São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2001

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VIZINHO EM CRISE

Para evitar saques, pesos depositados em bancos devem ter conversão compulsória em moeda dos EUA

Argentina quer dolarização de depósitos

FABRICIO VIEIRA
DE BUENOS AIRES

Encurralado pela corrida dos investidores para sacar dinheiro dos bancos nos últimos dias, o governo argentino se viu obrigado a tomar medidas drásticas para frear o movimento, antes que o sistema financeiro do país entrasse em colapso.
Na manhã de ontem, o governo estava reunido para decidir os detalhes finais de um decreto, parcialmente divulgado pelos jornais locais. Entre seus principais pontos estariam a dolarização dos depósitos bancários a prazo fixo, a limitação a US$ 1.000 nos saques mensais de todas as contas bancária e medidas adicionais para dificultar a saída de dinheiro do país.
Desde 1990, o sistema argentino é baseado na conversibilidade (um peso vale um dólar). Cerca de 72% dos depósitos argentinos estão dolarizados atualmente.
A intenção do governo é evitar que os argentinos saquem pesos e os convertam em dólar, para evitar os efeitos de uma eventual desvalorização. Por isso, mexe nos depósitos fixos, dinheiro colocado nos bancos com resgate programado após um certo período de tempo.
A princípio, as medidas durariam até que a operação de troca da dívida externa (papéis existentes por outros, de prazo maior e juros menores) estivesse concluída, o que deve demorar três meses, nas contas do ministro da Economia, Domingo Cavallo.
A medida que limita os saques não deve deixar congelados os recursos que as pessoas mantêm nos bancos. Poderão ser utilizados cartões de débito -como os usados em caixa eletrônico- ou de crédito para ter acesso ao dinheiro atingido pelo limite dos saques. Isso obriga as pessoas a utilizarem mais o sistema bancário e dá um controle maior para os bancos sobre a movimentação nas contas.
"A população deve estar tranquila. Tudo que fazemos é para proteger os depósitos dos argentinos, preservar a conversibilidade e para que a economia funcione bem até que se conclua a reestruturação da dívida pública", disse Cavallo.
Durante toda a tarde de sexta-feira, enquanto as taxas de juros cobradas nos negócios entre os bancos superavam os 700% anuais e a retirada dos depósitos bancários crescia a cada minuto, os banqueiros ligavam desesperados para Cavallo para pedir uma atitude mais dura do governo.
Estima-se que a perda de recursos dos depósitos bancários superou US$ 1 bilhão nos últimos dois dias da semana. Pelos dados oficiais, que traz números do último dia 28, os depósitos caíram para US$ 72,44 bilhões. No ano, a desconfiança dos investidores no governo fez os depósitos perderem mais de US$ 15 bilhões.
Na difícil decisão que o governo De la Rúa se avizinhava em tomar, a preocupação era encontrar uma forma de manter os depósitos no sistema financeiro, mas sem afetar o direito de propriedade, para não piorar a imagem do governo.
No início da noite de sexta-feira, o presidente Fernando de la Rúa disse que estavam descartadas as hipóteses de desvalorização do peso, dolarização ou a renúncia de qualquer ministro.
As decisões estavam sendo estudadas em longas reuniões durante toda a noite de sexta e a manhã de ontem. Cavallo, o vice-ministro da Economia, Daniel Marx, o presidente do Banco Central, Roque Maccarone, e o assessor jurídico do Ministério da Economia, Horácio Liendo, discutiram a melhor forma de solucionar o problema imediato.
As medidas ainda não haviam sido anunciadas até o fechamento desta edição. A expectativa era que Cavallo fizesse o anúncio até o final da tarde de ontem ou hoje.
Marx teria sido o principal mentor das decisões. Já o presidente do BC foi o que ficou mais insatisfeito com as medidas. Para ele, a solução ideal seria a dolarização da economia.
A dolarização dos depósitos a prazo fixo será automática na abertura dos negócios amanhã. Segundo o governo, não haverá feriado bancário.



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