São Paulo, domingo, 03 de fevereiro de 2002

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TRANSPORTES

Falhas no sistema de privatização e falta de investimentos em infra-estrutura nos portos causam prejuízos

País corre risco de "apagão" portuário

Antônio Gaudério/Folha Imagem
Caminhoneiro descansa no porto do Rio de Janeiro; alto custo das operações congestiona docas


ADRIANA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O maior porto do país, o de Santos, está há dois meses sem fazer a dragagem em seus terminais. Ou seja, se algum navio de grande porte quiser atracar lá hoje, pode ficar encalhado -pois há detritos se acumulando no mar. Em Vitória (ES), dois navios com grãos estavam numa fila, na sexta-feira, aguardando a saída de outro navio para desembarcar no porto da cidade. Por razões legais, são proibidos de usar outro terminal, mesmo que vazio. Enquanto isso, perdem tempo e dinheiro.
O "apagão" portuário, que o governo teme, dá sinais de que já chegou a alguns portos do país. Nos armazéns, faltam tomadas elétricas para a manutenção dos freezeres para carnes congeladas, como ocorre no porto de Itajaí (SC). Em outros locais, equipamentos como os portêineres (guindaste usado para movimentação de contêineres) foram destruídos em acidentes e substituídos, durante um período, por equipamentos provisórios.
Resumindo: faltam infra-estrutura e investimentos e sobram problemas. "Se continuar assim, vai faltar porto no Brasil", diz Amílcar Gazaniga, superintendente do porto de Itajaí.

Sistema "engessado"
O erro foi cometido no modelo de privatização dos terminais, dizem os especialistas. Em 1997, foram realizadas as primeiras privatizações de terminais nos maiores portos do país. Alguns foram arrendados (alugados) para a iniciativa privada e uma parte ainda é do governo. Cerca de 80% das cargas brasileiras são operadas em terminais privados. O restante nos terminais públicos.
O problema é que os que pertencem às empresas privadas seguem rígidas regras de concessão, determinadas pela Lei de Modernização dos Portos -que completará dez anos em 2003 e engessou o sistema. E os terminais públicos carecem de investimentos.
Se for necessário, por exemplo, que um terminal privado para desembarque de grãos receba um lote de veículos, será preciso mudar as normas vigentes para aquele terminal. O arrendatário (quem aluga) deve pedir à autoridade portuária mudanças nas regras de sua licitação. O que não será algo fácil e rápido de conseguir.
"Os diretores passam 90% do tempo lendo normas e regulamentos e só 10% do tempo conseguem sair de trás da mesa", diz Wilen Manteli, presidente da ABTP (Associação Brasileira dos Terminais Portuários).
Às vezes, nem a chegada de verbas públicas resolve a situação. Um exemplo: a Secretaria Estadual de Transportes informou, na sexta-feira, que são necessários, agora, R$ 221 milhões para obras prioritárias no porto de Santos. Desse total, R$ 70 milhões serão aplicados para fazer a dragagem no local. Mas não adiantaria muito liberar o investimento.
Isso porque a Secretaria do Meio Ambiente ainda precisa verificar em que local, próximo ao porto, teriam sido lançadas quantidades de um produto tóxico (benzeno epireno) pela Cosipa, empresa siderúrgica. "Até acharem isso, não dá para dragar o local", explicou Fernando Vianna, diretor-presidente do porto de Santos, responsável por 24% da balança comercial do país.

Problema antigo
Estudo do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), finalizado há quatro anos, já apontava esse esgotamento no sistema portuário. "A carga é movimentada com equipamentos defasados tecnologicamente", diz o relatório. "Há congestionamento nos portos e impossibilidade de implantação de sistemas de logística que reduzam o custos de transportes".
De lá para cá, pouca coisa mudou. Dois anos depois, num outro relatório, o BNDES afirmou que o atual processo de arrendamento nos portos "apresenta distorções". Investimentos privados elevaram a produtividade e reduziram o tempo de espera para desembarque, diz o relatório, mas os portos estariam "aquém de suas metas esperadas".
Dois anos após a constatação, o governo decidiu ver o que está acontecendo. Em 2002, oito subgrupos de trabalho formados pelo BNDES, Ministério dos Transportes, Casa Civil, entre outras instituições e órgãos, irão avaliar o que deu errado. Um recente levantamento do Geipot (Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes), órgão do governo, faz uma espécie de "mea culpa".
Em 89 páginas, o calhamaço, obtido pela Folha e finalizado em setembro, informa que "houve falta de um órgão apropriado no governo federal para assumir o exercício das funções de fiscalização das concessões". Ou seja, a empresa privada entrou no setor, mas não foi fiscalizada para se verificar se os investimentos prometidos foram feitos -o que evitaria futuros colapsos no sistema.
E os investimentos dos terminais públicos não teriam sido feitos, de acordo com alguns diretores de portos. "Liberaram R$ 1 bilhão para os portos do Nordeste, mas muito pouco para os portos do Sul e do Sudeste no ano passado. O governo olha para o lado errado: coloca dinheiro naqueles portos novos, que só darão retorno em cinco ou seis anos", diz Amílcar Gazaniga, superintendente do porto de Itajaí.


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