São Paulo, domingo, 03 de fevereiro de 2002

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ESCÂNDALO

Editores e analistas receberam dinheiro da empresa para prestar assessoria, mas omitiram informação dos leitores

Colapso da Enron atinge jornalistas nos EUA

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

O constrangimento causado pelo escândalo da quebra da empresa de energia norte-americana Enron ultrapassa os limites da política e do mundo corporativo e já atinge o universo do jornalismo econômico dos EUA.
Com o desdobramento das investigações sobre a maior concordata da história do país, colunistas e jornalistas estão reconhecendo publicamente que ganharam dinheiro para aconselhar a companhia, dar palestras para sua diretoria ou escrever discursos para Keneth Lay, o controverso fundador e ex-presidente da Enron.
Uma miríade de profissionais e colaboradores está sendo exposta no turbilhão do escândalo. Entre eles estão Peggy Noonan, colunista do "Wall Street Journal", Lawrence Kudlow, da rede de TV CNBC e da revista "National Review", Bill Kristol, editor da revista "Weekley Standard", e Irwin Stelzer, da mesma revista.
Embora as circunstâncias sejam distintas, seus nomes se somam ao do economista Paul Krugman, que recebeu US$ 50 mil para integrar, em 1999 (um ano antes de tornar-se colunista do "New York Times), um grupo de conselheiros da Enron. Diferentemente de Krugman, alguns ganharam dinheiro da Enron no mesmo período em que emitiam comentários sobre empresas energéticas.
Depois do colapso da Enron, eles vieram a público (com graus variados de pressa) para reconhecer suas ligações, para criticar a companhia com rigor e dizer que, apesar de terem tirado dinheiro dela no passado, mantinham e ainda mantêm isenção para tratar do assunto.
Krugman tem escrito artigos duríssimos contra a Enron. Num deles, publicado pela Folha, responsabilizou a "direita" pelas críticas que recebeu por ter assessorado a companhia. Segundo Krugman, essas críticas são "um esforço de conservadores para jogar a lama na esquerda".
Kudlow, que também recebeu US$ 50 mil para assessorar e dar palestras para a diretoria da Enron, chegou a escrever sobre a companhia sem revelar o fato aos seus leitores. Hoje, reconhece seu erro, mas nega ter sido influenciado pelos serviços que prestou à Enron. "Será que isso compromete minhas críticas recentes à Enron?", pergunta ele mesmo, referindo-se a recentes artigos que escreveu atacando a companhia.

Prisão ética
Mas o problema parece não ser tão simples, como explicou à Folha Howard Kurtz, jornalista especializado em mídia do "Washington Post" e da CNN.
"O problema com os jornalistas é que o público sempre irá considerar seus argumentos suspeitos, justa ou injustamente", afirmou. "Se criticarem a companhia, alguns vão achar que eles estarão apenas tentando mostrar o quanto são honestos e durões. Se a defenderem, ou mesmo ficarem quietos, seus críticos dirão que foram comprados. É por isso que, para os jornalistas, tirar dinheiro do mundo corporativo é uma péssima idéia".
Na avaliação de Kurtz, críticas pesadas à Enron podem ser tão suspeitas quanto elogios rasgados. É como se esses jornalistas e colunistas estivessem numa prisão ética, da qual até os mais bem-intencionados e honestos não conseguiriam escapar.
Por causa dessa prisão ética, redes de TV como a ABC e a NBC proíbem seus jornalistas de receber dinheiro do mundo corporativo, seja por meio de pequenos serviços ou de empregos paralelos. O "Washington Post" mantém regra semelhante.



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