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ANÁLISE
Migração em massa seria excelente para a economia, mas é politicamente impossível
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
Os países ricos estão perdendo população. Os pobres
têm mais habitantes do que podem sustentar. A resposta parece
evidente: liberalizar o movimento
de pessoas em todo o mundo.
Mas, por bem ou por mal, isso
não acontecerá.
Não pretendo questionar aqui
os benefícios econômicos do livre
movimento de pessoas. Samuel
Brittain defendeu o ponto brilhantemente em um artigo publicado no "Financial Times" de 25
de outubro, e o mesmo vale para
Dani Rodrik ("Financial Times",
23 de novembro), da Universidade Harvard, em resposta à minha
coluna da semana passada sobre
os argumentos em favor de uma
liberalização do comércio mundial. Os salários de pessoas com
qualificações semelhantes variam
por fatores de até 1.000%, ou
mais, em termos reais, entre os
países ricos e os pobres.
Essa distinção supera em muito
a discrepância que afeta os preços
dos bens e produtos comerciáveis, ou os retornos sobre o capital. De modo que os ganhos gerados pela livre circulação de mão-de-obra devem ser maiores do
que quaisquer outros.
Reforçando ainda mais a força
dessa lógica está a fraqueza das
demais fontes de equalização de
renda. Uma teoria econômica
bem conhecida sugere que o livre
comércio pode equalizar os retornos da mão-de-obra e do capital.
Algo parecido está acontecendo
nos países em desenvolvimento
que se especializaram na exportação de produtos industriais dependentes de uso intensivo de
mão-de-obra. Mesmo assim, a
chamada "equalização do preço-fator" é, em si, uma força não
muito influente. Isso se deve em
parte ao fato de o comércio mundial estar longe de livre e em parte
à aplicação limitada da teoria.
Outro canal de equalização de
receita seria o movimento de capital. Mas é surpreendente o
quanto a globalização do capital é
pequena, e não grande. No geral,
os países avançados chegaram a
se tornar importadores líquidos
de capital, em lugar de exportadores, nas duas últimas décadas, e os
Estados Unidos são o principal
recipiente. Dada a ausência de fluxos líquidos de capital em larga
escala dos países ricos rumo aos
pobres, o investimento per capita
nos países avançados, em termos
de paridade de poder aquisitivo, é
mais ou menos seis vezes mais alto do que nos países pobres.
Se os fluxos de comércio e capital não bastam para fazer o trabalho, que tal a migração?
Quanto a isso, a lógica intrínseca parece poderosa. O número
médio de filhos por mulher nos
países-membros da Organização
para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de
1,5. Bem abaixo do nível necessário para manter-lhes estável a população. Apenas nos EUA essa
média é ligeiramente superior a
dois. Enquanto isso, a expectativa
de vida não pára de subir. A combinação implica em um crescimento radical nos índices de dependência. Na sua "Perspectiva
Econômica" de junho passado, a
OCDE previu que o número de
idosos (pessoas com mais de 65
anos) em relação ao número de
pessoas em idade de trabalho (20-64) praticamente duplicaria nos
próximos 50 anos. Em diversos
países, a proporção de idosos, hoje em cerca de 25%, pode atingir
os 60% nas décadas vindouras.
A imigração aparentemente é a
resposta. Mas o que vem acontecendo até agora é um fenômeno
modesto, tanto em termos absolutos quanto sob os padrões históricos. Na década de 1880, o influxo de imigrantes aos Estados
Unidos foi de 10% da população
que o país tinha então; nos anos
90, ficou abaixo dos 4%. De acordo com um estudo recente preparado pela equipe da OCDE, "o total de população estrangeira na
área da OCDE (nos países para os
quais há dados disponíveis) aumentou em mais de 13 milhões de
pessoas entre 1988 e 1998, atingindo cerca de 57 milhões, o equivalente a 7% da população total". Na
Europa, esse total equivale a 5%
da população, ante 10% nos Estados Unidos. Mas a população estrangeira total nos países da OCDE chega a apenas 1% da população mundial, e o influxo ao longo
do decênio foi de apenas 0,2%.
Além disso, boa parte desse fluxo não se origina em países particularmente pobres. Para a maior
parte dos países da OCDE, a renda real média dos imigrantes nos
países de origem chegava a 40%
da média dos países recipientes.
Só França e Estados Unidos tendem a aceitar imigrantes de países
com rendas per capita inferiores a
30% das suas. O fluxo de imigração é alvo de severos controles,
além disso. O estudo da OCDE
ressalta que "em quase todos os
países da OCDE, a maior parte
dos recém-chegados está envolvida em reunificação de famílias".
Com uma imigração líquida
muito baixa, as populações da
União Européia e do Japão devem
cair, respectivamente, em 12% e
17%, daqui até 2050. Afortunadamente, um estudo das Nações
Unidas conclui que, na União Européia, a imigração necessária ou
para sustentar a população em
seu nível atual ou para manter o
nível da população economicamente ativa não ficaria muito distante dos números obtidos na década passada. Os EUA não têm
desafio desse tipo a enfrentar, e o
Japão está determinado a evitar o
uso da imigração para compensar
o declínio de sua população.
Em contraste, o nível de imigração necessário para estabilizar a
relação de dependência entre pessoas em idade de trabalho e idosos é imenso. A União Européia
precisaria de um influxo de perto
de 20 milhões de pessoas ao ano,
por volta de 2030. Espantosamente, a população da União superaria o bilhão de pessoas em 2050,
caso isso acontecesse. Pode-se dizer com segurança que isso não
acontecerá.
A emigração para países ricos é
no momento tanto benéfica
quanto decididamente modesta.
Um aumento no volume de imigrantes seria bom. Mas para que
ela fizesse grande diferença em
termos da proporção de idosos na
população, o número de imigrantes necessário seria imenso. O
mesmo vale para sua capacidade
de transformar os países em desenvolvimento. Eles têm hoje 5,1
bilhões de habitantes, de acordo
com o Serviço de Recenseamento
dos Estados Unidos, e a previsão é
de que esse número chegue a 8 bilhões por volta de 2050. A livre
migração envolveria números potencialmente imensos de pessoas.
Os países avançados não o permitirão. Não é por acaso que a democracia de massa, o Estado de
bem-estar social e os controles de
imigração tenham sido adotados
pelos países avançados mais ou
menos ao mesmo tempo. As pessoas nos países avançados que
têm capacitações semelhantes às
mais disponíveis nos países em
desenvolvimento têm acesso privilegiado ao estoque de capital físico, humano e social dos países
avançados. A livre imigração é inconsistente com a manutenção
dessa posição. Os possuidores de
capital físico e humano se beneficiariam. Todos os demais sairiam
perdendo. O resultado seria uma
guerra civil.
No entanto, a história não acaba
assim. Mesmo que se prove politicamente impossível para as democracias ricas aceitar influxos
migratórios na escala necessária
para reduzir a disparidade mundial de renda, os migrantes potenciais não desistirão. Pelo contrário, a combinação entre fronteiras
porosas e vastos diferenciais de
salários é uma receita para a pressão persistente semelhante à dos
"bárbaros" nas fronteiras do império romano. A liberdade de migração é lógica em termos econômicos mas politicamente impossível. A luta dos países avançados
para equilibrar essas pressões
conflitantes estará entre os mais
sérios desafios deste século. Mas
pode ser que, com sorte, isso encoraje a tomada de uma atitude
mais positiva quanto à promoção
do desenvolvimento econômico
nos países de onde os potenciais
imigrantes se originam.
Tradução de Paulo Migliacci
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