São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Exuberância americana, afinal, não era tão exuberante assim

FLOYD NORRIS
DO "THE NEW YORK TIMES"

O final da década de 1990 foi um período maravilhoso nos Estados Unidos, em que as estatísticas econômicas anunciavam uma nova era e as Bolsas de Valores confirmavam a profecia.
As estatísticas das Bolsas estão aprisionadas no passado. Ninguém poderá contestar que a Nasdaq teve uma alta de 86% em 1999. São números que não passam por revisão.
Mas as estatísticas econômicas são revisadas, e muitas delas estão passando pelo processo hoje em dia. O governo já havia concluído que os lucros das empresas e os ganhos de produtividade nem de longe foram tão bons quanto pareciam em 1999 e 2000. E, agora, após uma revisão, as estatísticas da produção industrial foram seriamente reduzidas.
"Os novos números mostram que a produção industrial foi superestimada de maneira dramática, especialmente na área de alta tecnologia", diz John Vail, estrategista-chefe da Fuji Futures, empresa especializada em mercados financeiros futuros sediada em Chicago. O Fed (banco central dos EUA), ao anunciar as alterações, declarou que "as novas estimativas mostram ganhos inferiores na produção de semicondutores, computadores e periféricos".
É certo que houve um "boom" nesses setores, mas não foi tão grande quanto se imaginava. E a produção nessas áreas vem caindo mais rápido do que se acreditava originalmente. "Boa parte das razões para o entusiasmo quanto ao crescimento da produtividade no admirável mundo novo desapareceu", diz Robert Barbera, economista-chefe da Hoenig Securities.
Isso é importante para compreender a economia dos últimos anos e para mapear o futuro econômico. Mas, no momento, provavelmente não é um dado importante para os mercados financeiros. As atitudes dos investidores e consumidores foram definidas pelas suas percepções quanto ao final dos anos 90, e suas lembranças envolvem a mais longa expansão econômica na história dos EUA. Não foi tão boa quanto acreditávamos, mas foi boa mesmo assim.
O resultado parece ser uma dicotomia econômica ao estilo "quem, eu, me preocupar?". Os empregos continuam a desaparecer rapidamente, com mais gente recebendo benefícios por desemprego hoje do que em qualquer período posterior à recessão de 1982-83. O número de pessoas cobertas por esses benefícios aumentou em mais de 70% ao longo do ano passado, um ritmo jamais visto desde a brutal recessão de 1973-75. Os classificados de empregos caíram ao seu volume mais baixo em 37 anos.
Mas muitos norte-americanos parecem reagir a essas estatísticas assim como reagem às notícias sobre crianças famintas em alguns países do Terceiro Mundo: isso é péssimo, mas não os atinge, na verdade. Seus empregos estão seguros, acreditam, e o mesmo vale para seu futuro. O índice de desemprego -5,4%- equivale à metade do que existia em 1982. O mais recente relatório do Conference Board quanto à confiança dos consumidores demonstrou que o número de pessoas que acreditam que há empregos em profusão ainda supera o de pessoas que acham que está difícil conseguir trabalho.
Para alguns propósitos, a percepção é a realidade. Ainda que o setor industrial da economia tenha sofrido, os consumidores se mantiveram relativamente confiantes. Em uma recessão normal, poucos se deixariam atrair por descontos, mesmo que grandes, nos preços dos automóveis. Agora, as vendas batem recordes, embora a preços que redundam em déficit para as montadoras.
O mesmo otimismo provavelmente resultará em uma temporada de compras de Natal melhor do que a maioria das pessoas esperava, e já ajudou o índice industrial médio Dow Jones a subir 19% depois da baixa forçada pelos atentados de setembro.
Talvez isso baste para pôr fim à recessão no ano que vem. Mas, caso isso aconteça, a recuperação talvez seja uma das mais débeis já registradas, simplesmente porque não haverá demanda de consumo reprimida para alimentá-la.
O otimismo nascido do "boom" do final dos anos 90 era exagerado, mas vai demorar até que investidores e consumidores se convençam disso.


Tradução de Paulo Migliacci



Texto Anterior: Em SP, expurgo evita queda de 18% do tributo
Próximo Texto: Vizinho em crise: Argentina quer dolarização de depósitos
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.