São Paulo, sexta-feira, 03 de janeiro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Construindo a política de preços de combustíveis

LUIZ AUGUSTO HORTA NOGUEIRA

Após um período de transição de mais de quatro anos, desde janeiro do ano passado o Brasil passou a ter os preços dos combustíveis determinados pelos agentes econômicos ao longo de toda a cadeia de comercialização, em regime de livre mercado e sem subsídios, à exceção do auxílio-gás, destinado aos consumidores carentes. Para tanto foi estabelecida uma nova regulamentação pela ANP (Agência Nacional do Petróleo) e um novo marco tributário pelo governo federal, capazes de assegurar a contestação do poder dominante do principal supridor, a Petrobras, mediante a possibilidade de importação de derivados de petróleo. Como resultado, em especial no início do ano passado, os preços dos combustíveis se reduziram e buscaram a paridade com o mercado externo, com um benefício mensal aos consumidores da ordem de R$ 250 milhões comparativamente aos preços vigentes no último trimestre de 2001. Da mesma forma, o Tesouro deixou de aplicar um volume apreciável de recursos públicos em subsídios aos fretes e a alguns combustíveis, que no passado geraram passivos de bilhões de reais aos cofres públicos e que foram sendo liquidados apenas no ano passado, com o final da conta-petróleo. E talvez, como resultado mais relevante, os preços passaram a refletir os custos, orientando os consumidores ao uso racional e sinalizando a construção de uma matriz energética mais consistente.
Não obstante, com as sucessivas elevações do dólar e do preço internacional do petróleo, que se agravaram a partir de agosto, os preços dos combustíveis no Brasil durante os meses de agosto a outubro se afastaram dos valores de paridade, inclusive por determinação da ANP no caso do GLP em botijões de 13 kg. Embora nos últimos meses se tenha procurado retornar a uma maior identidade entre preços e custos, a política de preços livres passou a ser vista com reservas e cabe ser discutida. De fato, o valor cobrado pelos energéticos é fundamental para a formação dos demais preços e distintas políticas de preços podem ser propostas, baseando-se nos custos históricos, nos custos sociais ou ainda nos custos marginais de curto ou de longo prazo. Entretanto a longa experiência brasileira de artificialismo nos preços dos combustíveis e os primeiros meses de efetiva liberação do mercado mostram como a sociedade pode ganhar ao não intervir indevidamente na formação desses preços e ao insistir na busca de um mercado competitivo, regulado e sob atenta vigilância.
Com a abertura do mercado às importações, foi possível a liberação dos preços coexistir com uma empresa estatal dominante na oferta de produtos. Se as importações realizadas por terceiros foram limitadas, foi essencialmente porque a Petrobras abaixou os preços na defesa de seu mercado. Aliás, nos últimos meses observaram-se mais reclamações de agentes econômicos contra preços baixos nas refinarias do que o contrário. O comportamento das curvas de preços e a variação das margens para os principais combustíveis, informações que podem ser obtidas no site da ANP, em seu monitoramento sistemático e detalhado dos preços no atacado e para os consumidores, confirmam que o caminho a perseverar é a busca de um modelo de abertura de mercado que contemple obsessivamente a diversidade, a pluralidade e a competição. Certamente há espaço para maior competitividade, propósito que impõe uma intensa articulação da ANP com o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência para o combate aos cartéis e aos atos anticompetitivos. Muitas notas técnicas têm sido preparadas a respeito pela ANP e nos últimos meses algumas decisões exemplares têm sido tomadas pelo Cade, sancionando agentes e didaticamente orientando o mercado sobre os novos tempos.
Quanto ao relevante aspecto do amortecimento das variações do câmbio e dos preços internacionais, a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), na sua formatação atual e com responsabilidade no seu uso, pode ser uma excelente ferramenta fiscal para adequar os preços dentro de uma política energética racional, além de permitir ao Estado se apropriar de ganhos excessivos ou oportunistas. Tributos específicos desse tipo são a forma que muitos países estão adotando para tratar das volatilidades desse mercado. No Brasil, apenas por limitações conjunturais que cumpre superar, essa forma não foi usada no segundo semestre. A recente correção dos valores de teto da Cide é sensata e pode ser vista como um passo positivo para que esse tributo possa atender devidamente a seu papel na política de preços da seguinte maneira: se os preços se elevam, o tributo se reduz; se descem, o tributo se eleva e têm-se então os recursos para as desejadas obras rodoviárias.
Naturalmente que uma correta política de preços de combustíveis tem o dever de considerar as agudas carências de parte expressiva da sociedade, o papel essencial dos serviços energéticos e deve lançar mão de subsídios específicos aos grupos de consumidores mais necessitados, quando não for possível seu atendimento com políticas de renda. Ainda assim, que sejam subsídios aos consumidores, como é o caso do auxílio-gás, definidos por lei e com uma fonte de recursos claros, pois a concessão de subsídios pelos agentes econômicos mostrou ser extremamente propensa a distorções e desvios.
Questões como essas vêm sendo discutidas em todo o mundo e em oportuno seminário recente na Cepal foram analisadas as políticas de preços dos combustíveis na América Latina. Em síntese, as lições trazidas pelas experiências de diversos países apontam na mesma direção: preços devem refletir custos, a concorrência requer vigilância e desigualdades sociais devem ser atendidas por políticas específicas para os grupos carentes. Na maior medida possível, os preços devem ser justos para os agentes, reduzidos para os consumidores e afastados da ilusão que podem ser aqueles que gostaríamos que fossem. A construção de tal política de preços, espelhando os interesses da sociedade, é tarefa laboriosa e desafiadora, mas certamente trará bons resultados, abrangendo muito além do cenário energético.


Luiz Augusto Horta Nogueira é diretor da ANP (Agência Nacional do Petróleo).

Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Luiz Carlos Mendonça de Barros, que escreve às sextas-feiras nesta coluna.



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