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São Paulo, segunda-feira, 03 de fevereiro de 2003

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TRANSPARÊNCIA

Para especialistas, se há proteção a quem vende gasolina adulterada, consumidor está sendo lesado

ANP não divulga nome de posto irregular

FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

O fato de a ANP (Agência Nacional do Petróleo) não divulgar os nomes dos postos que adulteram a gasolina provoca contestações dos especialistas em direitos dos consumidores e expõe divergências na diretoria da agência.
A ANP colhe amostras de combustíveis em cerca de 5.500 estabelecimentos por mês -cerca de 20% dos postos espalhados pelo país- por meio de convênios com universidades e laboratórios de pesquisa. Os nomes dos postos que apresentam gasolina adulterada não são, porém, divulgados para os consumidores. A Folha apurou que dentro da agência há quem defenda e quem não defenda a divulgação dos postos.
O que a agência torna público são apenas os índices de irregularidades por regiões. Em dezembro passado, por exemplo, o Estado de Alagoas apresentou o maior índice de gasolina adulterada do país -13,2%. A média do Brasil foi de 6%.
Órgãos de defesa dos consumidores consultados pela Folha entendem que a agência não age de forma transparente ao não divulgar os nomes dos postos onde são constatadas as vendas de combustível irregular.
"Se os laboratórios contratados pela agência são confiáveis, por que não tornar o resultado público? A ANP foi constituída para regular e fiscalizar o setor e para mostrar o resultado à população", diz Maria Inês Dolci, coordenadora do departamento jurídico da Pro Teste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor).
A ANP informa que não libera os nomes dos postos que fraudaram o combustível porque entende que esses estabelecimentos têm direito à defesa antes de o consumidor ser informado. "Sem direito de defesa, o nome do estabelecimento não pode ser publicado", afirma Antonio Bonomi, superintendente de qualidade de produtos da ANP.
A agência reguladora informa também que o monitoramento de qualidade serve para dar pistas para a área de fiscalização da agência -isto é, mostrar os focos das fraudes. Somente depois do julgamento final de um processo pela Justiça -no caso de um posto ser autuado e depois recorrer, a ANP considera que o nome de quem adulterou deve se tornar público.
A diretoria da Pro Teste entende que, com essa posição da ANP, o consumidor acaba sendo lesado, já que os processos na Justiça brasileira se arrastam muitas vezes por vários anos. "O procedimento da agência tem que ser rápido e transparente. O fato de ela constatar que a gasolina está adulterada já é crime, apesar de o posto ter direito à defesa."
A Folha apurou que pode levar semanas até que a informação sobre a qualidade dos combustíveis chegue ao departamento de fiscalização da agência. Esse tempo é mais do que suficiente para que a gasolina adulterada de um posto já tenha sido comercializada.
Isto é, quando a fiscalização chega a um estabelecimento no qual foi constatada a adulteração do produto, já houve a troca do combustível. Como o posto sabe que há demora nas fiscalizações, ele pode continuar com a venda de produto adulterado até terminar seu estoque.
Especialistas em direitos dos consumidores citam o Código de Defesa do Consumidor para defender a publicação do levantamento de qualidade nos postos de gasolina. Eles mencionam especialmente o artigo 4º, que trata da política nacional das relações de consumo, que tem como objetivo: atendimento das necessidades dos consumidores, respeito à sua dignidade, saúde e segurança, proteção de seus interesses econômicos, melhora da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo.
Para Marcos Diegues, advogado do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), o resultado do teste de qualidade dos combustíveis é informação fundamental para o consumidor. "Não vejo justificativa para não divulgar os nomes dos postos. A informação completa é um direito do consumidor, ainda mais nesse caso de combustíveis", diz.
Flávio Azevedo, do escritório Piza & Advogados, lembra que a Portaria nº 111, de 28 de junho de 2000, da própria agência reguladora do setor, criou o Centro de Relações com o Consumidor e cita, em seu artigo 4º, que compete ao centro "promover a orientação dos consumidores quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos e serviços do mercado regulado pela ANP".
"A agência tem de passar as informações que dispõe para os consumidores. Se o posto entender que a ANP errou, deve discutir isso na Justiça. O que não pode é o consumidor ficar sem acesso à informação", diz Azevedo.
A Folha apurou que as distribuidoras recebem da ANP, porém, informações sobre os postos de suas bandeiras, mas não de seus concorrentes. Isto é, a Shell e a Esso, por exemplo, sabem quais os postos de suas bandeiras fazem parte da lista dos irregulares. O Ministério Público e a polícia, se solicitarem, também podem ter acesso aos nomes dos postos, informa Bonomi.
Especialistas de órgãos de defesa dos consumidores consideram que, se há impedimento legal para a publicação dos nomes dos postos, nem mesmo as distribuidoras poderiam ter acesso a eles. Isto é, a ANP diz para quem comete a fraude que ele está errado, mas não alerta o principal interessado- o consumidor.
Ildo Sauer, professor de pós-graduação em energia da USP (Universidade de São Paulo) e nomeado para o cargo de diretor de Energia e Gás Natural da Petrobras, diz que o fato de a ANP não publicar os nomes dos postos que cometem fraude acaba protegendo os estabelecimentos irregulares. "Se o consumidor não tem acesso ao nome do posto, de que adianta esse monitoramento de qualidade dos combustíveis?", indaga.
Flávia Lefevre Guimarães, advogada da Pro Teste, afirma que a ANP, como agência reguladora e fiscalizadora, tem o dever de tornar públicas as informações.


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