra de ninguém.
Mas não há uma contradição insuperável entre a tendência à expansão do trabalho temporário e a implementação de propostas de regulamentação. O liberal radical diria que nenhuma regulação é admissível. O crítico radical diria que nenhuma flexibilização é admissível. O meio termo é admitir que ocorra a flexibilização, sem que a sociedade abra mão de direitos e sistemas de regulação.
Especialmente relevante é a questão do conhecimento acumulado pelo trabalhador flexível e temporário. Para que parte do sistema produtivo esse conhecimento é transferido se não existem horizontes duradouros de conexão entre o trabalhador e as empresas ou mesmo dos trabalhadores entre si?
Sabe-se que a flexibilização do trabalho está associada à expansão da economia e da sociedade em redes. Se a conexão já não se dá com a empresa ou com o sindicato, qual a natureza dessas redes? Essa é uma nova questão para os reformadores sociais. Pensar a rede de trabalho flexível não é sinônimo de se deixar levar pelo darwinismo competitivo, desde que se perceba que as novas redes constituem um importante e inovador campo para a própria regulação.


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