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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Integração dos ricos e desintegração dos pobres
MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES
A riqueza em suas várias
formas, da imobiliária à mobiliária, é verdadeiramente o único fenômeno global que ampliou
e homogeneizou os padrões de
comportamento das elites cosmopolitas mundiais. Pode-se dizer
que esse tipo de "globalização"
produziu finalmente uma burguesia internacional que extrapolou o reduzido grupo da "aristocracia dos negócios" do mundo
anglo-saxônico do final do século
19 e do começo do século 20. Hoje,
a chamada "sociedade civil" internacionalizada inclui desde os
milionários sauditas, asiáticos e
latino-americanos até os capo das
máfias internacionais dos negócios das drogas e das armas, numa promiscuidade celerada. A
"sociedade globalitária" organiza-se em várias redes cruzadas
transnacionais, de comunicação
de burocracias privadas e públicas que servem de intermediárias
no mundo dos negócios, além de
agentes ostensivos ou secretos do
poder político da "pax americana".
Na geoeconomia do comércio e
das finanças internacionais, o
movimento de expansão e concentração do capital foi realizado
sob o comando das redes de corporações e de bancos transnacionais. Apesar do aumento das relações extrafronteiras, o peso do
grande capital de países de origem anglo-saxônica continua dominante. O paraíso dos ricos, porém, começou a expandir-se sobretudo a partir da especulação
nos mercados de euromoedas e
da proliferação de paraísos fiscais
em todas as regiões fronteiriças
do mundo, apoiados nas políticas
de liberalização das contas de capitais com o exterior que se acelerou nas últimas duas décadas
(nos dados de origem do investimento direto estrangeiro do Banco Central, a importância de Cayman foi de 22% do IDE em 1997).
Em termos de volume de negócios, as praças financeiras de Wall
Street e de Londres converteram-se em megacentros interligados, a
partir dos quais as grandes empresas e bancos puderam operar o
gigantesco endividamento externo dos EUA e, ao mesmo tempo,
alterar o perfil da riqueza privada, acentuando a sua forma mobiliária e seu caráter rentista e especulativo.
A pobreza proliferou com o aumento do desemprego, com a precarização das condições de trabalho e com a destruição da pequena produção independente em
vastas regiões do mundo subdesenvolvido. Tornou-se, porém, cada vez mais heterogênea tanto
pela diferenciação crescente dos
valores monetários do "custo de
reprodução" da subsistência urbana e rural em distintos países
como pelas estratégias de sobrevivência física e social, que são extremamente variáveis em termos
regionais e culturais.
No plano multinacional, encontram-se organizações não-governamentais em rede, que tentam
combater a fome e lutar pela vida
em várias partes do mundo, nos
centros metropolitanos e nos países periféricos mais atingidos pela
violência da desintegração social
e política. A maioria delas acabou
se unificando em movimentos
"antiglobalização neoliberal". No
plano nacional, os movimentos
sociais organizados, os partidos
que mantêm a tradição de esquerda e os Estados nacionais desenvolvidos que não abriram
mão de manter um mínimo das
conquistas do Estado de bem-estar (o que incluía os EUA até recentemente) têm segurado o desmonte completo das políticas universais de seguridade social.
No Brasil de hoje, é urgente enfrentar os problemas da "globalização perversa", sobretudo o da
pobreza, o do emprego e o da extensão da rede de proteção social
dentro do espaço nacional. Tendo
em vista que a onda liberalizante
vai continuar em 2002, com a segunda geração de reformas e com
as negociações da Alca, comandadas por um novo e mais duro
Consenso de Washington e pelas
nossas burocracias cosmopolitas,
é preciso oferecer uma resistência
social e cívica crescente, como a
que se verificou recentemente,
com o apoio do Poder Judiciário e
de parte substancial do Congresso. Por outro lado, defender-se o
melhor possível da violência do
capital financeiro rentista e especulativo significa não permitir, a
pretexto de "financiar o balanço
de pagamentos", a entrada de capitais externos privados sem limite e sem controle nem aceitar as
regras rígidas do FMI para o financiamento interno das empresas estatais e dos gastos sociais.
Anne Krueger, a nova gerente
do FMI, acabou de publicar uma
proposta para "concordata" da
dívida soberana de "países emergentes". Apesar de aparentemente "progressista" porque fala em
controle do câmbio e em reestruturação da dívida externa, a proposta é uma racionalização brilhante da posição dos secretários
do Tesouro norte-americano e canadense. Está implícita a suposição de que a dívida privada externa (no nosso caso, US$ 130 bilhões, dos quais dois terços são devidos pelas empresas que participaram das privatizações) seja negociada como "dívida soberana"
do Estado brasileiro através de
um "mecanismo formal" em que
o FMI daria o consentimento e
arbitraria, em última instância,
as negociações.
O Brasil não precisa ser uma
potência tecnológica e militar para exercer a sua soberania, até
mesmo no controle do câmbio e
nas negociações com os credores.
Precisa de um Estado democratizado e verdadeiramente republicano que seja capaz de defender
os interesses da nação. Para isso,
terá de mudar as suas bases de
sustentação social e política que
lhe permitam afastar do governo
do país as oligarquias e as plutocracias "globalitárias" que destroem o próprio Estado e a sua capacidade de ação defensiva e de
proteção social.
Maria da Conceição Tavares, 70, economista, é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
professora associada da Universidade de
Campinas (Unicamp) e ex-deputada federal (PT-RJ).
Internet:
www.abordo.com.br/mctavares
E-mail - mctavares@cdsid.com.br
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