São Paulo, sexta-feira, 03 de fevereiro de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

Uma encruzilhada para o Brasil

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Tenho repetidamente chamado a atenção de meu leitor para a incrível mudança na situação externa da economia brasileira que estamos vivendo. Hoje ocupo boa parte de meu tempo procurando entender como isto aconteceu e, mais importante, o que representa para a sociedade brasileira em termos de opções futuras.
Confesso que estou assustado com o que tenho visto e ouvido. São manifestações ainda restritas a ambientes distantes da opinião pública, como universidades e grupos informais de discussão sobre economia. Mas acompanho com interesse o que se discute nesses fóruns e, quando convidado, tenho participado.
Nesse novo Brasil que acredito existir, uma questão central se coloca: como devemos reagir ao fato de que, por condições externas altamente favoráveis às nossas exportações de commodities, passamos a ter um saldo estrutural de dólares em nossas contas externas. Já escrevi sobre isso várias vezes e hoje, baseado em trabalho realizado pelo economista Paulo P. Miguel, que trabalha comigo na Quest Investimentos, minhas convicções são ainda mais fortes. Quem tiver interesse em lê-lo sugiro que o consulte no endereço www.questinvest.com.br.
O que aparece nesse olhar prospectivo sobre nosso futuro é claramente uma versão moderna do que os economistas chamam de "Dutch disease". Ou seja, a situação em que uma economia entra em fase de desindustrialização por conta de um câmbio valorizado devido a um boom nas exportações de produtos primários. A primeira vez que o fenômeno chamou a atenção dos economistas foi na Holanda, no início da segunda metade do século passado.
Mas hoje essa doença econômica é potencialmente muito mais grave, devido às tectônicas e estruturais mudanças na dinâmica do comércio internacional provocadas pela incorporação de centenas de milhões de chineses (e indianos) na economia mundial.Uma taxa de câmbio valorizada por conta de movimentações financeiras ou por exportações vigorosas de produtos primários pode ser mortal para a indústria de um país nesse contexto. Esse problema vai atingir em cheio o Brasil nos próximos anos. Não tenha dúvida disso.
O que me preocupa é que as discussões estão se polarizando de forma equivocada. De um lado, no corte mais liberal de nossos economistas, a reação pode ser resumida em uma expressão em inglês: "Who cares?". Em português, a melhor tradução que encontro é "e daí?". Segundo eles, não tem importância nenhuma o Brasil não ter indústria ou muitos setores de prestação de serviços, na medida em que a exportação de commodities seria a vocação racional do país, a nossa vantagem comparativa, como se essa fosse uma decisão imutável da Divina Providência, esquecendo os milagres que o desenvolvimento tecnológico pode criar.
Nos setores mais à esquerda, a resposta a essa ameaça é o tradicional voluntarismo da intervenção pura e simples do governo via compra maciça dos dólares que sobram no mercado. Sem apresentar referência a uma estratégia integrada de política econômica, usam superficialmente como exemplo a China e os outros tigres asiáticos, que vêm fazendo isso há anos para evitar a valorização de suas moedas e a conseqüente perda de competitividade de seu setor produtivo.
Estou convencido de que esse problema é grave, complexo e vai mexer com o futuro de milhões de brasileiros. E creio que as duas alternativas óbvias, à direita e à esquerda, não têm as respostas corretas a essa armadilha. Não me parece claro, ainda, o caminho que teremos que trilhar para fazer desse limão uma limonada.
Por isso gostaria de provocar uma discussão mais aberta sobre essa questão. Em relação à turma do "Who cares?", é bom que expliquem e defendam publicamente a perda de milhões de empregos em nome das chamadas vantagens comparativas da teoria econômica clássica. E, quanto aos que pregam apenas o ativismo cambial, que respondam sobre como lidar com os problemas internos criados pela compra de algumas dezenas de bilhões de dólares todos os anos em um sistema financeiro como o nosso.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 63, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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