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"HOSPITAL"
Para o empresário, o banco deveria servir como ponte entre empresas em dificuldades e o mercado de capitais
Staub critica modelo do "novo BNDES"
Moacyr Lopes Jr./Folha Imagem
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O empresário Eugênio Staub, um dos primeiros a apoiar a candidatura de Lula no ano passado |
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
A poucas semanas do primeiro
turno das eleições presidenciais, o
empresário Eugênio Staub, 61,
presidente da Gradiente, surpreendeu seus colegas ao anunciar seu apoio ao então candidato
petista Luiz Inácio Lula da Silva.
Muitos pensavam que, naquele
momento, ele estava comprando
o passaporte para fazer parte do
governo. Staub, porém, diz que
pode ajudar mais o governo do lado de fora do que de dentro. "A
minha vocação é empresarial."
Mas isso não significa que ele
não vá dar palpites. Staub discorda, por exemplo, da política de socorro às empresas defendida pelo
atual presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social), Carlos Lessa. "O modelo do Lessa não está
totalmente errado, mas acho que
tem uma solução melhor." Lessa
quer que o BNDES funcione como um "hospital" para empresas
em dificuldades.
Para Staub, o modelo ideal de
socorrer as empresas é por meio
do mercado de capitais. O modelo
de venda pulverizada de ações,
com a possibilidade do uso do
Fundo de Garantia, a exemplo do
que ocorreu com a Vale do Rio
Doce no ano passado, é o melhor
caminho, a seu ver. "Se o Proer,
que era muito mais justificável
por defender os depositantes, já
foi muito criticado, como defender a proteção aos grupos A, B ou
C?" Leia a entrevista dada por ele.
Folha - O sr. acha que a lua-de-mel do governo com a sociedade
ainda vai demorar muito tempo?
Eugênio Staub - Acho que o termo lua-de-mel não se aplica. Essa
questão de aprovação da popularidade do governo segue uma tendência em todo o mundo. Qualquer governo sempre começa
com altos índices de aprovação,
depois há uma queda natural e, se
o governo for bem no final do
mandato, volta novamente ao pico. É o que está acontecendo agora com o [presidente dos EUA,
George W.] Bush, cuja popularidade caiu e ele tenta recuperar.
Aconteceu com o Fernando Henrique duas vezes. O importante é
que o governo se preocupe em fazer o que é certo e não se atenha
ao índice de popularidade no curto prazo. Mas me surpreendeu a
popularidade do presidente Lula
ter atingido 83%, que é muito
mais do que ele teve de votos.
Folha - A que o sr. atribui essa popularidade?
Staub - Isso é fruto de medidas já
tomadas, dos pronunciamentos e
da esperança, que é uma parte
psicológica importante. Mas, se o
índice de popularidade cair daqui
a seis meses, não ficarei preocupado. Como disse o próprio presidente, tudo será feito com muita
calma. Ele tem quatro anos para
mudar o país e irá fazê-lo de uma
forma ponderada.
Folha - O sr. acha que o governo
está no caminho certo?
Staub - O que está sendo feito está certíssimo. Em primeiro lugar,
o fato de ter sido dada prioridade
para as reformas e, dentro delas, a
da Previdência, o que é absolutamente correto. Acho que há agora
uma perspectiva muito grande de
aprovação das reformas no Congresso, mais do que em outros governos. Lula é um conciliador. Esse é um de seus grandes méritos.
Folha - Como o sr. analisa o papel
do BNDES defendido por Carlos
Lessa?
Staub - Nos últimos anos, o
BNDES sofreu um processo de
destruição de sua cultura. Ele deixou de ser um banco de desenvolvimento para se transformar num
banco de investimento, como os
bancos de investimento americanos. Não é esse o papel do
BNDES. O papel do BNDES, desde 1952, quando foi fundado, é o
de um banco de desenvolvimento, muito mais parecido com o
Banco Mundial e o BID [Banco
Interamericano de Desenvolvimento] do que com o Morgan
Stanley. O Lessa percebeu isso e
chegou prometendo a mudança
mais radical que o banco já sofreu
na história.
Folha - Mas e a volta do banco-hospital?
Staub - Eu acho que o caminho
não é esse. O banco deve se transformar numa ponte para a empresa que está precisando de socorro, mas os recursos devem ser
obtidos no mercado de capitais.
Nós temos hoje no Brasil um problema muito sério de falta de investimento da indústria na produção. Há quase dez anos não se
investe na produção neste país.
Dessa forma, há muitos setores
com gargalos, no limite da capacidade. São setores importantes para a retomada do desenvolvimento e que precisam de recursos. Por
isso, os recursos, ainda que sejam
grandes, não são suficientes para
serem aplicados na recuperação
de empresas já existentes. É esse
cacife que o país precisa para a retomada do desenvolvimento.
Eu acho que deveriam ser buscados novos acionistas no mercado. Seria uma oportunidade de
modernizar o mercado de capitais brasileiro e de pulverizar o capital das empresas. Eu gostaria de
ver todo mundo tendo oportunidade de comprar ações de empresas com o uso do Fundo de Garantia, a exemplo do modelo usado para vender as ações da Vale. A
grande vantagem desse modelo é
que não afeta as contas públicas.
Folha - E o que garante ao investidor que ele irá ganhar dinheiro ao
comprar uma ação de uma empresa em dificuldade?
Staub - Eu acho que teria de ser
feita uma triagem, uma espécie de
"rating" das companhias. O governo se encarregaria de montar
uma comissão mista, com a participação do BNDES e de representantes do mercado de capitais,
que daria uma nota às empresas.
Vamos dizer que sejam 10 ou 20
empresas. Cada uma delas teria a
sua nota, e o indivíduo teria o direito de escolha. Se der certo, o investidor terá um ganho superior
ao do Fundo de Garantia, e, se der
errado, ele deve ter direito a uma
percentagem do que investiu para
não ficar a descoberto.
Folha - O sr. investiria seu Fundo
de Garantia numa empresa em dificuldade?
Staub - Eu usei o meu Fundo de
Garantia em ações da Vale.
Folha - Mas a Vale é uma empresa
bem-sucedida.
Staub - Mas é esse o modelo que
precisa ser adotado, seja a empresa bem-sucedida ou não. As empresas em dificuldades precisam,
claro, apresentar um projeto de
recuperação que seja convincente, e esse projeto tem de ser analisado pelo mercado, e não por um
tecnocrata. O outro modelo, de
socorro à empresa simplesmente,
é muito fechado. Não é compatível com a filosofia deste governo.
Se o Proer, que era justificável por
proteger os depositantes, já foi
muito criticado, como justificar a
proteção aos grupos A, B ou C?
Folha - Um dos temas caros ao sr.
sempre foi política industrial. O sr.
não acha que o governo está demorando a entrar nesse assunto?
Staub - O governo só tem um
mês. Herdou uma situação extremamente adversa e está sendo
muito elegante em não denunciar
essa situação. Herdou uma situação terrível do ponto de vista social, que foi aumentada muito nos
últimos anos com a estagnação do
crescimento. Em razão disso, o
governo está priorizando, acertadamente, a questão social. E não
tem outro jeito. É preciso mesmo
atacar o sintoma, e não a causa.
Folha - E qual é a principal causa?
Staub - A causa é a falta de emprego. Se nós tivéssemos tido desenvolvimento nos últimos 20
anos, haveria problema de fome,
sim, mas seria pequeno. Haveria
problema de desemprego, sim,
mas também seria pequeno. O
que acontece é que o governo tem
de atacar agora a questão social,
mas a solução desse problema social é o desenvolvimento. E o problema do desenvolvimento passa
por uma política industrial. Eu
não tenho dúvida nenhuma de
que essa é uma prioridade do governo, até porque reiteradas vezes, durante a campanha, o Lula
afirmou que o importante é a produção nacional.
Folha - O sr. tem alguma sugestão
de política industrial?
Staub - A política industrial
nunca pode ser para todos os setores. Acho que ela tem de priorizar três categorias. O primeiro deveria ser aquele setor que gera
mais empregos, independentemente da tecnologia, mesmo que
seja uma olaria. O segundo critério é o de balança comercial. O governo terá que definir e priorizar
aqueles setores que vão ou economizar divisas ou gerar divisas. De
preferência os que vão gerar divisas com exportação. O terceiro
critério é o estratégico. Ou seja,
aqueles que são importantes para
o futuro do país. São os setores
tecnológicos, como o eletroeletrônico. Se você tiver um setor que
gera muito emprego, é essencialmente exportador e ainda estratégico, maravilha, esse setor está
eleito. Os critérios têm de ser esses, e não o lobby.
Folha -E quem faria essa seleção?
Staub - Acho que isso é um trabalho do governo. Essa discussão
passa pelo Ministério da Fazenda,
pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, pelo Ministério do Planejamento... Quem vai administrar
os recursos, claro, será o BNDES,
mas o planejamento será um trabalho coletivo, com participação
inclusive do setor privado, como a
Fiesp, a CNI e o Iedi.
Folha - O sr. não ficou surpresa
com o fato de o Banco Central ter
aumentado e não baixado os juros?
Staub - Não tenho dúvidas de
que o governo vai resolver essa
questão dos juros, que são insustentáveis. Mas não dá para resolver esse problema nem em 30 dias
nem em 180 dias. Hoje, o consumidor para 150%, 180% ou mais
de juros ao ano para uma inflação
medida pelo IPCA de 10%. É um
escândalo. Em nenhum lugar do
mundo, a taxa de juros da renda
fixa supera a da renda variável,
como no Brasil. E quando isso
acontece, a economia pára. Mas
tudo tem seu tempo.
Folha - O governo está sendo bastante criticado pelo fato de repetir
a cartilha do Malan. O sr. concorda?
Staub - Neste momento, não
tem outro jeito. Acho isso até elogiável. Errado seria tentar mudar
abruptamente. Aí nós íamos ter
uma dificuldade muito grande e
os prognósticos dos pessimistas
acabariam se confirmando. O governo está demonstrando inteligência ao reconhecer que as mudanças precisam ser feitas, mas de
forma responsável.
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