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São Paulo, segunda-feira, 03 de fevereiro de 2003

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"HOSPITAL"

Para o empresário, o banco deveria servir como ponte entre empresas em dificuldades e o mercado de capitais

Staub critica modelo do "novo BNDES"

Moacyr Lopes Jr./Folha Imagem
O empresário Eugênio Staub, um dos primeiros a apoiar a candidatura de Lula no ano passado


GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

A poucas semanas do primeiro turno das eleições presidenciais, o empresário Eugênio Staub, 61, presidente da Gradiente, surpreendeu seus colegas ao anunciar seu apoio ao então candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva.
Muitos pensavam que, naquele momento, ele estava comprando o passaporte para fazer parte do governo. Staub, porém, diz que pode ajudar mais o governo do lado de fora do que de dentro. "A minha vocação é empresarial."
Mas isso não significa que ele não vá dar palpites. Staub discorda, por exemplo, da política de socorro às empresas defendida pelo atual presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Carlos Lessa. "O modelo do Lessa não está totalmente errado, mas acho que tem uma solução melhor." Lessa quer que o BNDES funcione como um "hospital" para empresas em dificuldades.
Para Staub, o modelo ideal de socorrer as empresas é por meio do mercado de capitais. O modelo de venda pulverizada de ações, com a possibilidade do uso do Fundo de Garantia, a exemplo do que ocorreu com a Vale do Rio Doce no ano passado, é o melhor caminho, a seu ver. "Se o Proer, que era muito mais justificável por defender os depositantes, já foi muito criticado, como defender a proteção aos grupos A, B ou C?" Leia a entrevista dada por ele.

Folha - O sr. acha que a lua-de-mel do governo com a sociedade ainda vai demorar muito tempo?
Eugênio Staub -
Acho que o termo lua-de-mel não se aplica. Essa questão de aprovação da popularidade do governo segue uma tendência em todo o mundo. Qualquer governo sempre começa com altos índices de aprovação, depois há uma queda natural e, se o governo for bem no final do mandato, volta novamente ao pico. É o que está acontecendo agora com o [presidente dos EUA, George W.] Bush, cuja popularidade caiu e ele tenta recuperar. Aconteceu com o Fernando Henrique duas vezes. O importante é que o governo se preocupe em fazer o que é certo e não se atenha ao índice de popularidade no curto prazo. Mas me surpreendeu a popularidade do presidente Lula ter atingido 83%, que é muito mais do que ele teve de votos.

Folha - A que o sr. atribui essa popularidade?
Staub -
Isso é fruto de medidas já tomadas, dos pronunciamentos e da esperança, que é uma parte psicológica importante. Mas, se o índice de popularidade cair daqui a seis meses, não ficarei preocupado. Como disse o próprio presidente, tudo será feito com muita calma. Ele tem quatro anos para mudar o país e irá fazê-lo de uma forma ponderada.

Folha - O sr. acha que o governo está no caminho certo?
Staub -
O que está sendo feito está certíssimo. Em primeiro lugar, o fato de ter sido dada prioridade para as reformas e, dentro delas, a da Previdência, o que é absolutamente correto. Acho que há agora uma perspectiva muito grande de aprovação das reformas no Congresso, mais do que em outros governos. Lula é um conciliador. Esse é um de seus grandes méritos.

Folha - Como o sr. analisa o papel do BNDES defendido por Carlos Lessa?
Staub -
Nos últimos anos, o BNDES sofreu um processo de destruição de sua cultura. Ele deixou de ser um banco de desenvolvimento para se transformar num banco de investimento, como os bancos de investimento americanos. Não é esse o papel do BNDES. O papel do BNDES, desde 1952, quando foi fundado, é o de um banco de desenvolvimento, muito mais parecido com o Banco Mundial e o BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento] do que com o Morgan Stanley. O Lessa percebeu isso e chegou prometendo a mudança mais radical que o banco já sofreu na história.

Folha - Mas e a volta do banco-hospital?
Staub -
Eu acho que o caminho não é esse. O banco deve se transformar numa ponte para a empresa que está precisando de socorro, mas os recursos devem ser obtidos no mercado de capitais. Nós temos hoje no Brasil um problema muito sério de falta de investimento da indústria na produção. Há quase dez anos não se investe na produção neste país. Dessa forma, há muitos setores com gargalos, no limite da capacidade. São setores importantes para a retomada do desenvolvimento e que precisam de recursos. Por isso, os recursos, ainda que sejam grandes, não são suficientes para serem aplicados na recuperação de empresas já existentes. É esse cacife que o país precisa para a retomada do desenvolvimento.
Eu acho que deveriam ser buscados novos acionistas no mercado. Seria uma oportunidade de modernizar o mercado de capitais brasileiro e de pulverizar o capital das empresas. Eu gostaria de ver todo mundo tendo oportunidade de comprar ações de empresas com o uso do Fundo de Garantia, a exemplo do modelo usado para vender as ações da Vale. A grande vantagem desse modelo é que não afeta as contas públicas.

Folha - E o que garante ao investidor que ele irá ganhar dinheiro ao comprar uma ação de uma empresa em dificuldade?
Staub -
Eu acho que teria de ser feita uma triagem, uma espécie de "rating" das companhias. O governo se encarregaria de montar uma comissão mista, com a participação do BNDES e de representantes do mercado de capitais, que daria uma nota às empresas. Vamos dizer que sejam 10 ou 20 empresas. Cada uma delas teria a sua nota, e o indivíduo teria o direito de escolha. Se der certo, o investidor terá um ganho superior ao do Fundo de Garantia, e, se der errado, ele deve ter direito a uma percentagem do que investiu para não ficar a descoberto.

Folha - O sr. investiria seu Fundo de Garantia numa empresa em dificuldade?
Staub -
Eu usei o meu Fundo de Garantia em ações da Vale.

Folha - Mas a Vale é uma empresa bem-sucedida.
Staub -
Mas é esse o modelo que precisa ser adotado, seja a empresa bem-sucedida ou não. As empresas em dificuldades precisam, claro, apresentar um projeto de recuperação que seja convincente, e esse projeto tem de ser analisado pelo mercado, e não por um tecnocrata. O outro modelo, de socorro à empresa simplesmente, é muito fechado. Não é compatível com a filosofia deste governo. Se o Proer, que era justificável por proteger os depositantes, já foi muito criticado, como justificar a proteção aos grupos A, B ou C?

Folha - Um dos temas caros ao sr. sempre foi política industrial. O sr. não acha que o governo está demorando a entrar nesse assunto?
Staub -
O governo só tem um mês. Herdou uma situação extremamente adversa e está sendo muito elegante em não denunciar essa situação. Herdou uma situação terrível do ponto de vista social, que foi aumentada muito nos últimos anos com a estagnação do crescimento. Em razão disso, o governo está priorizando, acertadamente, a questão social. E não tem outro jeito. É preciso mesmo atacar o sintoma, e não a causa.

Folha - E qual é a principal causa?
Staub -
A causa é a falta de emprego. Se nós tivéssemos tido desenvolvimento nos últimos 20 anos, haveria problema de fome, sim, mas seria pequeno. Haveria problema de desemprego, sim, mas também seria pequeno. O que acontece é que o governo tem de atacar agora a questão social, mas a solução desse problema social é o desenvolvimento. E o problema do desenvolvimento passa por uma política industrial. Eu não tenho dúvida nenhuma de que essa é uma prioridade do governo, até porque reiteradas vezes, durante a campanha, o Lula afirmou que o importante é a produção nacional.

Folha - O sr. tem alguma sugestão de política industrial?
Staub -
A política industrial nunca pode ser para todos os setores. Acho que ela tem de priorizar três categorias. O primeiro deveria ser aquele setor que gera mais empregos, independentemente da tecnologia, mesmo que seja uma olaria. O segundo critério é o de balança comercial. O governo terá que definir e priorizar aqueles setores que vão ou economizar divisas ou gerar divisas. De preferência os que vão gerar divisas com exportação. O terceiro critério é o estratégico. Ou seja, aqueles que são importantes para o futuro do país. São os setores tecnológicos, como o eletroeletrônico. Se você tiver um setor que gera muito emprego, é essencialmente exportador e ainda estratégico, maravilha, esse setor está eleito. Os critérios têm de ser esses, e não o lobby.

Folha -E quem faria essa seleção?
Staub
- Acho que isso é um trabalho do governo. Essa discussão passa pelo Ministério da Fazenda, pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, pelo Ministério do Planejamento... Quem vai administrar os recursos, claro, será o BNDES, mas o planejamento será um trabalho coletivo, com participação inclusive do setor privado, como a Fiesp, a CNI e o Iedi.

Folha - O sr. não ficou surpresa com o fato de o Banco Central ter aumentado e não baixado os juros?
Staub
- Não tenho dúvidas de que o governo vai resolver essa questão dos juros, que são insustentáveis. Mas não dá para resolver esse problema nem em 30 dias nem em 180 dias. Hoje, o consumidor para 150%, 180% ou mais de juros ao ano para uma inflação medida pelo IPCA de 10%. É um escândalo. Em nenhum lugar do mundo, a taxa de juros da renda fixa supera a da renda variável, como no Brasil. E quando isso acontece, a economia pára. Mas tudo tem seu tempo.

Folha - O governo está sendo bastante criticado pelo fato de repetir a cartilha do Malan. O sr. concorda?
Staub
- Neste momento, não tem outro jeito. Acho isso até elogiável. Errado seria tentar mudar abruptamente. Aí nós íamos ter uma dificuldade muito grande e os prognósticos dos pessimistas acabariam se confirmando. O governo está demonstrando inteligência ao reconhecer que as mudanças precisam ser feitas, mas de forma responsável.


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