São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2001

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ANÁLISE

Migração em massa seria excelente para a economia, mas é politicamente impossível

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

Os países ricos estão perdendo população. Os pobres têm mais habitantes do que podem sustentar. A resposta parece evidente: liberalizar o movimento de pessoas em todo o mundo. Mas, por bem ou por mal, isso não acontecerá.
Não pretendo questionar aqui os benefícios econômicos do livre movimento de pessoas. Samuel Brittain defendeu o ponto brilhantemente em um artigo publicado no "Financial Times" de 25 de outubro, e o mesmo vale para Dani Rodrik ("Financial Times", 23 de novembro), da Universidade Harvard, em resposta à minha coluna da semana passada sobre os argumentos em favor de uma liberalização do comércio mundial. Os salários de pessoas com qualificações semelhantes variam por fatores de até 1.000%, ou mais, em termos reais, entre os países ricos e os pobres.
Essa distinção supera em muito a discrepância que afeta os preços dos bens e produtos comerciáveis, ou os retornos sobre o capital. De modo que os ganhos gerados pela livre circulação de mão-de-obra devem ser maiores do que quaisquer outros.
Reforçando ainda mais a força dessa lógica está a fraqueza das demais fontes de equalização de renda. Uma teoria econômica bem conhecida sugere que o livre comércio pode equalizar os retornos da mão-de-obra e do capital. Algo parecido está acontecendo nos países em desenvolvimento que se especializaram na exportação de produtos industriais dependentes de uso intensivo de mão-de-obra. Mesmo assim, a chamada "equalização do preço-fator" é, em si, uma força não muito influente. Isso se deve em parte ao fato de o comércio mundial estar longe de livre e em parte à aplicação limitada da teoria.
Outro canal de equalização de receita seria o movimento de capital. Mas é surpreendente o quanto a globalização do capital é pequena, e não grande. No geral, os países avançados chegaram a se tornar importadores líquidos de capital, em lugar de exportadores, nas duas últimas décadas, e os Estados Unidos são o principal recipiente. Dada a ausência de fluxos líquidos de capital em larga escala dos países ricos rumo aos pobres, o investimento per capita nos países avançados, em termos de paridade de poder aquisitivo, é mais ou menos seis vezes mais alto do que nos países pobres.
Se os fluxos de comércio e capital não bastam para fazer o trabalho, que tal a migração?
Quanto a isso, a lógica intrínseca parece poderosa. O número médio de filhos por mulher nos países-membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 1,5. Bem abaixo do nível necessário para manter-lhes estável a população. Apenas nos EUA essa média é ligeiramente superior a dois. Enquanto isso, a expectativa de vida não pára de subir. A combinação implica em um crescimento radical nos índices de dependência. Na sua "Perspectiva Econômica" de junho passado, a OCDE previu que o número de idosos (pessoas com mais de 65 anos) em relação ao número de pessoas em idade de trabalho (20-64) praticamente duplicaria nos próximos 50 anos. Em diversos países, a proporção de idosos, hoje em cerca de 25%, pode atingir os 60% nas décadas vindouras.
A imigração aparentemente é a resposta. Mas o que vem acontecendo até agora é um fenômeno modesto, tanto em termos absolutos quanto sob os padrões históricos. Na década de 1880, o influxo de imigrantes aos Estados Unidos foi de 10% da população que o país tinha então; nos anos 90, ficou abaixo dos 4%. De acordo com um estudo recente preparado pela equipe da OCDE, "o total de população estrangeira na área da OCDE (nos países para os quais há dados disponíveis) aumentou em mais de 13 milhões de pessoas entre 1988 e 1998, atingindo cerca de 57 milhões, o equivalente a 7% da população total". Na Europa, esse total equivale a 5% da população, ante 10% nos Estados Unidos. Mas a população estrangeira total nos países da OCDE chega a apenas 1% da população mundial, e o influxo ao longo do decênio foi de apenas 0,2%.
Além disso, boa parte desse fluxo não se origina em países particularmente pobres. Para a maior parte dos países da OCDE, a renda real média dos imigrantes nos países de origem chegava a 40% da média dos países recipientes. Só França e Estados Unidos tendem a aceitar imigrantes de países com rendas per capita inferiores a 30% das suas. O fluxo de imigração é alvo de severos controles, além disso. O estudo da OCDE ressalta que "em quase todos os países da OCDE, a maior parte dos recém-chegados está envolvida em reunificação de famílias".
Com uma imigração líquida muito baixa, as populações da União Européia e do Japão devem cair, respectivamente, em 12% e 17%, daqui até 2050. Afortunadamente, um estudo das Nações Unidas conclui que, na União Européia, a imigração necessária ou para sustentar a população em seu nível atual ou para manter o nível da população economicamente ativa não ficaria muito distante dos números obtidos na década passada. Os EUA não têm desafio desse tipo a enfrentar, e o Japão está determinado a evitar o uso da imigração para compensar o declínio de sua população.
Em contraste, o nível de imigração necessário para estabilizar a relação de dependência entre pessoas em idade de trabalho e idosos é imenso. A União Européia precisaria de um influxo de perto de 20 milhões de pessoas ao ano, por volta de 2030. Espantosamente, a população da União superaria o bilhão de pessoas em 2050, caso isso acontecesse. Pode-se dizer com segurança que isso não acontecerá.
A emigração para países ricos é no momento tanto benéfica quanto decididamente modesta. Um aumento no volume de imigrantes seria bom. Mas para que ela fizesse grande diferença em termos da proporção de idosos na população, o número de imigrantes necessário seria imenso. O mesmo vale para sua capacidade de transformar os países em desenvolvimento. Eles têm hoje 5,1 bilhões de habitantes, de acordo com o Serviço de Recenseamento dos Estados Unidos, e a previsão é de que esse número chegue a 8 bilhões por volta de 2050. A livre migração envolveria números potencialmente imensos de pessoas.
Os países avançados não o permitirão. Não é por acaso que a democracia de massa, o Estado de bem-estar social e os controles de imigração tenham sido adotados pelos países avançados mais ou menos ao mesmo tempo. As pessoas nos países avançados que têm capacitações semelhantes às mais disponíveis nos países em desenvolvimento têm acesso privilegiado ao estoque de capital físico, humano e social dos países avançados. A livre imigração é inconsistente com a manutenção dessa posição. Os possuidores de capital físico e humano se beneficiariam. Todos os demais sairiam perdendo. O resultado seria uma guerra civil.
No entanto, a história não acaba assim. Mesmo que se prove politicamente impossível para as democracias ricas aceitar influxos migratórios na escala necessária para reduzir a disparidade mundial de renda, os migrantes potenciais não desistirão. Pelo contrário, a combinação entre fronteiras porosas e vastos diferenciais de salários é uma receita para a pressão persistente semelhante à dos "bárbaros" nas fronteiras do império romano. A liberdade de migração é lógica em termos econômicos mas politicamente impossível. A luta dos países avançados para equilibrar essas pressões conflitantes estará entre os mais sérios desafios deste século. Mas pode ser que, com sorte, isso encoraje a tomada de uma atitude mais positiva quanto à promoção do desenvolvimento econômico nos países de onde os potenciais imigrantes se originam.


Tradução de Paulo Migliacci

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