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OPINIÃO ECONÔMICA
Construindo a política de preços de combustíveis
LUIZ AUGUSTO HORTA NOGUEIRA
Após um período de transição de mais de quatro anos,
desde janeiro do ano passado o
Brasil passou a ter os preços dos
combustíveis determinados pelos
agentes econômicos ao longo de
toda a cadeia de comercialização,
em regime de livre mercado e sem
subsídios, à exceção do auxílio-gás, destinado aos consumidores
carentes. Para tanto foi estabelecida uma nova regulamentação
pela ANP (Agência Nacional do
Petróleo) e um novo marco tributário pelo governo federal, capazes de assegurar a contestação do
poder dominante do principal supridor, a Petrobras, mediante a
possibilidade de importação de
derivados de petróleo. Como resultado, em especial no início do
ano passado, os preços dos combustíveis se reduziram e buscaram a paridade com o mercado
externo, com um benefício mensal aos consumidores da ordem
de R$ 250 milhões comparativamente aos preços vigentes no último trimestre de 2001. Da mesma
forma, o Tesouro deixou de aplicar um volume apreciável de recursos públicos em subsídios aos
fretes e a alguns combustíveis, que
no passado geraram passivos de
bilhões de reais aos cofres públicos e que foram sendo liquidados
apenas no ano passado, com o final da conta-petróleo. E talvez,
como resultado mais relevante, os
preços passaram a refletir os custos, orientando os consumidores
ao uso racional e sinalizando a
construção de uma matriz energética mais consistente.
Não obstante, com as sucessivas
elevações do dólar e do preço internacional do petróleo, que se
agravaram a partir de agosto, os
preços dos combustíveis no Brasil
durante os meses de agosto a outubro se afastaram dos valores de
paridade, inclusive por determinação da ANP no caso do GLP em
botijões de 13 kg. Embora nos últimos meses se tenha procurado retornar a uma maior identidade
entre preços e custos, a política de
preços livres passou a ser vista
com reservas e cabe ser discutida.
De fato, o valor cobrado pelos
energéticos é fundamental para a
formação dos demais preços e distintas políticas de preços podem
ser propostas, baseando-se nos
custos históricos, nos custos sociais ou ainda nos custos marginais de curto ou de longo prazo.
Entretanto a longa experiência
brasileira de artificialismo nos
preços dos combustíveis e os primeiros meses de efetiva liberação
do mercado mostram como a sociedade pode ganhar ao não intervir indevidamente na formação desses preços e ao insistir na
busca de um mercado competitivo, regulado e sob atenta vigilância.
Com a abertura do mercado às
importações, foi possível a liberação dos preços coexistir com uma
empresa estatal dominante na
oferta de produtos. Se as importações realizadas por terceiros foram limitadas, foi essencialmente
porque a Petrobras abaixou os
preços na defesa de seu mercado.
Aliás, nos últimos meses observaram-se mais reclamações de
agentes econômicos contra preços
baixos nas refinarias do que o
contrário. O comportamento das
curvas de preços e a variação das
margens para os principais combustíveis, informações que podem
ser obtidas no site da ANP, em seu
monitoramento sistemático e detalhado dos preços no atacado e
para os consumidores, confirmam que o caminho a perseverar
é a busca de um modelo de abertura de mercado que contemple
obsessivamente a diversidade, a
pluralidade e a competição. Certamente há espaço para maior
competitividade, propósito que
impõe uma intensa articulação
da ANP com o Sistema Brasileiro
de Defesa da Concorrência para o
combate aos cartéis e aos atos anticompetitivos. Muitas notas técnicas têm sido preparadas a respeito pela ANP e nos últimos meses algumas decisões exemplares
têm sido tomadas pelo Cade, sancionando agentes e didaticamente orientando o mercado sobre os
novos tempos.
Quanto ao relevante aspecto do
amortecimento das variações do
câmbio e dos preços internacionais, a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), na sua formatação atual e
com responsabilidade no seu uso,
pode ser uma excelente ferramenta fiscal para adequar os preços
dentro de uma política energética
racional, além de permitir ao Estado se apropriar de ganhos excessivos ou oportunistas. Tributos
específicos desse tipo são a forma
que muitos países estão adotando
para tratar das volatilidades desse mercado. No Brasil, apenas por
limitações conjunturais que cumpre superar, essa forma não foi
usada no segundo semestre. A recente correção dos valores de teto
da Cide é sensata e pode ser vista
como um passo positivo para que
esse tributo possa atender devidamente a seu papel na política de
preços da seguinte maneira: se os
preços se elevam, o tributo se reduz; se descem, o tributo se eleva e
têm-se então os recursos para as
desejadas obras rodoviárias.
Naturalmente que uma correta
política de preços de combustíveis
tem o dever de considerar as agudas carências de parte expressiva
da sociedade, o papel essencial
dos serviços energéticos e deve
lançar mão de subsídios específicos aos grupos de consumidores
mais necessitados, quando não
for possível seu atendimento com
políticas de renda. Ainda assim,
que sejam subsídios aos consumidores, como é o caso do auxílio-gás, definidos por lei e com uma
fonte de recursos claros, pois a
concessão de subsídios pelos
agentes econômicos mostrou ser
extremamente propensa a distorções e desvios.
Questões como essas vêm sendo
discutidas em todo o mundo e em
oportuno seminário recente na
Cepal foram analisadas as políticas de preços dos combustíveis na
América Latina. Em síntese, as lições trazidas pelas experiências
de diversos países apontam na
mesma direção: preços devem refletir custos, a concorrência requer vigilância e desigualdades
sociais devem ser atendidas por
políticas específicas para os grupos carentes. Na maior medida
possível, os preços devem ser justos para os agentes, reduzidos para os consumidores e afastados da
ilusão que podem ser aqueles que
gostaríamos que fossem. A construção de tal política de preços, espelhando os interesses da sociedade, é tarefa laboriosa e desafiadora, mas certamente trará bons resultados, abrangendo muito além
do cenário energético.
Luiz Augusto Horta Nogueira é diretor
da ANP (Agência Nacional do Petróleo).
Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Luiz Carlos Mendonça
de Barros, que escreve às sextas-feiras
nesta coluna.
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