UOL


São Paulo, segunda-feira, 03 de fevereiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

A situação do petróleo no novo governo

LUIZ GONZAGA BERTELLI

Persistem no mundo tão-somente os monopólios de petróleo da Petrobras (flexibilizado pelo Congresso -a União tem 51% do bloco de controle da empresa e, com isso, o direito de indicar a maioria dos membros do conselho), Iraque, Kuait, Irã e Arábia Saudita. Entre eles, o único país importador de petróleo e derivados (30% das suas necessidades) é o Brasil.
No período de 1980 a 1986, a importação do petróleo correspondeu a mais da metade de nossa dívida interna. Em 2001, os gastos com importação de óleo bruto e derivados totalizaram cerca de US$ 6 bilhões (25% do óleo refinado no país) e, no ano passado, somaram US$ 5 bilhões (20% do refino brasileiro). Em decorrência, a Petrobras continua sendo uma das maiores compradoras de petróleo do universo.
A abertura para o setor privado, em razão dos vultosos investimentos na exploração e refino (a estatal investiu US$ 7 bilhões em 2002 e US$ 20 bilhões nos últimos quatro anos), é uma tendência internacional, inclusive nos países comunistas. O governo russo decidiu no mês passado colocar à venda 6% da Loukoil e passar a deter apenas 7% da empresa. Em virtude de uma fatalidade geológica, as reservas de petróleo brasileiras são modestas (13 bilhões de barris -cerca de 0,8% do que o mundo conhece), correspondendo ao consumo de 14 anos, mantidos os níveis atuais. Apesar de sua extensão territorial e da imensa bacia sedimentar (4,6 milhões de kmē), a quinta do mundo, não existem afloramentos espontâneos de petróleo no Brasil, diferentemente do que ocorre em outras nações, como é o caso do Oriente Médio.
Ademais, a Petrobras, criada basicamente com o escopo de ser executora da diretriz política de pesquisa e lavra das jazidas de petróleo, expandiu-se em outras áreas mais lucrativas, absorvendo o refino do óleo cru, ao lado da sua crescente participação no transporte, dutos, distribuição dos derivados, petroquímica, fertilizantes, xisto, fundos de pensão e, mais recentemente, no gás natural e construção de térmicas. Atualmente, o seu grande propósito político e estratégico é a transformação em uma grande empresa de energia, responsável pela regularidade do fornecimento de eletricidade e dos combustíveis, inclusive o álcool. Já em 1973, ao deixar a Petrobras, o ex-presidente Ernesto Geisel iria proclamar: "Auto-suficiência na produção nacional do petróleo não é a missão básica da Petrobras".
No entanto o ingresso de capitais privados, a fim de nos assegurar o auto-abastecimento, era recomendado, desde os anos 50, pelo marechal Juarez Tavora, ministro do governo Dutra. Alcançaram notoriedade as discussões havidas no Clube Militar, com o general Horta Barbosa, sobre a necessidade de o petróleo ser encarado sob o prisma da colaboração internacional, absorvendo capital e tecnologia estrangeiros, em face da inexistência de recursos econômicos nacionais disponíveis.
Em 1975, o mencionado Geisel, já na Presidência da República, iria anunciar a intenção do governo de aceitar a contribuição das empresas de petróleo estrangeiras, interessadas em operar com risco na prospecção do petróleo. Contudo esse propósito viria encontrar dentro da estatal sérias restrições. Aliás, Castello Branco, que era antimonopolista, também tivera obstáculos à revogação do monopólio, passando a repetir, com lógica irrefutável: "Se a Petrobras é eficiente, não precisa de monopólio; se não é eficiente, não o merece".
Com efeito, se a organização, seja estatal ou privada, não concorre no mercado em igualdade de condições com outras empresas congêneres, torna-se impossível saber se ela é eficiente ou não. O quadro de rebeldia das administrações da empresa chegou a tal ponto que, mesmo ainda sob o regime autoritário, um homem da dureza ("prendo e arrebento") do general-presidente João Figueiredo exclamaria, vencido: "A Petrobras é incontrolável". A magna questão, a ser equacionada, é se a Petrobras, na administração Lula, será uma empresa estatal ou de mercado, eis que a organização tem como controladora a União. Contudo possui 430 mil acionistas, entre os quais 300 mil trabalhadores, que aplicaram recursos do FGTS. Há especialistas que ponderam sobre a conveniência de a estatal adquirir todas as ações do mercado.
Numa paisagem sem monopólio e ingerência do Estado, a própria Petrobras poderá, finalmente, no governo Lula, conquistar a alforria, que tanto reivindica. Debaixo da capa do corporativismo, existe na estatal um expressivo número de funcionários capazes, com a imensa vontade de torná-la ágil e competitiva, enfrentando a concorrência. Com os preços dos derivados, produzidos no Brasil, estabelecidos a níveis internacionais, encerrar-se-ia a missão da Petrobras como instrumento de política econômica, o que tem sido tão criticado por seus dirigentes e funcionários.
O Brasil, a fim de atender às suas necessidades de consumo de derivados, necessita de cerca de 2 milhões de barris diários. Com preços justos e remunerados, haverá empresas nacionais e estrangeiras dispostas a explorar e produzir petróleo no Brasil. A fim de atrair investimentos, necessitamos consolidar módulos normativos e regulatórios confiáveis. A nossa dependência externa do petróleo importado é de 500 mil barris diários, com a expectativa de alcançarmos o ano de 2005 com uma produção média de 1,9 milhão de barris/diários e superar a capacidade de refino, que hoje é de 1,8 milhão de barris/dia.
A tendência do petróleo é a escassez, e o seu preço tende a subir, em consequência. Com os preços alcançando US$ 30 por barril e a imprevisibilidade existente, quanto aos futuros valores, devido ao terrorismo, perspectivas de guerra no Iraque e de instabilidade política na Venezuela, haverá oscilações constantes, com a tendência de alta. As nações que possuírem, nos vindouros anos, o domínio de sua produção terão, inquestionavelmente, significativas vantagens. "O petróleo é sangue da terra. Tê-lo é possuir o Sésamo, abridor de todas as portas. Não tê-lo é ser escravo", dizia Monteiro Lobato.


Luiz Gonzaga Bertelli é diretor da Fiesp/Ciesp e da Associação Comercial de São Paulo.


Texto Anterior: Comércio externo: Exportação de açúcar será menor este ano
Próximo Texto: Dicas/Folhainvest - Ações: Analistas preferem manter suas recomendações nesta semana
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.